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INTRODUÇÃO AO BUDISMO
Uma visão da doutrina budista através dos textos
Este é um trabalho de seleção e ordenação de textos
de vários autores e mestres budistas por
Karma Tenpa Darghye.

A escola filosófica do Caminho do Meio (sânsc. Madhyamika) surgiu a partir dos trabalhos do monge indiano Nagarjuna (séc. II – III) e de seu discípulo cingalês, Aryadeva (séc. III). Outros filósofos importantes desta escola foram os monges indianos Buddhapalita (470?-540?), Bhavaviveka (500-750), Chandrakirti (600?-650?), Shantirakshita (680-740) e Kamalashila (700?-750?).

Nagarjuna não pretendia criar uma filosofia e sim elucidar os ensinamentos dos Discursos sobre a Perfeição da Sabedoria (sânsc. Prajna-paramita Sutra). O principal trabalho de Nagarjuna é o Mula-madhyamaka-karika (Versos fundamentais sobre o Caminho do Meio), um conjunto de 400 versos divididos em 27 capítulos. Outros trabalhos também são atribuídos a Nagarjuna: Mahayana-vimshaka, Dvada-shadvara Shastra, Maha-prajna-paramita Shastra. O Chatuh-shastakastava (Quatrocentos Versos), de Aryadeva, complementa os trabalhos citados anteriormente.

O ponto principal desta filosofia é a vacuidade dos fenômenos (sânsc. dharma-shunyata). Segundo Nagarjuna, o vazio (sânsc. shunya) é a ausência de uma essência, de uma existência inerente (sânsc. svabhava). A ausência de uma essência não significa que os fenômenos não existam, e sim que eles são destituídos de "existência própria", de uma "natureza própria", e que eles "existem" apenas em dependência de causas, partes e condições (originação dependente ou pratitya samutpada). O nirvana (incondicionado) e o samsara (condicionado) seriam igualmente vazios.

O surgimento interdependente dos fenômenos é a vacuidade e vice-versa. É como olhar os dois lados de uma mesma moeda. O vazio de existência por si mesmo [existência inerente] significa que o mundo que alucinamos, cheios de objetos e pessoas independentes e permanentes, não existe. Isso não quer dizer, porém, que nada existe e que podemos ficar histéricos ou explodir de energia nervosa. Essa é, normalmente, a reação exagerada que temos quando nossa mente toca pela primeira vez o espaço absoluto, mas ainda não compreende ou não aceita essa realidade. O que existe são coisas, pessoas e objetos surgidos interdependentemente, transformando-se e funcionando momento após momento segundo a lei do karma. A lei do karma não é uma coisa mística, mas uma análise precisa da transmutação da energia e dos fenômenos, que parece ter alguma semelhança com as leis de conservação da energia da física moderna.

NGELSO – AUTOCURA III – Lama Ganchen

Há duas linhas de raciocínio padrão pelos quais se cultiva um entendimento sobre a vacuidade. A primeira diz que nada tem auto-existência independente [existência inerente] porque tudo é feito de partes. Já que todas as coisas são dependentes de suas partes, elas não podem ter auto-existência independente. A segunda diz que um grupo de muitas coisas individuais não pode ser dito como tendo uma auto-existência independente porque, pela primeira linha de raciocínio, todas as partes componentes não têm auto-existência independente. Se as partes de um todo são dependentes de suas partes, então o todo não pode ser auto-existente independentemente.

Porém, a filosofia do Caminho do Meio não nega a existência das coisas no nível relativo. O mal-entendimento dos ensinamentos do Caminho do Meio levariam a afirmar uma de duas posições errôneas. A primeira é o niilismo, no qual nada teria sido deixado no nível relativo da verdade, pelo qual se reconhece as coisas, o que negaria todos os conceitos ou entendimento das coisas no nível relativo como sendo não-verdadeiros. Isto poderia conduzir à conclusão de que própria vacuidade é incorreta, mal entendida ao afirmar a ausência de auto-existência independente, inerente, das coisas no nível relativo. (...)

