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OS ASPECTOS NEGGATIVOS DA MORAL BUDISTA Através da leitura, audição e ponderação do ensinamento, pode-se estabelecer uma confiança básica nele, e os primeiros passos da trilha poderão ser dados. No budismo, como na maioria das religiões existentes, estes primeiros passos envolvem um exame do código de moral que governa a vida de um indivíduo. Antes de voltar-se para a vida interior, isto é, para o desenvolvimento e liberação da mente -e este é o objetivo do ensinamento budista - a vida exterior deve ser colocada em ordem. Contudo, mais uma vez, nem tudo é tão simples quanto parece, e a moral budista não pode ser considerada um outro conjunto de regras. Deve haver, ao se fazer uma escolha, o cultivo da sabedoria e do discernimento, para que se possa detectar quando tal escolha deve ser feita. No que diz respeito ao cultivo da força de vontade e do discernimento, o ensinamento budista dá maior ênfase ao último, pois a obediência cega não é incentivada e, portanto, a não ser que uma pessoa esteja convencida de que está seguindo um curso insensato, provavelmente não o abandonará se ele lhe for atraente. A moral budista é, de fato, uma moral natural; ela é baseada na compreensão do indivíduo, através da experiência dos resultados de suas ações, e na sua própria escolha consciente e esclarecida de seguir este caminho em vez de outro. Nenhum agente externo é invocado; não se pede obediência aos mandamenios de Deus; nem o medo ou o amor são envolvidos, mas apenas a compreensão baseada na experiência e na escolha cuidadosa. Esta abordagem é exemplificada na fórmula usada pelos budistas para postular seu código moral. Não existem leis, nem "deves isto" ou "deves aquilo". O budista é convidado a "tomar para si mesmo" certas "regras de treinamento", que lhe poderão ser úteis para a obtenção daquela autoconfiança tranqüila, indispensável a todos os que procuram a harmonia e a felicidade. Não existem leis ou mandamentos, mas um apelo ao bom senso e à ordem social. O fundamento moral em que se baseia o ensinamento do Buda é formulado em "cinco preceitos": 1. Submeto-me às regras de treinamento para abster-me de causar danos às coisas viventes. 2. Submeto-me às regras de treinamento para abster-me de desejar possuir o que não me é dado. 3. Submeto-me às regras de treinamento para abster-me do uso incorreto dos sentidos. 4. Submeto-me às regras de treinamento para abster-me das falas indevidas. 5. Submeto-me às regras de treinamento para abster-me de tomar drogas e bebidas que tendem a anuviar a mente. O primeiro preceito implica um crescente conhecimento da inviolabilidade da vida. Este preceito, freqüentemente traduzido como "não matar", requer mais precisamente que não se viole, injurie ou, de algum modo, maltrate os seres viventes. Em princípio, pode parecer significar apenas abster-se de assassinar ou matar licenciosamente. Surge, então, a questão de se meu prazer gastronômico deveria ser satisfeito à custa de "coisas viventes", e se os animais deveriam ser massacrados de tal modo que eu me pudesse entreter em suas plumagens usurpadas. De que servem meus impulsos assassinos quando sou humilhado ou frustrado? De que serve a felicidade oculta que sinto quando alguém de quem não gosto é "degradado"? Se um homem que vive no mundo ocidental, em pleno século XX, tentar seriamente pôr em prática o primeiro preceito do código moral budista, um interminável número de interrogações e dúvidas imediatamente surgirão. Todavia, tais questões são frutíferas. Primeiramente, é claro, elas perturbarão e romperão sua vida, mas gradativamente, isto é, na medida em que forem sendo devidamente enfrentadas e trabalhadas, a própria vida adquirirá uma nova significação e perspectiva. Um novo sentido de respeito pelo outro começará a permear seu pensamento. O segundo preceito requer que o individuo se abstenha do desejo de "possuir o que não lhe foi dado". Aqui, mais uma vez, a interpretação mais simples que seria "não roubar" é ruidosamente inadequada. Trata-se bem mais que uma questão de desenvolver o mesmo respeito pelos possuidores de objetos inanimados que o primeiro preceito prescreve em relação às coisas viventes. "Não possuir o que não lhe foi dado" significa esperar até que as coisas lhe sejam oferecidas, em vez de sair apressadamente e agarrá-las. Uma paciência reflexiva substituirá gradualmente o frenético "eu quero", uma atitude que prevalece atualmente. Todavia, como no caso do primeiro