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O ataque
Texto de Thich Nhat Hanh,
extraído do livro"Flamboyant em chamas"

O canto terminou, mas não houve aplausos. Houve apenas um longo silêncio. Então, alguém começou a falar e T’ô ouviu esse alguém criticar o homem que tinha cantado a tão triste música. Em seguida, o grupo inteiro recomeçou a cantar, mas não como anteriormente. Eram hinos guerreiros, animados pelo espírito de combate e de coragem. Cantaram ainda bastante tempo e depois calaram-se. T’ô imaginou que eles tinham se deitado para descansar. Agora Thach Lang e T’ô apenas ouviam alguns estalidos da fogueira prestes a se apagar. Ficaram muito quietos e então adormeceram. Quando Thach Lang e T’ô acordaram, já era dia e os homens estranhos tinham partido. Não havia mais nenhum vestígio deles terem estado ali na véspera. A própria fogueira havia desaparecido. Brasas e cinzas haviam sido recolhidas e escondidas em algum outro lugar.

E, novamente, Thach Lang e T’ô partiram. Foi somente de tarde que conseguiram sair da floresta e a noite já começava a cair quando atingiram um lugar habitado. A aldeota estava cercada por uma alta e sólida cerca feita de estacas de bambu. Algumas torres de vigia erguiam-se cá e lá em volta da aldeota. E, assim como na praça do mercado, as janelas estavam iluminadas por dentro. Decidiram passar a noite sob um telhado de sapé do mercado e não sair de manhã antes de se terem informado a respeito de onde estava a mãe.

A cerca de duas horas da madrugada, a aldeota foi atacada. As crianças foram despertadas pela explosão de foguetes teleguiados. Canhões detonavam ao redor. Alguém batia com muita força num gongo de cobre. Ouviram pessoas correrem em todos os sentidos: era provável que a milícia local e forças regionais se batessem por trás. De vez em quando, um foguete luminoso estourava no céu, espalhando sua luz em todos os cantos. E, logo depois, os canhões redobravam de violência. Os foguetes teleguiados haviam feito cair o telhado central do mercado: telhas caídas e outros destroços abatiam-se em cima do telhado de sapé sob o qual as crianças estavam agachadas e encolhidas. Ouviram então gritos agudos de adultos e crianças e também vozes irritadas dos combatentes. Ardia uma casa. Pessoas corriam muito depressa chamando-se umas as outras. Talvez estivessem tentando apagar o fogo enquanto continuava o combate? Em seguida, os atacantes atravessaram a linha de defesa e as crianças ouviram-nos berrar com todas as forças "pra frente", "pra frente". O próprio fogo tornou-se mais feroz. Balas silvavam acima das cabeças. Thach Lang permanecia em pé e T’ô tentava em vão fazê-lo deitar. Mas ele era mais forte e ela estava exausta. Ela estava deitada, tremendo igual a um passarinho assustado. Sentia que as casas estavam ardendo, que as pessoas estavam feridas ou morrendo e que os homens com canhões estavam loucos, loucos mortíferos. E contra sua vontade, palavras escaparam de seus lábios. Gritou: "Má! Má!", então, como se todo o temor de ser atingida por balas perdidas a tivesse abandonado, sentou-se e soltou gritos agudos.

Urrou com todos os seus pulmões e, entretanto, ela ouviu, sim: ela não podia acreditar no que ouvia, mas ouviu Thach Lang cantar. Tinha saído do abrigo deles e cantava. Ela gritou para ele:

— Deite! Por favor, deite, deite!

Mas ele não estava ouvindo. Cantou cada vez mais alto. T’ô teve a impressão que, de todos os lados, o vento tinha se levantado e esvoaçava e que, ao longe, os sons da floresta misturavam-se à voz da Thach Lang. Ele permanecia do lado de fora e cantava, sem medo, assim como se estivesse em alguma aprazível colina. Ao ouvi-lo, sentiu se esvair todo seu medo, toda sua tristeza. Puxou a flauta e começou a tocar. Ouviu, então, o barulho de batidas de asas. Os passarinhos tinham voltado e giravam acima de sua cabeça. A batalha estava diminuindo, o tiroteio tomou-se menos intenso e gritos e tiros acalmaram-se. E o som da flauta de T’ô novamente se levantou, chorando sobre a sina dos lenhadores forçados a serem soldados e que nunca haviam voltado da frente de batalha. Tocou para os vendedores de lenha que tinham perdido os filhos durante um combate; para as crianças que vagavam sem casa; para os soldados mortos na mais completa solidão, nas longínquas montanhas; para as velhas; para os bebês, atingidos por balas perdidas e que tinham sangrado até a morte sem ninguém que os pudesse socorrer. Céu e terra escutavam; todos os pássaros da floresta escutavam; as crianças e adultos, até mesmo os soldados que se matavam alguns minutos antes tinham baixado seus fuzis e escutavam. T’ô implorava ajuda dos céus e da terra, de todas as criaturas vivas, da mesma forma como tinha chorado antes com os insetos das árvores e da terra. Quando a música de T’ô estava acabando, elevou-se novamente a voz de Thach Lang. Nesta voz havia uma fé eterna na identidade compartilhada e no amor de todos os seres, de tudo que existia. Sua voz era como a brisa da primavera, que acalma as dores; como o orvalho de outono, que refresca o fogo de ódio; como a água milagrosa, que faz crescer os novos brotos nas árvores após sua dormência invernal.




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