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Chagdud RinpocheChagdud Rinpoche (1930-2002)
Referências/por seu filho/Textos

Referências

Chagdud Rinpoche nasceu no Tibete em 1930. Sua mãe, Dawa Drolma, era uma famosa lama e delog, pessoa que tinha morrido, viajado pelos reinos de samsara e terra pura e voltado à vida — no caso dela, cinco dias depois. Aos dois anos, o menino foi reconhecido como tulku, ou reencarnação, do abade de Chagdud Gonpa — 16º de uma linhagem de grandes mestres e descobridores de tesouros do Darma, indianos e tibetanos.

Seu ensinamento enfatiza a necessidade de integrar visão, meditação e ação. Ele estabeleceu um programa de treinamento no qual os alunos praticam o Darma tanto em meditação formal como na vida diária. Os ensinamentos dzogchen ou ati ioga, são os mais profundos, libertadores e diretos de toda a tradição tibetana. Neste contexto, Rinpoche apresenta inicialmente as práticas de nondro que, concluídas, habilitam a um programa de ensinamentos e transmissão completa através de retiros e meditações. Tendo sempre dzogchen como panorama de fundo, Rinpoche dá muitos outros ensinamentos, incluindo maha ioga. Sua vinda ao Brasil pode ser comparada à de Padmasambava ao Tibete.

Conectado com as quatro linhagens do budismo — seu pai e seu padrasto foram lamas gelugpa, a mãe era da família Sakia, e ele foi treinado nas tradições kaguiu e ningma — completou dois retiros de três anos e estudou com mais de 40 lamas, inclusive grandes mestres como Sechen Kongtrul, Khanpo Dorje, Tulku Arig, Tromge Trungpa, Dudjom Rinpoche e Dilgo Khyentse Rinpoche.

Fugindo do Tibete ocupado pelos chineses em 1959, Chagdud Rinpoche passou 20 anos na Índia e no Nepal, servindo a comunidade de refugiados como lama, médico e artista.

Sua Eminência Chagdud Tulku Rinpoche só foi para os Estados Unidos em outubro de 1979, a convite de sua esposa, Jane Tromge, e um grupo de outros americanos. Ensinou na Califórnia e no Oregon. Instado por seus alunos, aceitou ficar no país se estes prometessem aplicar com diligência seus ensinamentos. Em 16 anos, o mestre revelou lenta e metodicamente todos os ensinamentos vajraiana, até o mais alto, o dzogchen, a grande perfeição. Agora, com alguns de seus primeiros discípulos, ele vem instalar-se no Chagdud Gonpa Brasil, em Três Coroas, RS. Outros centros da Fundação se encontram na Suíça, no Canadá, nos EUA, e em São Paulo e Belo Horizonte.

A capacidade de Chagdud Rinpoche de desabrochar no Oeste não se deve apenas ao seu grande conhecimento, sua iluminação, sua compaixão e seu humor, mas ao fato de ele ser um homem do renascimento. Artista, poeta, mestre das artes rituais e de canto, famoso pela sua voz extraordinária, autor de obras de arte importantes no Ocidente, como uma estátua de cimento de Padmasambava de sete metros de altura, ele toca o coração de seus discípulos pela compaixão e pela firmeza com que insiste na prática de seus ensinamentos. Seu livro Portões da Prática Budista, que acaba de ser publicado em português (Editora Paramita) termina com um conselho:

"As pessoas dão muitas razões para não praticar. Algumas dizem que não acreditam nos ensinamentos, outras que não estão preparadas ou não são capazes. Mas é um engano. Acreditando ou não em samsara, é aqui que estamos. Acreditando em carma ou não, nós o criamos. Acreditando ou não nos venenos da mente, eles estão lá. De que serve não acreditar nos remédios? Estando nós prontos ou não para praticar, a morte e a doença não esperarão. Por que não preparar? Por que não desenvolver a capacidade de ajudar a nós mesmos e aos outros? Estamos prontos para beber veneno, mas não para tomar remédio.

Não meditar, depois de recebermos os ensinamentos, é como comprar nossas comidas preferidas, arranjá-las com muito gosto na cozinha e não comer. Morreremos de fome. Meditar é como comer: nossa despensa está cheia e nós partilhamos aquilo que juntamos.

"Em vez de dizer, Hoje não tenho tempo, meditarei amanhã; esta semana não tenho tempo, vou deixar para a semana que vem; este ano estou ocupado, faço no ano próximo, precisamos sentir a urgência de fazer nossa prática agora, não apenas hoje, não dentro de uma hora, mas neste exato momento."

