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A prática é dar A prática é de fato algo para se aprender a dar, mas isso pode ser facilmente mal-entendido, por isso temos de ser cuidadosos. Há pouco tempo li um livro cuja autora se chamava Peregrina da paz*. Em três décadas caminhou mais de 40.000 km, levando seus bens consigo, pregando a paz. Seu livro mostra que ela de fato entendia a prática, que ela descreve com muita simplicidade. Ela diz que, se quisermos ser felizes, temos de dar, dar e dar. Em vez disso, a maioria quer receber, receber e receber. Essa é a natureza do ser humano. Foram necessários muitos anos de árduo treinamento para que a Peregrina da Paz transformasse a sua vida. Para ela, o treinamento foi dar totalmente. Isso é maravilhoso - se entendermos de modo correto o intuito da atitude. Alunos iniciantes têm idéias tipicamente autocentradas a respeito da prática: "Vou praticar para conseguir uma integração completa"; -Vou praticar para ficar iluminado"; "Vou praticar para ficar calma". Em vez disso, a prática é a respeito de dar, dar, dar. Mas cometemos um erro se simplesmente adotamos essa postura como um novo ideal. Dar não diz respeito a pensar. Nem nós deveríamos dar em função de obter melhores resultados para nós mesmos. Para a maioria, contudo, dar é confundido com motivações autocentradas, e isso continuará sendo válido enquanto nossa prática não estiver bastante sólida. Devemos perguntar a nós mesmos: "O que é dar?". Isso pode nos manter ocupados por muitos anos. Por exemplo, deve ríamos dar aos outros tudo o que eles quiserem? Às vezes -mas às vezes não. Às vezes precisamos dizer não, ou simplesmente sair do caminho.Como não existem fórmulas, corremos o risco de cometer erros - e está tudo bem. Praticamos com os resultados de nossos atos, e isso leva tempo. Talvez depois de muitos anos comecemos a apreender a verdadeira natureza do dar. Um professor zen no Japão exige dos novos alunos que pratiquem por dez anos sem um trabalho direto com ele. Quando os alunos voltam depois de dez anos, ele lhes diz que voltem a praticar sentados por mais dez. Embora não seja assim o meu estilo de ensinar, ele tem uma finalidade. Leva tempo descobrir o que a vida é. Na semana passada recebi dois telefonemas de pessoas em busca de conselhos a respeito da prática. Uma delas dizia que sua amiga tinha vivido uma percepção espiritual um pouco desintegrada e que queria saber qual era o livro certo que ajudasse a amiga a aprumar-se. A outra pessoa ligou-me à 1:30 h da madrugada para dizer que tinha lido um livro maravilhoso sobre iluminação e achado que sua própria prática não estava muito iluminada. Ela queria ajuda para entender o que se passava. Eu lhe disse que não era uma boa idéia telefonar para as pessoas no meio da noite. Ela respondeu: "Oh, já está de madrugada?". Eu disse: "A iluminação diz respeito a despertar. E para que você desperte você tem de saber que horas são". Ela disse: "Isso nunca me ocorreu". Iluminação é a capacidade de dar totalmente a cada segundo. Não é ter algumas experiências extraordinárias. Esses momentos podem ocorrer, mas não tornam uma vida iluminada. Precisamos perguntar: "O que significa para mim dar, neste momento?". Por exemplo, quando o telefone toca, como podemos dar? Quando estamos num trabalho físico - limpando, pintando, cozinhando -, o que significa dar totalmente? Embora não possamos nos tornar pessoas capazes de dar totalmente apenas pensando sobre isso, podemos notar quando não damos totalmente. Ocultamos de nós mesmos nossas motivações autocentradas, e a prática ajuda-nos a perceber o quanto somos autocentrados. A verdade é que, a qualquer momento, somos como somos. Precisamos vivenciar isso, saber quais são nossos pensamentos e sensações corporais, e, então, aos poucos, nossa vivência pode voltar-se sobre si mesma. Nós não temos de fazer isso. Isso se volta sobre si mesmo por si. Não podemos nos fazer ser de uma certa maneira. Imaginar que podemos é uma das maiores armadilhas da prática. Mas podemos tomar contato com a nossa intolerância e grosseria, com nossa preguiça e com os outros jogos que jogamos. Quando percebemos como somos de verdade, as coisas lentamente começam a virar - como acontece com tantos alunos que tenho. É maravilhoso assistir a isso. Quando a reviravolta, acontece, essa gentileza ou capacidade de doação difunde-se. É disso que trata a prática. Em vez de um novo ideal - "Eu não quero visitá-lo hoje à tarde - mas eu deveria estar dando" -, agimos e vivenciamos o que acontece dentro de nós. Então, por favor: dar, dar, dar - e praticar, praticar, praticar. È esse o Caminho.____* Peace Pilgrim: Her life and work in her own words, compiled by some of her friends, Santa Fé, NM: Ocean Tree, 1991. Também Steps toward inner peace - A discourse by Peace Pilgrim: Suggested uses of harmonious principies for human living. Friends of Peace Pilgrim, 43480 Cedar Avenue, Hemet, CA 92343. |