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Os soldados Acordaram quando o sol já tinha se levantado e aquecido o ar fresco da noite. Desceram ao riacho para lavar o rosto e saíram. T’ô andava perto de Thach Lang, segurando-o pelo braço. O dia todo procuraram, com muita dificuldade, um caminho através da floresta. Tinham inicialmente pensado que, após terem ultrapassado essa profunda floresta, encontrariam aldeotas ou pelo menos algumas casas, não desconfiando que continuariam a andar até de noite e que o caminho da jângal se estenderia sem fim diante deles. A senda era tão estreita que Thach Lang precisou andar à frente, enquanto T’ô o seguia, agarrando-se à saca de arroz que ele carregava nas costas. A floresta parecia ficar cada vez mais densa e até mesmo T’ô entendeu que havia caído a noite, se bem que, quando ouviu o murmúrio do córrego, foi ela própria que propôs parar. Enquanto T’ô cozinhava o arroz, Thach Lang procurou e acabou encontrando um lugar agradável para passar a noite: uma pedra larga que suavizava a íngreme inclinação da montanha e que era cercada de árvores e de moitas. Ele quebrou galhos espinhosos que fincou em volta da grande pedra. Durante a noite, T’ô acordou ao ouvir os estalidos de uma fogueira. Avançou a mão para Thach Lang, mas também ele estava acordado. Ele pegou a mão de T’ô na dele e disse baixinho para ela não se mexer. Disse que, embaixo, perto do riacho, havia muitos homens, talvez centenas deles. Estavam em volta de uma grande fogueira. Aparentemente tinham acabado. de cozinhar seu arroz e iam começar a comê-lo. Thach Lang disse que esses homens estavam carregando fuzis. Após sua refeição, começaram a cantar. Cantaram músicas muito estranhas para as crianças, que nunca as tinham ouvido antes, músicas cujos ritmos possantes ressoavam como ondas do oceano quebrando-se em penhascos do litoral, pensou T’ô. Estavam apenas cantando, mas T’ô teve a impressão de que estavam prestes a se atirarem em massa, esmagando tudo sobre os pés. Até mesmo se uma montanha de rochedos atravancasse sua passagem, seriam capazes de estraçalhá-la. Estavam com muita raiva e decididos a marchar para frente de qualquer maneira. Um instante mais tarde, T’ô ouviu esses homens estranhos cantarem outras músicas mais suaves. Então, alguns levantaram e contaram histórias que pareciam diverti-los, já que riam às gargalhadas. T’ô estava até mesmo começando a sentir-se mais calma quando, de repente, Thach Lang apertou sua mão, cochichando. Um homem, entre aqueles que estavam perto do córrego, estava agora de pé. Na cabeça, ele estava com um tipo de chapéu cônico, improvisado com folhas de palmeira ainda verdes. Na mão direita, segurava uma longa bengala, como se fosse uma lança e, na esquerda, um pedaço de lenha em fogo. Fazia girar a tocha como se quisesse iluminar seu caminho e começou a cantar:
Eis tua bela terra, Encantadora terra; Fui servir sua honra Três anos no quartel De guarda desde a aurora, Entrincheirado à noite. Serraram nossas árvores, Estraçalharam-nas; Mas se era seu destino Por que se lamentar? Homem, grite sua dor Às tenras ameixeiras, Mangueiras e bambus, As róseas buganvíleas E rubros flamboyants. Enquanto crescem as flores, Geme teu cora çdo Num banho de salmoura. Era um canto estranho aos seus ouvidos, entretanto T’ô se emocionou. Pensou no pai. Nos anos durante os quais ele tinha sido soldado, nos dias que ele tinha passado na jângal inospitaleira, mal tendo o necessário para comer, dormindo no chão duro, exposto à chuva e ao orvalho... Se tivesse caído doente, a família nem teria podido ir cuidar dele... Ela também sabia que os homens lá embaixo, perto do riacho, estavam na mesma situação em que o pai tinha estado. Talvez um dia fossem mortos, como seu pai o tinha sido, pelas doenças da jângal, pelas bombas ou pelas balas. Seriam mortos e pareceriam com o passarinho morto que tinha visto um dia, pescoço torto, cabeça sobre o peito, patas e ganas dobradas sob o corpo. O canto do soldado era tão triste quanto o que T’ô tinha tocado na flauta naquela tarde. Falava de nostalgia e resignação. Estes últimos cantos eram muito diferentes dos cantos que os soldados haviam cantado antes. Os primeiros pareciam mais com o trote de cavalos e de elefantes, com o vento e a chuva das grandes tempestades. T’ô se perguntou como era possível uma única e mesma pessoa poder ter vozes e sentimentos tão diversos. |