preceito, uma tentativa séria de colocar em prática a "regra de treinamento para abster-se de desejar possuir o que não lhe é dado" envolve uma série de autoquestionamentos profundos. O terceiro preceito tem sido freqüentemente traduzido como "abster-se de um mau procedimento sexual". Mas isso não é tudo o que este preceito encerra. Somos aqui advertidos para nos abstermos de um uso indevido do corpo e das sensações corpóreas. A estimulação artificial do apetite está tão envolvida quanto o adultério e o incesto. Aquele que se submeter a esta terceira regra de treinamento deverá refletir sobre o modo pelo qual usa o seu corpo, órgãos sensoriais e impulsos sexuais. Isso não é, de modo algum, uma exortação ao ascetismo. Não é imposto ao budista abster-se da vida sexual; nem tampouco de comer os alimentos que lhe apetecem ou deleitar os olhos e ouvidos com obras de arte e elementos da natureza que o atraiam. O que a terceira regra advoga é um ininterrupto conhecimento da qualidade e do grau de atividade sensual de um indivíduo. Os sentidos devem ser gozados, mas não esfalfados; usados, mas não abusados. Não é o casamento que torna o sexo permissível, mas o respeito e a confiança mútuos. Não é a luxúria em si que deve ser evitada, mas a inundação da consciência que causa qualquer espécie de indulgência e a evitação de causar sofrimento ao próximo. Há uma lista das variedades de "falas indevidas" na literatura canônica budista. Mentir é obviamente uma delas, bem como a calúnia, a difamação, a tagarelice, a conversa maliciosa, ou a conversa destinada a provocar o ódio ou a violência, a revelação de segredos ditos em confiança, etc. As implicações para o moderno budista dos termos "fala indevida" ou "fala adequada" serão tratadas com maior profundidade posteriormente, na discussão do terceiro fator do Óctuplo Caminho Por enquanto, é suficiente observar que uma tentativa cuidadosa de pôr em prática o quarto preceito envolverá necessariamente o indivíduo numa busca incessante da auto-honestidade. Do psicótico - que acredita ser Napoleão, e cuja afirmação deste efeito suportará um teste do detector de mentiras -à pessoa "normal" - que convenientemente esquece partes da informação que contradiriam sua apresentação de um argumento - a progressão é complexa, mas inquebrável. Observar conscientemente a quarta regra de treinamento desencadeará a questão de como "esquecemos" algumas coisas, como dizemos coisas "que não queríamos dizer" e por que as pessoas algumas vezes interpretam erroneamente o que dizemos. Seria devido à nossa própria falta de clareza, ou simplesmente à falha dessas pessoas em nos compreender? Isso nos leva a observar com mais atenção se acompanhamentos extras não são adicionados às estórias quando as recontamos. Começamos a refletir a respeito das coisas que desejamos dizer a uma pessoa e, em vez de despejarmos nossa estória em quem quer que esteja à nossa volta, fazemos uma pausa para considerar os efeitos que essa estória causaria a essa pessoa, e se algum mal poderia advir - para ela ou para nós mesmos - se a contássemos. Evitar as falas indevidas não é tarefa fácil de ser conseguida, e são muito poucos os que podem afirmar terem sido plenamente bem-sucedidos. E, ainda que as observemos imperfeitamente, poderemos notar a diferença que se estabelece quando nos submetemos a este quarto preceito. Aqui, uma vez mais, descobrimos que a vida se torna mais dócil e tranqüila na medida em que a agitação e o barulho começam a se extinguir. Falar talvez um pouco menos nos dará tempo para ouvir um pouco mais - uma rara virtude no mundo atual. O quinto preceito contém uma das chaves para a in terpretação de todo o código moral budista: "Submeto-me às regras de treinamento para abster-me de tomar drogas e bebidas que tendem a anuviar a mente", pois o que é malévolo para os seres humanos, segundo o conceito ético budista, é o embotamento deliberado da mente. O ensinamento central do Buda é um sistema de meditação, assim designado para elucidar a mente de que o conhecimento e a introvisão podem advir dela e ser pensados sem impedimentos. Como preparação essencial, entretanto, o suposto seguidor deste treinamento deve encarregar-se de treinar a si mesmo para a abstenção da indulgência em qualquer bebida ou droga que tenda a nublar a clareza de sua visão mental, que tenda a abafar suas dúvidas e incertezas numa nuvem de euforia semi-consciente, ou que o incentive a ver as coisas de modo diferente do que elas realmente são. |