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O passarinho dourado Após a saída das autoridades, Thach Lang falou sobre seus pensamentos ao velho monge. O monge inclinou a cabeça e disse a Thach Lang que seu raciocínio sobre a situação correspondia à verdade. Nos dias que se seguiram, foram juntos a aldeias e vilas para visitarem pessoas humildes do campo. Descobriram que, embora aí não tivesse havido destruição igual à do Sul, as pessoas viviam na pobreza e na miséria. Parecia haver apenas pessoas ou muito velhas ou muito novas e seus rostos eram cinzentos e tristes. Era evidente que os rapazes jovens e robustos haviam sido recrutados nas forças armadas ou unidades de transportes. Quando as pessoas ouviram Thach Lang falar da situação real do Sul, tiveram a impressão que haviam puxado um tapete de sob seus pés. Tinham pensado que os filhos e irmãos foram enviados ao Sul para combaterem invasores estrangeiros. Nunca tinham pensado que os soldados estrangeiros estivessem todos de volta em casa e que, agora, apenas havia irmãos matando-se entre si. Os aldeões conversaram muito acerca desse assunto, foram todos então em grupo até o Comitê Popular Provincial e pediram que seus filhos e irmãos obtivessem licença de voltar para casa. Várias velhas choraram e abraçaram Thach Lang. Disseram que os filhos tinham sido mortos em combate; elas não sabiam nem mesmo em que vale, nem em que montanha, nem em que cidade ou vila do Sul. Evidentemente, a polícia local relatou isso tudo às autoridades superiores. O velho monge e Thach Lang foram separados e levados para outro lugar. O velho pegou a mão do rapaz na sua. Riu muito alto e recitou um de seus curtos poemas, espiritual, irônico e encantador, que falava da constância, da coragem e do senso de humor que era preciso guardar na adversidade. Thach Lang foi levado a um campo de reeducação e obrigado a fazer um trabalho físico muito puxado durante o qual pouco pôde comer e dormir. A obediência absoluta era a regra. Durante os períodos de estudo apenas se podia escutar e lembrar o que estava sendo dito mas era proibido falar, ou apresentar alguma idéia própria contrária à opinião oficial. Thach Lang ficou abismado quando descobriu que tanto dissimulavam a verdade no Norte quanto no Sul. Talvez aqui até fossem mais perfeitas as mentiras oficiais e mais dura a disciplina. Nem uma vez Thach Lang foi autorizado a tomar a palavra. Deu-se conta, também, que, até mesmo se tivesse podido fazê-lo, não teria adiantado nada. Lá, como em todas as assembléias (organizadas, é claro, pelas autoridades) que havia visto, desde que tinha atravessado a ponte do rio Bên Hái, as pessoas levantavam ou abaixavam o braço como robôs: tinham sido adestradas a fazê-lo há tanto tempo! Também notou que, enquanto eles levantavam e abaixavam os braços para aplaudir ou condenar isso ou aquilo, o rosto permanecia impassível, não traindo emoção alguma. Thach Lang só conseguia notar a presença de submissão e aceitação. Um dia, durante uma sessão de "estudo político" onde a atmosfera estava tão abafada quanto antes de um temporal de verão, Thach Lang começou a cantar. Todo mundo virou-se para ele, e não se ouviu mais quem estava falando para o grupo. Finalmente, o homem parou a exposição. Primeiramente ficou furioso, mas, após um momentinho, como água fresca, o canto infiltrou-se nele e ele sentou, de cabeça baixa, prestando atenção, da mesma forma que os demais. Thach Lang foi severamente castigado. Foi transferido para outro campo de reeducação, sendo obrigado a ir a pé. Precisou caminhar de Hà Tinh a seu novo campo, passando por regiões montanhosas e insalubres da província Lang Són. A vida no campo era infinitamente mais dura. Sem os mínimos cuidados de higiene, subalimentados, muitos detentos tornaram-se meio paralisados, cegos e gangrenados. Um dia, enquanto cortava lenha sob o vigilante olhar de um guarda, Thach Lang lembrou-se de repente que tinha deixado sua montanha havia quase doze meses. E sentiu em seu coração uma grande vontade de voltar para casa. Pensou em T’ô que devia estar com saudades, sem notícias dele. Cega e sozinha, como poderia reencontrar a mãe algum dia? Ele devia retomar para perto dela. Enquanto pensava em voltar, Thach Lang viu aparecer, aí mesmo contra o profundo céu azul, uma alta montanha com uma ponta rochosa que se inclinava sobre o abismo. Aí, nesta ponta, lembrava-se, havia uma fenda, não maior do que um girassol, que o orvalho enchia todas as noites pela metade. Era uma água milagrosa: um só gole e desapareciam a dor, a sede e os tormentos acumulados durante milhares de vidas. Pensou que se T’ô pudesse subir no alto dessa montanha, beber um gole dessa água e com ela lavar os olhos, sim, ela poderia novamente enxergar. Thach Lang começou então a cantar. O inspetor olhou-o, incrédulo. Porém, havia um ruído de batidas de asas provindo de todos os cantos da floresta. Num instante, o céu encheu-se de pássaros. Então Thach Lang ouviu os gritos do passarinho dourado. Elevou a voz e pediu ao passarinho para conduzi-lo até T’ô. |