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INTRODUÇÃO AO DZOGCHEN
Uma visão do Dzogchen através dos textos
Este é um trabalho de seleção e ordenação de textos
de vários autores e mestres dzogchen por
Karma Tenpa Darghye.

(...) A base do nosso ser é a essência búdica, a natureza búdica. Todos os seres quer grandes quer pequenos, têm essa natureza fundamental, essa pureza essencial. Como o ouro incrustado no minério, a verdade da nossa natureza, embora seja uma pureza que não teve princípio nem terá fim, não é obvia para nós. Pelo fato de ser essa a nossa natureza fundamental, podemos revelá-la por meio da prática, da mesma forma que o refinamento revela o ouro que existe de forma inerente no minério.

Essa essência, desde tempos sem princípio, é completamente isenta de substância, vazia. Embora possamos tentar encontrar características a partir das quais definiríamos e entenderíamos a vacuidade, ela não pode ser concebida por conceitos ordinários. Assim, ela é desprovida de sinais e características. Nada mais é preciso, além de mantermos o reconhecimento da nossa natureza fundamental, para que o fruto – as qualidades plenas, a realização completa dessa pureza inerente – seja revelado. O que revelamos não está além de nossa natureza fundamental e, nesse sentido, está além de qualquer desejo. Não há nada que esteja faltando, nada que esteja em outro lugar a que devamos aspirar para que aconteça. Ela é isenta de aspiração.

Pelo fato de não reconhecermos essa natureza – não nos darmos conta de que, embora as aparências surjam incessantemente, nada na verdade, está presente – emprestamos solidez e realidade à verdade aparente do "eu" e do "outro". E das "ações" que ocorrem entre "eu" e "outro". Esse obscurecimento intelectual é causa do apego e aversão, seguidos de ações e reações que criam carma, solidificam-se em hábitos e perpetuam os ciclos de sofrimento. Esse processo todo é que precisa ser purificado.

Na primeira das três etapas sucessivas de ensinamentos, chamada "o primeiro giro da roda do Dharma", o Buda ensinou as quatro nobres verdades: a verdade do sofrimento, da origem do sofrimento, do caminho pelo qual ele é erradicado e a verdade de sua cessação. No segundo giro da roda do Dharma, ele ensinou que a verdadeira natureza de todos os fenômenos é vazia, desprovida de sinais e de aspiração: a natureza fundamental é a vacuidade, o caminho é isento de sinais e o fruto, isento de aspiração. No terceiro giro da roda, ele falou das qualidades da natureza da mente que são plenas, infalíveis e resplandecentes, falou da aparência da clara luz da sabedoria.

A tradição Vajrayana ensina a inseparabilidade, desde tempos sem princípio, de duas coisas: a união entre a natureza não-nascida da mente e as qualidades puras da clara luz da sabedoria, uma união que está além das palavras. Pura, imutável, não-composta e onipresente – essa é a natureza da nossa própria mente. No Vajrayana, somos introduzidos nessas qualidades da mente vajra.

Todas as aparências surgem da energia dinâmica, ou exibição, da nossa natureza fundamental. As experiências podem surgir de dois modos. O reflexo do não-reconhecimento da nossa natureza fundamental surge como as experiências impuras dos três reinos do samsara. Embora possamos entender que a nossa natureza seja pura, essa não é a nossa experiência ordinária. Nós não vemos, sentimos, nem pensamos sobre as coisas de modo puro. Quando começamos a nos aplicar ao caminho espiritual, a pesquisar e investigar, a ouvir os ensinamentos, repetidamente contemplando e meditando sobre eles, começamos a experimentar um misto de percepções puras e impuras. Através da prática espiritual, podemos purificar nossos obscurecimentos e alcançar o fruto. Nossa natureza fundamental, intrinsecamente pura, torna-se completamente aparente como um corpo puro de sabedoria, a plena revelação da nossa natureza de sabedoria, como manifestação de aparências puras.