A segunda posição errônea seria [o eternalismo,] aceitar a vacuidade no nível absoluto da verdade, mas ver todas as coisas no nível relativo como meros conceitos mentais que são erroneamente tomados pela mente como sendo reais. Isto poderia levar a abandonar os ensinamentos e práticas do Dharma, tais como a meditação e a tomada do refúgio que traz bons efeitos kármicos.

Ambas as posições são compreensões errôneas da vacuidade e levariam os indivíduos a acreditar que eles atingiram tudo, quando de fato não atingiram coisa alguma.

Um entendimento correto do ensinamento da vacuidade é a habilidade de manter na mente ambas as verdades, a relativa e a absoluta, ao mesmo tempo, sem ver qualquer contradição entre elas. Ashvaghosha disse, "Você nunca deve ignorar o nível relativo da verdade por causa da vacuidade. Ao invés disso, deve compreender que o nível relativo da verdade e a vacuidade no nível absoluto trabalham um com outro em harmonia". Por este motivo, a filosofia Madhyamika é dita como sendo um caminho intermediário ente o eternalismo e o niilismo.

IS DEITY YOGA BUDDHIST? – Brian T. Haffer

Nagarjuna atacou a idéia de existência inerente, não a de exixtência convencional. O mundo convencional é real, não ilusório, mas é radicalmente impermanente (isto é, sem svabhava), e só pode ser descrito como convencionalmente verdadeiro. O conhecimento destas duas verdades, isto é, a paramartha-satya, ou verdade absoluta da ausência universal de svabhava, e a samvriti-satya, ou verdade relativa do mundo convencional, constitui o Caminho do Meio entre o eternalismo e o niilismo.

A CONCISE HISTORY OF BUDDHISM – Andrw Skilton

Para explicar estas duas verdades, pode-se usar como exemplo o corpo humano: o que é o "corpo"? É possível apontar a cabeça, o tronco, os membros etc., mas não o "corpo" em si; é possível analisar cada uma destas partes, até chegarmos às partículas da matéria, mas sem encontrar qualquer coisa que, sozinha, possa ser chamado de "corpo". Afirmar que o corpo "existe" por si mesmo seria contraditório, mas afirmar que ele "não-existe" também seria contraditório. Dizer que o corpo "existe e não-existe" ou que "não existe nem não-existe" seria apenas uma argumentação absurda.

Assim, poder-se-ia concluir que o "corpo" é apenas um nome (sânsc. nama), um conceito para designar uma determinada forma (sânsc. rupa) que, por sua vez, surge apenas em dependência de diversas partes, causas e condições — a cabeça, o tronco, os membros, o nascimento etc. Esses elementos, separadamente, não são o "corpo". Aqui, a verdade no nível relativo é que, convencionalmente, "existe" um corpo que surge em dependência das diversas causas, partes e condições. A verdade no nível absoluto é a impossibilidade de fazer qualquer afirmação definitiva a respeito do "corpo", pois ele não existe por si mesmo, é destituído de existência inerente, nada mais que vacuidade (sânsc. shunyata). Esta lógica também pode ser usada para explicar o anatman, ou não-eu: o conceito de "eu" é vazio, pois surge em dependência dos nossos cinco agregados (forma, sensação, percepção, formações mentais, e consciência).

Cada um de nós possui um corpo físico, com o qual temos as experiências de céu e terra, amigos e inimigos, alegria e tristeza. Quando esse corpo se deita à noite para dormir, mesmo que não saia da cama, uma experiência totalmente diferente de corpo, céu, terra, amigos e inimigos aparece — o corpo do sonho, a fala do sonho e a mente do sonho. Quando acordamos, no dia seguinte, novamente temos as experiências do estado de vigília do corpo, fala e mente, que consideramos reais. Por ocasião da morte, quando temos uma outra experiência de corpo, fala e mente, no estado intermediário entre o final desta vida e o começo da próxima, uma experiência até certo ponto semelhante à do sonho, porém mais difícil e amedrontadora. Então, mais uma vez, renascemos com ainda um outro corpo, fala e mente. Se formos capazes de ter realização plena do caminho espiritual, quando da iluminação alcançarmos o corpo vajra ou o corpo de sabedoria, a fala de sabedoria e a mente de sabedoria.

