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A ponte de Bên Hái
Texto de Thich Nhat Hanh,
extraído do livro"Flamboyant em chamas"

Nesse campo, Thach Lang encontrou um monge com forte personalidade. Seus cabelos estavam tão compridos que cobriam as duas orelhas. Era esguio, até mesmo magro, mas seus olhos eram brilhantes e inteligentes. Seu hábito marron bá-ba, após várias lavagens, tinha desbotado e se tomado de uma indescritível cor de sujeira clara. Estava na prisão, mas tinha uma peculiaridade: com ele, sempre carregava uma gaiola com um gato e dois camundongos. E é óbvio que todos queriam saber por que o gato não fazia nenhum mal aos camundongos.

O velho monge disse a Thach Lang que tudo começou quando ele foi, um dia, ao quartel-geral da província com sua gaiola e tinha solicitado uma audiência com o comandante, que era também o chefe da província. Quando impediram sua entrada, ele sentou-se diante da porta principal e se recusava a sair.

Os transeuntes paravam e faziam perguntas. Ele ficava muito contente em explicar a quem queria ouvir: "Estou aqui para dizer ao governador que se um gato pode conviver em paz com dois camundongos, por que homens, compatriotas, não poderiam também viver juntos em paz? Devemos hoje mesmo parar de nos entrematar e começar a reconstruir nossa terra natal" . Algumas pessoas ouviam-no e ficavam emocionadas até as lágrimas. Porém, outras brigavam com ele e até mesmo o insultavam. Diziam que ele era ingênuo, estúpido. Declaravam: "Não, gatos e camundongos não podem viver juntos; este monge está louco; deve ser trancafiado!’ Os transeuntes só diziam isso por deboche, mas o velho monge acabou por ser realmente levado preso! Ele olhou Thach Lang e mostrou sua gaiola: "Veja você: há mais de um mês que estão juntos e o gato, por acaso, comeu os camundongos?"

Thach Lang gostava muito de ouvir o velho monge contar casos. O monge disse que havia ido em todas as aldeias do oeste catar cartuchos vazios de balas e estilhaços de obuses com os quais fundiu um grande sino. Cada noite ficava em vigília e, de acordo com os ritos do templo, tocava o sino, de modo lento e solene, na esperança de despertar a plena consciência dos combatentes dos dois campos do país. Ele disse a Thach Lang: "Esses malvados pedaços de metal, eu os obrigo a seguir o Caminho derretendo-os em um sino de templo. Thach Lang estava encantado de pensar que esses pedaços de metal, que haviam matado pessoas, seguiam o Caminho, embora soubesse que, quando algumas pessoas ouviam o monge dizer isso, podiam concluir que era doido, um velho monge doido.

O velho monge e Thach Lang tomaram-se muito amigos. Depois, como já havia ocorrido antes na Prisão de Chí-Hoà, eles, assim como centenas de outros prisioneiros, iniciaram uma greve de fome. Aproximadamente uma semana mais tarde, o velho e o rapaz foram levados em Quang Tri, a província mais ao norte do Sul. Fizeram-nos sair do caminhão e ordenaram que andassem para o Norte, sobre a ponte de Bên Hái, o rio que separa o Vietnã do Norte e o do Sul. Um oficial do Sul, em uniforme de combate, disse-lhes quando iam partir:

"Vão, vão andando! Lá terão muitas oportunidades de fazer greve de fome!"

Ao chegarem do outro lado da ponte, foram calorosamente parabenizados pelas autoridades e gente do Norte. Quando perguntaram os motivos pelos quais haviam sido expulsos, o velho monge e Thach Lang simplesmente contaram a verdade. Todos pareciam felizes em ouvi-los: foram encorajados a contar tudo aos habitantes. Mais tarde, conversando em particular, um oficial disse a Thach Lang que, além do que já sabia, deveria dizer que as pessoas do Sul levavam uma existência extremamente miserável e que as pessoas do Norte deveriam agora mais do que nunca enviar seus rapazes para o Sul para salvá-los e enxotar os soldados estrangeiros para fora do país etc. Thach Lang escutou atentamente. Mas como vinha do Sul, sabia que não estava certo. Sim, era verdade: no Sul algumas pessoas exploravam outras. Elas enriqueciam enquanto milhares de soldados e civis morriam cada dia durante essa guerra. Também era verdade que as autoridades do Sul faziam tudo que podiam para esconder a verdade sobre a guerra para esmagar quem quer que tivesse a temeridade de pedir negociações e o fim de uma guerra fratricida. Mas as pessoas do Sul sofriam também enormemente por causa dos homens que desciam do Norte. Milhões de pessoas tinham perdido a casa, os seres amados, até mesmo a própria vida, devido a este afrontamento entre irmãos. A verdadeira calamidade era que esses homens da mesma nação, com história semelhante, fossem incapazes de se sentarem e resolverem suas contendas. Não era por causa de tal ou tal potência estrangeira que chegava e explorava o povo. Era algo que Thach Lang podia ver claramente: os canhões, as balas, nos dois campos, eram trazidas por estrangeiros.




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