Porque não é essa a nossa experiência no presente? Todas as aparências ordinárias dos elementos – terra, fogo, água, vento, carne e osso – são em essência puras. Porém, da mesma forma que uma pessoa com icterícia vê uma montanha nevada como sendo amarela, devido aos nossos obscurecimentos não vemos as coisas de forma pura. Essa percepção impura tornou-se um hábito profundamente entranhado. Através da prática espiritual, nossa falta de reconhecimento pode ser purificada e, então, como alguém curado de icterícia que consegue ver uma montanha nevada em sua cor branca, nós, como todos os budas, veremos as manifestações de pureza tal como são: o mandala puro e incomensurável da deidade. Tudo sempre foi dessa maneira, desde tempos sem princípio. Não é algo a ser criado, mas a cintilação das qualidades inerentes da nossa natureza fundamental.

A pureza da nossa natureza, imutável ao longo dos três tempos, passado presente e futuro, encontra-se agora obscurecida, como o sol pelas nuvens. Como resultado da infalível lei do carma de causa e efeito, e como reflexo das negatividades da mente, surgem infindáveis aparências de meio ambiente e de corpos.

Através das práticas de visualização do estágio de desenvolvimento do Vajrayana, nós nos exercitamos em reconhecer a natureza e as qualidades puras do meio ambiente, corpo, fala, e mente como sendo a terra pura, e o corpo, fala e mente da deidade. Isso purifica os obscurecimentos mentais que criam os reflexos mais grosseiros da falta de reconhecimento da nossa mente: os três reinos da experiência e as três portas que são o corpo, fala, e mente, transformando o nosso hábito de perceber de modo ordinário.

Através do estágio da consumação das práticas Vajrayana, purificamos os obscurecimentos mais sutis. A visualização que criamos é completamente desfeita na vacuidade, e repousamos sem esforço no estado desperto intrínseco que percebe a natureza da mente.

No Vajrayana, reconhecemos que todas as aparências fenomênicas possíveis do samsara e nirvana, desde tempos sem princípio, são iguais, sem separação nem distinção, dentro de sua natureza búdica completamente pura; da mesma forma que o são as aparências do sonho da noite dentro da verdade do sonho. Partindo dessa perspectiva ou visão, aplicamos método e sabedoria, práticas do estágio de desenvolvimento e da consumação; como remédios utilizados para tratar uma doença, elas purificam o hábito de nos apegarmos a esses reflexos temporários das nossas ilusões e enganos como sendo sólidos, e revelam nossa pureza intrínseca.

Com a aplicação repetida desses métodos, temos a realização plena do fruto: como nuvens que são sopradas para longe e revelam o céu imutável, nossos obscurecimentos se desfazem e a pureza primordial, sem começo, é revelada.

Nossa natureza fundamental é compreendida como inseparabilidade dos três kayas. As qualidades plenas e resplandecentes do dharmakaya aparecem como o samboghakaya para bodhisattvas do décimo grau, e como nirmanakaya para seres comuns, criando incessantes benefícios.

Dado que a pureza sem princípio, dharmata, é a nossa natureza, para torná-la manifesta não precisamos fazer nada com ela nem tirar nada dela, não precisamos incrementá-la nem diminuí-la. Antes, usando os métodos que compõem o caminho, simplesmente a revelamos tal como é. Então, a falta de compreensão dessa natureza, os hábitos ordinários e as visões enganosas da nossa mente que se refletem na experiência samsárica impura que chamamos realidade, desfazem-se completamente na natureza absoluta.

No Vajrayana, o caminho não é concebido como alguma coisa com a qual começamos e à qual acrescentamos certas causas e condições para chegarmos a uma coisa diferente. Utilizamos o estado desperto intrínseco que percebe a nossa natureza fundamental para revelá-la como fruto do caminho. Nós simplesmente removemos os obscurecimentos temporários que impedem a realização plena disso. Ao contemplar e meditar repetidas vezes sobre esse entendimento, fica fácil nos apoiarmos no Vajrayana para termos êxito em nossa busca espiritual.

A tradição Vajrayana reúne métodos de prática externos, internos e secretos. Quando fazemos práticas externas com deidades, o que, de fato, é a deidade? Em essência, a natureza do dharmata, a verdade da nossa própria mente e de todas as experiências – é a deidade. A deidade não é algo que inventamos ou criamos, algo que ainda não existia, mas sim, a manifestação espontânea da verdade, a exibição não de algo ordinário, mas de sabedoria. Essa é o mandala da mente de bodhichitta.