Assim, há uma continuidade no princípio de corpo, fala e mente. No entanto, se pensarmos que ele é uma determinada "coisa", se tentarmos encontrá-lo, determinar seu tamanho ou formato, por mais inteligentes que formos, por mais poderosa a tecnologia que empregarmos, não encontraremos nada que possamos apontar como sendo a natureza do corpo, fala e mente. No entanto, não podemos negar a nossa própria experiência. Essa natureza está além dos conceitos, além da medida da mente ordinária: é aquilo que chamamos vacuidade. Ela não pode ser destruída, mudada nem interrompida — ela exibe as sete qualidades vajra.

PORTÕES DA PRÁTICA BUDISTA – Chagdud Tulku Rinpoche

Pense numa árvore. Ao pensar nela, você tende a pensar num objeto distintamente definido; e num certo nível (...) é isso mesmo. Mas quando você olha mais de perto para a árvore, percebe que em última análise ela não tem existência independente. Ao contemplá-la, verá que ela se dissolve numa rede extremamente sutil de relações que se estende por todo o universo. A chuva que cai em suas folhas, o vento que a balança, a terra que a alimenta e sustenta, todas as estações e o tempo, o luar, a luz das estrelas e o sol — tudo isso é parte dessa árvore. À medida que você começa a pensar mais e mais sobre a árvore, descobre que tudo no universo ajuda a fazer dela o que é; que ela não pode em momento algum ser separada de qualquer outra coisa; e que é o significado que queremos dar quando dizemos que as coisas são vazias, que não têm existência independente.

O LIVRO TIBETANO DO VIVER E DO MORRER – Sogyal Rinpoche

Saiba que todas as coisas são assim: uma miragem, um castelo de nuvens, um sonho, uma aparição, sem essência mas com qualidades que podem ser vistas.

Saiba que todas as coisas são assim: como a lua num céu brilhante, refletida em algum lago claro, ainda que para aquele lago a lua jamais se moveu. Saiba que todas as coisas são assim: como um eco que provém da música, sons e lamentos, embora nesse eco não haja melodia. Saiba que todas as coisas são assim: como um mágico que fabrica ilusões de cavalos, bois, carroças e outras coisas, nada é como parece.

SAMADHI – RAJA SUTRA

"Surgir", "perdurar" e "desintegrar"; "existir" e "não-existir"; "inferior", "médio" e "superior" não tem existência verdadeira. Estes termos são usados pelo Buddha de acordo com as convenções mundanas. Todo fenômeno deveria ter "existência própria" ou "não-existência própria". Não há fenômeno que seja um destes dois, nem existem expressões que não venham sob estas duas categorias. Todo fenômeno (...) é similar ao nirvana, pois todo fenômeno é destituído de existência inerente. Qual é o motivo disto? É porque a existência dos fenômenos não é achada nas causas, condições, agregados ou partes. Assim, todo fenômeno é destituído de existência inerente e é vazio.

SHUNYATA–SAPTATI–KARIKA – Nagarjuna

Entre os séculos V e VI, o Madhyamika se dividiu em dois segmentos: Prasangika e Svatantrika. O primeiro, fundado por Buddhapalita, usa a razão para mostrar que todas as afirmações são incorretas, inaceitáveis, absurdas ou contraditórias, levando a conseqüencias indesejáveis (sânsc. prasanga). O segundo grupo, fundado por Bhavaviveka, usa argumentos substanciais pelo uso da inferência lógica válida (svatantra-anumana).

O Madhyamika teve grande importância no estabelecimento do budismo Mahayana na Índia, no Tibet, na China (escola San-lun) e no Japão (escola Sanron). Madhyamaka e Yogachara representam as principais filosofias Mahayana. Entre os séculos VII e VIII, o monge indiano Shantirakshita sintetizou os ensinamentos destas escolas, criando filosofia Yogachara-Svatantrika. Shantideva (séc. VII-VIII), adepto desta última filosofia, escreveu a Coleção de Regras (sânsc. Shikshamuchchaya) e o Entrando no Caminho do Bodhisattva (sânsc. Bodhisattva-charya-avatara).




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