Quando as pessoas dizem que é muito difícil praticar devido às famílias, filhos pequenos, trabalho, agitação, ruído, falta de dinheiro, problemas de saúde, ele diz, "Se isso perturba tanto, imagine a proximidade da morte e o bardo. Use essas dificuldades como estímulo para superar samsara de vez, atingir a felicidade que não flutua e trazer real benefício a todos os seres". Seus ensinamentos são para todos.

Chagdud Tulku Rinpoche faleceu na madrugada de 17 de novembro de 2002, dando ensinamentos sobre como morrer... "A morte espera por todos nós, quer estejamos preparados ou não, quer escolhamos pensar sobre ela ou não".

Texto extraído de http://www.botisatva.org


Por Jigme Tromge Rinpoche

A MORTE DE SUA EMINÊNCIA CHAGDUD TULKU RINPOCHE

23 DE NOVEMBRO DE 2002


O filho de Sua Eminência Chagdud Tulku Rinpoche, o Lama do Budismo Tibetano recentemente falecido, chegou da Califórnia para conduzir cerimônias tradicionais para seu pai. Jigme Tromge Rinpoche, 38, é o líder espiritual de um centro budista em Sebastopol na Califórnia.

Chagdud Rinpoche morreu do coração nas primeiras horas da manhã de domingo, 17 de novembro, em seu quarto no Khadro Ling, seu principal centro no Brasil. Além de seu filho, Rinpoche deixou esposa, Chagdud Khadro, 55, filha, Dawa Tromge, 32 e uma meia-irmã, Trinley Wangmo, que mora no Tibete oriental.

Jigme Rinpoche (em tibetano, Rinpoche é um título que significa "mestre precioso") vai conduzir no Brasil as cerimônias tibetanas tradicionais para o falecimento de um mestre de meditação. Ele conduzirá essas cerimônias com a ajuda de outros lamas tibetanos, dois dos quais, Lama Chodrak Gyatso e Lama Sonam Tsering, vieram dos Estados Unidos e já chegaram no Brasil. As cerimônias também estarão acontecendo nos Estados Unidos, Tibete, Nepal, Índia, Suíça e França, nos monastérios e centros budistas que eram coordenados por Chagdud Rinpoche ou associados a sua tradição, que é a Nyingmapa, ou "Escola Antiga" do Budismo Vajrayana.

A respeito da morte de seu pai e das cerimônias que serão realizadas, Jigme Rinpoche declarou:

Meu pai sofre de problemas cardíacos há bastante tempo. Nos últimos anos, ele esteve sob os cuidados de um excelente cardiologista em São Paulo. No entanto, nos últimos meses ele previu que este seria o período final de sua vida. Cancelou uma viagem aos Estados Unidos e, ao invés disso, entrou em um retiro muito restrito aqui no Khadro Ling. Insistiu em marcar ensinamentos sobre a transferência da consciência no momento da morte, e esses foram os ensinamentos que deu, até às 21h na noite anterior a sua morte.

No sábado à tarde, 16 de novembro, eu recebi um telefonema na Califórnia e me disseram que o Rinpoche teria dito: ´Eu estou indo´. Por um momento, fiquei chocado pois interpretei a mensagem como se ele estivesse se referindo à morte. No entanto, a pessoa que recebeu a ligação interpretou as palavras do Rinpoche como se ele estivesse indo ver seu cardiologista em São Paulo. Eu relaxei um pouco mas, na verdade, ele realmente acabou indo na manhã do domingo, por volta das 4h15min da manhã, quando seu coração parou.

Depois de seu último suspiro, meu pai permaneceu em um estado de meditação por quase seis dias que impediu que seu corpo entrasse em processo de deterioração. A habilidade em permanecer neste estado de meditação após a respiração parar é muito conhecida entre grandes mestres tibetanos, mas as circunstâncias necessárias que permitem que isso ocorra no Ocidente são raras. Chagdud Rinpoche permaneceu sentado em uma posição natural de meditação com pouquíssimas alterações visíveis em sua cor ou expressão. Durante este tempo ninguém tocou seu corpo.

Até o sexto dia, sexta-feira, dia 22 de novembro, Rinpoche ainda não tinha nenhum sinal físico que sua meditação teria acabado. Neste meio tempo, estávamos em constante contato com um advogado e outras autoridades sobre os costumes e leis locais. No meio do dia de sexta-feira sua meditação cessou e sua mente separou-se do corpo. Em poucas horas, sua aparência mudou e ele começou a apresentar os primeiros sinais que surgem nas primeiras 24 horas após a morte.