A natureza de todos os seres, de todos os fenômenos, é dharmata. Dentro da natureza absoluta não há distinção nem separação entre "eu" e "outro". Tudo tem um só sabor. Todos os fenômenos surgem indissociados da natureza absoluta, e nela estão contidos. Nenhuma de nossas experiências – nem os elementos, nem os fenômenos, nem sequer uma única molécula – está além da natureza absoluta; nem mesmo o que chamamos de espaço básico. Ela é verdadeira e tudo permeia.

Se não reconhecermos essa natureza, vivenciamos todos os fenômenos e nós mesmos como diferentes da deidade. Por exemplo, visto que uma natureza vazia permeia totalmente o sonho da noite, não há, na realidade, qualquer separação entre nós mesmos e a terra, o céu, a água. Quando acordamos, vemos que todas as experiências incessantes que surgiram durante o sonho foram apenas a exibição da mente, vazias, porém, manifestas. No entanto, se não reconhecemos que estamos sonhando, no contexto do sonho tudo parece ser, em si mesmo, verdadeiro e independente.

De modo semelhante, da perspectiva da mente ordinária, percebemos diferenças entre o corpo do dia e o da noite, entre nós e os outros, entre alguém que nos ajuda e alguém que nos cria dificuldades. No entanto, no nível da verdade absoluta, ninguém nunca veio, nem vai. Tudo é exibição da mente. Se não conhecemos a natureza das nossas experiências, se não conhecemos a deidade, então nos vivenciamos como separados da deidade; essa falta de conhecimento nos torna prisioneiros do carma e do obscurecimento. Se tivermos realização da nossa natureza como sendo a deidade, todos os limites serão liberados, como paredes no espaço, e teremos a realização do corpo vajra. Ao conhecermos nossa natureza e mantermos o reconhecimento dela, seremos capazes de revelar nossa natureza como sendo a deidade e ter plena realização dessa revelação.

Quando alcançamos a realização do dharmakaya, obtemos benefícios para nós mesmos, sendo que a capacidade incessante de beneficiar os outros surge como o kaya da forma. Os seres são auxiliados de forma incomensurável pelas qualidades de grande conhecimento, amor, bondade e energia espiritual; também pela força da grande sabedoria e pelas preces de aspirações que são acumuladas no caminho da iluminação. Essas manifestações, para benefício dos seres, surgem como a aparência das deidades pacíficas e iradas acompanhadas de seus séqüitos – por exemplo, a forma pacífica de Manjushri com o aspecto irado de Yamantaka, ou a forma pacífica de Vajrasattva com o aspecto irado de Vajrakumara. Nessas manifestações de sabedoria pura, vindas da natureza da mente, surge o corpo – a forma e a cor da deidade; a fala – o mantra da deidade; e a grande mente – a inseparabilidade da vacuidade e compaixão. A deidade é uma fonte infalível de benefícios, capaz de conduzir os seres do samsara à iluminação.

Pelo fato de vivermos presos aos nossos obscurecimentos e não compreendermos nossa natureza como sendo igual à da deidade nós nos exercitamos nesse reconhecimento, criando a visualização e recitando o mantra da deidade, fazendo oferendas e orações. Desse modo, recebemos as bênçãos daqueles que alcançaram a iluminação. Essa é a prática da deidade externa.

Na categoria das práticas da deidade interna, visualizamos dentro do nosso próprio corpo, que toma a forma da deidade, o canal central, puro e sutil, dentro do qual se movimenta o vento da sabedoria ou energia sutil (prana), e que contém as esferas de sabedoria ainda mais sutis, chamadas bindus ou tigles. Essa é a deidade interna.

Embora a nossa experiência impura do corpo, fala e mente convencionais apareça como manifestação do vento cármico, o mandala da deidade se conserva dentro dos canais do nosso corpo sutil. Por meio da visualização desse mandala, do trabalho com o movimento dos ventos sutis e da recitação de mantras, revelamos a nossa natureza como a deidade, revelamos a bodhicitta que está além dos extremos, a grande felicidade imutável que reside no coração.

