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Relacionamentos não funcionam
Texto de Charlotte Joko Beck,
extraído do livro"Sempre Zen"

Voltei há pouco tempo da Austrália. Fui até lá na esperança de gozar um clima ameno; no entanto, choveu muito nos primeiros dois dias, o que foi engraçado. Depois, nos últimos cinco dias de sesshin em Brisbane, houve uma tempestade de neve. Foi tão forte que, enquanto corríamos por entre os prédios, eu mal conseguia ficar em pé. Tínhamos de lutar para manter o equilíbrio. O vento era como um caminhão, trovejando no telhado o tempo todo. Mesmo assim foi um bom sesshin e aprendi (como sempre) que, independente de onde você for, as pessoas são as pessoas: são todas maravilhosas e são todas problemáticas, como, aliás, em toda parte; e as mesmas dúvidas que atormentam os australianos nos atormentam também. Eles têm tanta dificuldade com relacionamentos como nós. Portanto, quero comentar sobre as. ilusões que temos a respeito de relacionamentos darem certo. Vejam, não dão. Simplesmente não funcionam. Nunca houve um que desse certo. Vocês podem dizer: "Bem, por que estamos fazendo tantas práticas se é assim?". É o fato de querermos que algo dê certo que torna nossos relacionamentos tão insatisfatórios.

De certo modo, a vida pode funcionar, mas não na perspectiva de que iremos fazer alguma coisa que consiga fazê-la funcionar. Em tudo que fazemos a respeito de outras pessoas existe uma sutil — ou não tão sutil — expectativa. Pensamos: "De algum jeito vou acabar me entendendo nessa relação e fazê-la funcionar, então vou conseguir o que desejo". Todos queremos alguma coisa das pessoas com as quais nos relacionamos. Ninguém pode dizer que não quer nada das pessoas com quem se relaciona. Mesmo se evitarmos os relacionamentos essa é apenas uma outra forma de desejar alguma coisa. Em outras palavras, relacionamentos não dão certo.

Porém, então o que dá certo? A única coisa que dá certo (se realmente praticarmos) é o desejo não de ter algo para nós mesmos, mas de acolher a vida toda, incluindo os relacionamentos. Bem, vocês podem afirmar: "É, parece bom, vou fazer isso!". Mas ninguém quer mesmo fazer isso. Não queremos sustentar mais ninguém, mais nada. Sustentar ou acolher na realidade alguém significa que você lhe dá tudo e não espera nada em troca. Você pode lhe dar seu tempo, seu trabalho, seu dinheiro, qualquer coisa. "Se você precisar, eu lhe dou." O amor não espera coisa alguma. Em vez disso temos os seguintes jogos: "Vou me comunicar de modo que nossa relação melhore"; na verdade isso quer dizer: "Vou me comunicar com você para que entenda o que eu desejo". A expectativa implícita que investimos nesses jogos asseguram que esses relacionamentos não darão certo. Se realmente enxergarmos isso, então alguns começarão a entender o próximo passo, que é ver um outro modo de ser. As vezes temos um vislumbre do que possa ser: "Sim, posso lhe fazer isso, posso sustentar e acolher sua vida e esperar nada. Nada".

Houve a história verídica de uma esposa, cujo marido estivera no Japão durante a guerra. Lá viveu com outra mulher e teve dois filhos. Ele amava muito a japonesa. Quando voltou para casa, não contou à esposa o que lhe acontecera. Mas, finalmente, quando soube que estava morrendo, confessou-lhe a verdade da relação que tivera e dos filhos. Primeiro, ela ficou muito transtornada, mas depois, algo em seu íntimo começou a se agitar e ela trabalhou sem cessar seus sentimentos de angústia; por fim, antes que o marido morresse, ela disse: "Vou cuidar deles". Foi, então, ao Japão, encontrou a outra mulher, trouxe-a junto com as crianças para os Estados Unidos. Moraram juntas na mesma casa e a esposa fez o que pôde para ensinar inglês à moça, arrumar-lhe um trabalho, e ajudála com as crianças. Isso é amor.