Oficiais da vigilância sanitária inspecionaram o corpo e uma empresa de serviços funerários o transportou até o local onde ele será embalsamado. Assim que todas as providências forem tomadas, seu corpo será levado para o Nepal, onde Chagdud Rinpoche tem um centro. Extensivas cerimônias vão ser realizadas por muitos lamas elevados. Elas continuarão por sete semanas após a morte do Rinpoche, até 5 de Janeiro de 2003. Daqui a algum tempo, cerimônia acompanhadas por pessoas de todo o mundo serão realizadas e o Rinpoche será cremado. As leis do Nepal permitem este adiamento na cremação.

Todas as cerimônias tibetanas têm o mesmo objetivo principal, que é o de purificar as falhas e obscurecimentos que encobrem a pureza natural de nossa mente e de gerar o mérito que aumenta a paz e o bem-estar de todos os seres vivos. As cerimônias fúnebres refletem esta mesma intenção de uma maneira bastante intensa. Para muitas pessoas, a turbulência do momento da morte pode fazê-los esquecer seu refúgio espiritual, seja ele budista, cristão, judeu ou de qualquer outra tradição espiritual.

Por esta razão, seus amigos e familiares procuram a orientação dos lamas, padres e pastores que são treinados nas orações e meditações que darão suporte à pessoa falecida em sua transição. Da mesma forma, na maioria das tradições se oferece luz, sejam lamparinas ou velas, que simbolizam a claridade que supera a escuridão. Também fazemos oferendas em nome do falecido. No Tibete, essas oferendas serão dadas aos monastérios. No Ocidente, as oferendas serão doadas a projetos de caridade.

As cerimônias fúnebres feitas para um mestre espiritual como meu pai têm objetivos semelhantes, mas são diferentes no sentido de que não são realizadas para este benefício específico. Sua Eminência Chagdud Rinpoche é capaz de direcionar completamente sua própria mente durante a transição da morte e seu vasto mérito é refletido por tudo que ele foi capaz de realizar. Particularmente no Brasil, ele construiu o primeiro templo tibetano na América do Sul, com belíssimos trabalhos de arte e decoração tradicional. Até mesmo o enorme tambor, feito no Brasil, seria o mesmo encontrado no Tibete.

Rinpoche também deixou um legado de estudantes bem treinados. Ele ordenou três brasileiros como lamas, como forma de reconhecimento de sua capacidades de ensinar e treinar estudantes. Seu principal cantor, um brasileiro de 17 anos, tem uma voz notável, com o som e timbre de um cantor tibetano. Rinpoche também treinou seus estudantes na arte e nos rituais. E, acima de tudo, estabeleceu muitos brasileiros no caminho espiritual. A paz interna e o insight da meditação que encontram em suas próprias vidas aumentam o bem-estar de suas famílias, amigos e conhecidos. A intenção máxima de nossa prática espiritual é beneficiar todos os seres, próximos e distantes, amigos e inimigos, sem nenhuma distinção.

Portanto, quando realizamos as cerimônias para o Rinpoche, invocamos suas bênçãos e as de todos os seres de sabedoria, em todos os reinos de existência, para que se dê continuidade às realizações do Rinpoche nesta vida. Pedimos que suas bênçãos e nossas preces se unam para que nossas aspirações espirituais sejam alcançadas.

A morte do Rinpoche foi uma rara e preciosa demonstração de uma meditação muito elevada. O estado que ele alcançou após sua última respiração é o tipo de evento espiritual que se tornaria fonte de lendas no Tibete. É maravilhoso que este fato tenha ocorrido no Brasil. Rinpoche escolheu vir para este país porque percebeu o enorme potencial espiritual contido em muitos brasileiros. Acredito que sua forma de morrer foi o seu último ensinamento espiritual aos estudantes e amigos que ele encontrou aqui.

A generosidade dos brasileiros tem se mostrado óbvia não só pelas oferendas para as lamparinas e cerimônias, mas também pela consideração oferecida a nós pelas autoridades com quem tratamos. Nós estamos profundamente agradecidos pela tolerância religiosa no Brasil. Como seu filho e aluno devoto, eu tenho muita gratidão ao Brasil e espero que uma infinidade de bênçãos cheguem a este país. E eu me comprometo a continuar o seu trabalho aqui.


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