A prática de meditação não é um tipo qualquer de "desligamento", mas sim um meio para se entrar em contato com a própria vida. Ao praticarmos, fica cada vez mais clara a idéia desta outra forma de ser e começamos a nos afastar de uma orientação centrada no eu, não em favor de uma orientação centrada no outro (porque ela termina nos incluindo), entretanto, no sentido de uma orientação completamente aberta. Se nossa prática não estiver indo nessa direção, então não é a verdadeira prática. Sempre que quisermos alguma coisa, sabemos que nossa prática deve continuar. Já que nenhum de nós pode afirmar que isso está resolvido, significa que a prática continua para todos nós. Faz muito tempo que comecei a praticar, todavia, apesar disso, o que notei nessa viagem (longa, para a minha idade, mas o sesshin foi bom tendo causado um forte impacto em várias pessoas) foi que eu estava dizendo:

"Bem, me custou muito, não tenho certeza se farei a mesma coisa no ano que vem. Talvez eu precise descansar mais". A mente humana é assim. Como todo mundo, quero conforto. Gosto de me sentir bem. Não gosto de ficar cansada. Vocês, quem sabe, dirão: "Mas o que há de errado em querer um pouco de conforto?". Não há nada de errado, a menos que isso contrarie o que para mim é mais importante do que o conforto, a saber, minha orientação fundamental na vida. Se a orientação fundamental não vier da prática, então essa não é uma prática. Se conhecermos nossa orientação fundamental, ela exercerá seu efeito em todas as fases da vida, em nossas relações, em nosso trabalho, em tudo. Se alguma coisa não emergir da prática além daquilo que eu desejo, que só serve para tornar mais confortável minha vida, então essa não é uma prática.

Entretanto, não devemos simplificar demais o problema. Ao praticarmos esta modalidade do sentar, temos que desenvolver dois, três ou quatro aspectos da prática. Sentar-se apenas, com uma forte concentração, tem valor. Mas, a menos que tomemos cuidado, podemos usar essa atitude para fugir à vida. Aliás, a pessoa pode usar muito mediocremente o tipo de poder que desenvolve assim. A concentração é um dos aspectos da prática. Não há necessidade de enfatizarmos isso aqui, mas essa capacidade deve ser alcançada em algum momento. O tipo Vipassana de prática (que eu prefiro), no qual vocês observam, observam e observam, é muito valioso e, para mim, constitui o melhor e mais básico treinamento. No entanto, pode favorecer que as pessoas se tornem quase totalmente impessoais (como acho que eu mesma fiquei durante certo tempo). Nada havia que eu sentisse na dimensão emocional porque eu tinha me tornado uma máquina de observar. Essa, às vezes, pode ser a desvantagem desta espécie de prática. Há também outras formas de prática. Cada uma delas tem suas forças e fraquezas. Existem inúmeros treinamentos psicológicos e terapêuticos valiosos que, porém, também têm suas desvantagens. O desenvolvimento de um ser humano, até que se torne o que eu chamaria uma pessoa sábia, compassiva e equilibrada, não é simples.

Numa relação, toda vez que sentimos incômodo — o ponto em que ela deixa de nos convir — um grande ponto de interrogação deveria saltar bem diante de nossos olhos para que indagássemos o que está acontecendo conosco. De que modo praticarmos com o incômodo? Não estou mencionando que todo relacionamento deva ser mantido para sempre, porque o mérito de uma relação não tem nada que ver com ela, em si. Seu mérito é a força extra que a vida recebe quando trabalha com ela como um canal. Uma boa

relação dá mais poder à vida. Se duas pessoas são fortes quando juntas, então a vida tem um canal mais poderoso do que com ambas em separado. É quase como se um terceiro e mais amplo canal tivesse sido formado. É isso que a vida está procurando. Ela não se importa se você está "feliz" em seu relacionamento. O que ela está buscando é um canal e, para ela, o canal tem de ser poderoso. Se não o for, logo, logo, ela o descarta. A vida não liga a mínima para a relação de vocês. Ela busca canais para sua força, para que possa funcionar ao máximo. Esse funcionamento é aquilo que vocês são. Toda essa novela a respeito de você comigo ou com mais alguém não interessa à vida. Ela está procurando canais e, como o vento forte, bate nas relações para testá-las. Se as relações não suportarem o teste, então, ou o relacionamento precisa amadurecer sua força para poder enfrentar a vida, ou precisará ser dissolvido para que uma coisa nova e original tenha chances de emergir dos destroços. Se se dissolve, isso não é menos importante do que as coisas que são aprendidas. Muitas pessoas, por exemplo, casam-se quando sua relação não serve para nada. Claro que não estou defendendo a noção de que as pessoas devam desfazer seus casamentos. Quero apenas dizer que em geral interpretamos com muitos equívocos o que se refere a um casamento. Quando a relação não está dando certo, significa que os parceiros estão preocupados com o "eu": "O que desejo é..." ou "Isso não está certo para mim". Quando o querer é pouco, então a relação é forte e funcionará. É só nisso que a vida tem interesse. Enquanto egos separados, com desejos em separado, vocês não têm importância alguma para a vida. Todas as relações fracas refletem o fato de alguém querer alguma coisa para si próprio.

As questões que estou levantando são importantes, mas talvez vocês não concordem com tudo que estou dizendo. Ainda assim, a prática zen diz respeito a perder o eu, a

tomar consciência de que somos o não-eu. O que não significa ser uma não-entidade, significa ser muito forte. Ser forte, porém, não quer dizer ser rígido. Ouvi falar que existe uma forma de projetar casas de praia onde grandes tempestades podem inundá-las: quando isso acontece, o meio da casa afunda e a água, em vez de tragar a casa toda, escorre toda pelo meio e deixa a construção em pé. Uma boa relação é algo desse tipo. Tem uma estrutura flexível e uma forma de absorver choques e estresses de tal sorte que consiga manter sua integridade e continue funcionando. Mas, quando uma relação é quase toda baseada no "eu quero", a estrutura será rígida e, sendo assim, não pode agüentar a pressão que a vida exerce e, dessa forma, não servirá bem a ela. A vida gosta que as pessoas sejam flexíveis, a fim de que possa usá-las naquilo que busca realizar.

Se compreendermos o zazen e nossa prática, podemos começar a familiarizar-nos com nós mesmos e com o modo como nossas problemáticas emoções destroçam nossa vida. Se praticarmos realmente, então, muito devagar, ao longo dos anos, a força se desenvolverá. As vezes, esse processo é terrível. Se alguém lhes contar algo diferente, não lhes estará falando sobre a verdadeira meditação, que não é em absoluto leve e abençoada. Porém, se a fizermos com autenticidade, com o tempo começaremos a saber atrás do que estamos; começaremos a ver quem somos. Desta maneira, quero que vocês apreciem a prática que estão executando e a realizem de verdade. Ela não é um jeito que vocês dão na própria vida. É o fundamento. Se não houver a fundamentação, não existirá mais nada. Sendo assim, vamos continuar esclarecendo o que nossa prática é, a cada momento. Quem sabe se alguns dentre nós não chegarão a encontrar uma relação que dê certo, por ter uma base completamente diferente. Cabe a nós criarmos essa base. Portanto, vamos fazer apenas isso.

O relacionamento não é um com o outro

Sentamo-nos em sesshin para sabermos quem somos. Temos mente e corpo, todavia esses elementos não explicam a vida que somos. O personagem de Shakespeare, Polônio, de Hamlet, disse: "Sê fiel a teu verdadeiro ser e segue-o, como a noite ao dia. Assim, não poderás ser falso a homem algum". Queremos conhecer nosso eu verdadeiro. Talvez tenhamos uma imagem de algo chamado "o eu verdadeiro", como se fosse uma entidade propriamente dita, flutuando por aí. Estamos em sesshin para descobrir, para ser nosso eu verdadeiro. Mas, o que afinal é?

Se tivessem de definir "eu verdadeiro", o que diriam? Vamos pensar por um instante. O que estou sugerindo? Algo do tipo "funcionamento do homem e da mulher em que não existe uma motivação centrada em si própria". Não é difícil ver que essa pessoa não seria humana do jeito que entendemos que alguém é humano. De um ponto de vista diferente, ela seria completamente humana, mas não do modo como costumamos pensar a nosso respeito e dos outros. Essa pessoa seria, de fato, ninguém em absoluto.

Ao labutarmos pela vida e percebermos os defeitos de nossas relações com esta ou aquela pessoa, com nosso trabalho ou outra atividade em particular, um de nossos maiores equívocos é a idéia de "estar relacionado com essa pessoa ou situação". Por exemplo, vamos supor que sou casada. O modo comum de pensar em casamento é: "Estou casada com ele". Porém, enquanto disser "com ele", existirão nós dois e, no verdadeiro eu, não pode haver dois. O verdadeiro eu desconhece separações. Pode parecer que eu esteja casada com ele, mas o verdadeiro eu — vamos chamá-lo de o infinito potencial de energia — desconhece separações. O verdadeiro eu configura-se em vários padrões de forma, contudo, essencialmente, permanece um eu só, um potencial só de energia. Quando digo que estou casada com você, ou que tenho um jipe Toyota, ou que tenho quatro filhos, na forma cotidiana de me expressar é assim mesmo. No entanto, precisamos enxergar que na verdade isso não é bem assim. Na verdade, não estou casada com alguém ou com alguma coisa: eu sou aquela pessoa ou aquela coisa. O verdadeiro eu desconhece separações.

Vocês podem dizer que isso é muito bonitinho, mas em termos práticos, o que fazemos a respeito dos difíceis problemas que ocorrem em nossa vida? Todos sabem que o trabalho pode apresentar desafios imensos, assim como filhos, pais, outras relações quaisquer. Imaginemos que estou casada com alguém muito difícil. Suponhamos que os filhos desse casamento estejam sofrendo. Muitas vezes falei que, quando estamos sofrendo, devemos nos tornar esse sofrimento. Essa é a verdadeira maneira de crescermos. Contudo será que isso se aplica a uma situação, quando ela fica tão difícil que todos os que nela estão envolvidos estão perdendo feio? O que fazer? Há inúmeras variações quanto aos problemas de relacionamento. Imaginemos que tenho um parceiro que está profundamente empenhado numa certa área de pesquisas e o único lugar em que seus estudos podem prosseguir é na África, por três ou quatro anos. Porém meu trabalho me obriga a permanecer aqui. E então? O que faço? Ou posso ter pais idosos que precisam de minha assistência e minhas obrigações profissionais, minhas responsabilidades me forçam a ir para outro lugar; o que faço? É de problemas desse tipo que a vida é feita. Nem todos os problemas são tão difíceis quanto esses, todavia, até os menos exigentes podem nos pôr contra a parede.

Em qualquer situação, nossa devoção não deve dirigir-se à outra pessoa em si, mas ao verdadeiro eu. Claro que a outra pessoa encarna o verdadeiro eu, só que há uma distinção. Se estamos num grupo, nossa relação não é com o grupo, é com o verdadeiro eu do grupo. Com essa expressão eu verdadeiro", não estou fazendo menção a algum tipo de fantasma que fica voando pelos cantos. O eu verdadeiro é absolutamente nada e, no entanto, é a única coisa que deve dominar nossa vida. É o único Mestre. Ao fazermos zazen, ou ao sentarmo-nos em sesshin, temos o propósito de entendê-lo melhor. Se não o entendermos, então ficaremos eternamente confusos com os problemas e não saberemos como agir. A única coisa a que devemos servir não é um professor, nem um centro, nem o emprego, nem o companheiro, nem o filho, mas, sim, nosso verdadeiro eu. Então, como é que saberemos fazer isso? Não é fácil e custa tempo e perseverança para aprender.

A prática torna óbvio que, quase em toda nossa vida, não temos muito interesse por nosso verdadeiro eu; estamos, porém, interessados em nosso pequeno eu: interessa-nos o que desejamos, o que pensamos, o que esperamos, o que nos faz sentir bem, o que nos assegura a saúde ou o bem-estar. É nesse sentido que direcionamos nossa energia. Uma prática inteligente vai aos poucos iluminando esse fato. Não é nem bom e nem mau que sejamos assim; é apenas o que é. Quando alcançamos uma iluminação parcial de nossas atividades habitualmente centradas em torno de nós mesmos, tomamos consciência da dor e da agonia que ela produz e, às vezes, conseguimos nos desviar dela. Pode até ser que tenhamos uma pálida noção de uma outra modalidade de ser: o verdadeiro eu.

Em termos de uma situação concreta, qual é o caminho para se servir ao verdadeiro eu? O caminho pode parecer muito áspero, trabalhoso e, às vezes, será o oposto disso. Não existem receitas. Talvez eu desista de meu serviço em Nova York e fique em casa para cuidar de meus pais. Quem sabe, não faça nada disso. Ninguém, a não ser meu eu verdadeiro, pode me dizer o que fazer. Se nossa prática estiver madura a ponto de não mais nos enganarmos tanto, é porque estaremos em contato com nossas experiências autênticas — então cada vez mais saberemos qual é a ação compassiva a ser tomada. Quando formos ninguém, o não-eu, (e isso jamais seremos completamente) a ação correta torna-se óbvia.

Todas as relações podem ensinar-nos alguma coisa e, algumas delas, infelizmente, precisam chegar a um fim. Podem existir momentos em que a melhor maneira de servir ao verdadeiro eu consista em ir em frente. Ninguém pode me dizer o que é melhor; ninguém sabe, exceto meu verdadeiro eu. Não importa o que minha mãe diz a esse respeito ou o que minha tia fala; em certo sentido, não importa nem o que eu digo. Como disse certo professor:

"Sua vida não lhe diz respeito". Mas nossa prática é, sem sombra de dúvida, assunto nosso. Ela serve para aprender o que significa servir aquilo que não podemos ver, tocar, saborear ou cheirar. Em essência, o verdadeiro eu é uma não-coisa e, no entanto, é nosso Mestre. Ao mencionar que é uma não-coisa, não quero dizer nada, no sentido habitual. O Mestre não é uma coisa; porém é a única coisa. Quando somos casados, não somos casados um com o outro, mas com o verdadeiro eu. Quando lecionamos para crianças, não as estamos ensinando; estamos expressando o verdadeiro eu de um modo apropriado à classe.

Bem, tudo isso pode parecer remoto e idealista. Todavia, a cada cinco minutos temos uma oportunidade de trabalhar com isso. Por exemplo: a interação com alguém que nos irrita; o encontro que azeda quando achamos que ele tinha de fazer "outra coisa"; a irritação que sinto quando milha filha fala que vai telefonar e não o faz. O que é o verdadeiro eu em todos esses mínimos incidentes? Normalmente, não podemos vê-lo; só podemos ver como o perdemos de vista. Podemos ter consciência da irritabilidade, do aborrecimento, da impaciência. E esses sentimentos nós podemos rotular. Com paciência podemos fazer isso, podemos experimentar a tensão gerada pelos pensamentos. Em outras palavras, podemos experimentar aquilo que colocamos entre nós mesmos e nosso verdadeiro eu. Quando uma prática assim cuidadosa assume a prioridade de nossa vida,

servimos ao Mestre e, dessa forma, cresce nosso conhecimento do que deve ser feito.

Existe um único Mestre. O Mestre não sou eu, nem mais ninguém, nem Sabba fulano, Guru sicrano, pessoa alguma pode ser Mestre. Qualquer Centro não é nada mais que uma ferramenta para o Mestre. Casamentos, relacionamentos variados, são apenas isso. Contudo, para percebermos esse fato, temos de iluminar nossa atividade não uma, mas dez mil vezes. Temos de colocar uma lanterna incidindo sobre nossos pensamentos indelicados referentes a pessoas e situações. Devemos tomar consciência de como nos sentimos, do que desejamos, do que esperamos, do quão terrível achamos alguém, ou nós próprios — a nuvem em cima de tudo. Somos como uma pequena lula que produz uma inundação de tinta atrás de si para que nossos equívocos não possam ser detectados. Desse modo logo que acordamos de manhã começamos a esguichar a tinta. Qual é nossa tinta? Nossas preocupações com nós mesmos, que ensombrecem a água à nossa volta. Quando nossa vida gira exclusivamente em torno de nós mesmos, criamos confusão. Podemos até insistir que não gostamos de contos de fadas horríveis, mas o fato é que gostamos. Alguma coisa 1 dentro de nós fica fascinada com nosso drama, e se apega a ele, confundindo-nos.

A verdadeira prática nos conduz cada vez mais até aquele espaço simples e isento de drama, no qual as coisas são apenas o que são, no qual elas apenas acontecem. Esse acontecer não pode vir de uma dimensão em que o eixo seja a próprio umbigo. Estar no sesshin aumenta muito nossa possibilidade de passar mais tempo de vida nesse espaço simples. Mas é preciso que tenhamos paciência, persistência e postura. Manter a equanimidade e sentar. O verdadeiro eu é absolutamente nada. É a ausência de qualquer outra coisa. A ausência do quê?




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