Nas práticas da deidade secreta, reconhecemos que todo o samsara e o nirvana sempre foram iguais dentro do espaço básico que está além dos extremos e que não há nada que não possa ser tornado melhor ou pior; que a natureza pura de nossa mente sempre foi uma sabedoria espontânea que não teve nascimento. Com essa compreensão, não há necessidade de colocarmos nossas esperanças em uma deidade externa, nem de fazermos esforço. Através do método budista mais profundo, chamado Grande Perfeição (Dzogchen / Ati-Yoga), alcançamos liberação sem esforço, espontaneamente, apenas nos conservando dentro do reconhecimento da natureza absoluta na qual tudo está contido, da qual todos os fenômenos surgem de forma indissociada, como o oceano e suas ondas, ou o sol e seus raios.

Porque há tantos caminhos diferentes? Em primeiro lugar, o Buda ensinou muitos métodos. Além disso, diferentes lamas possuem diferentes tipos de experiência e de conhecimento; os alunos possuem graus variados de capacidade, e assim, requerem métodos diferentes. Alguns sentem ligação maior com as práticas da deidade externa, outros com as práticas da deidade interna, e ainda outros com o nível secreto da prática.

Pode parecer muito fácil simplesmente reconhecer a deidade, nossa própria essência búdica, e nos conservarmos dentro desse reconhecimento. Porém na realidade, pelo fato de estarmos tão afundados em esperança e medo, apego e aversão, isso é muito difícil. Nós temos uma infinidade de conceitos e hábitos, e quando muitas experiências diferentes se apresentam, é muito difícil mantermos reconhecimento da sua natureza. É por isso que quando começamos as práticas no Vajrayana, nós nos focamos na criação e na dissolução da visualização; então trabalhamos com as práticas yogas internas e, gradualmente, ingressamos no estagio de consumação isento de esforço e nas práticas da Grande Perfeição.

Os ensinamentos do Dharma do Buda são como um jardim transbordante de flores de muitos matizes e formatos. Não é necessário escolher apenas um método, nem é necessário que uma só pessoa tente aplicar todos eles.

Se você é uma pessoa raivosa, é muito eficaz fazer prática de visualização usando a ira como antídoto para cortar a raiva que existe em sua mente. Nas práticas com deidades iradas, visualizamos seres irados, manifestações de sabedoria, com duas, quatro ou muitas pernas, pisoteando seres negativos, soltando faíscas e brandindo armas. Aqueles que são destruídos não são seres externos, mas nossos próprios venenos, nossos verdadeiros inimigos e demônios. O apego ao eu é encarnado por Rudra, um ser muito poderoso, o "dono" do samsara, que é reprimido por seres que personificam a sabedoria. Em todas essas imagens iradas, assistimos ao desenrolar de uma guerra interna: a sabedoria destrói a raiva, o apego e a ignorância. Uma pessoa raivosa conquista e libera seus pensamentos raivosos e negatividades com métodos irados de Maha Yoga.

Se você manifesta desejo muito intenso, em vez de abandoná-lo pode fazer dele seu caminho, trabalhando com os canais e ventos do corpo sutil, bem como as fontes de calor e prazer internos, treinando-se com as energias de seu corpo. As deidades representadas em união com suas consortes não correspondem ao desejo ordinário nem ao relacionamento homem/mulher convencional, mas sim, à inseparabilidade de vacuidade e grande êxtase. No nível de união interna, os canais sutis do corpo são masculinos e os ventos ou energias sutis são femininos; o calor interno é feminino e o êxtase interno, masculino. A união dos dois produz êxtase não ordinário, mas inexaurível. Através do desejo, o praticante de Anu Yoga se conecta com o êxtase, compreendendo e vivenciando a inseparabilidade de grande êxtase e vacuidade – sabedoria. Por meio dessa prática, purificamos carma, acumulamos mérito e revelamos sabedoria.

Os caminhos de Maha Yoga e Anu Yoga requerem esforço, diligência e consistência. Aqueles cujo veneno predominante da mente é a ignorância e que são preguiçosos praticam um terceiro caminho, a Grande Perfeição ou Ati Yoga. Nesse caminho, repousamos sem esforço no reconhecimento sutil da natureza da mente. Ele é chamado o caminho do esforço sem esforço. Todos os ensinamentos e níveis de prática que levam até à Grande Perfeição trabalham com conceitos ordinários, inteligência ordinária e esforço ordinário. Na Grande Perfeição, porém, o estado desperto é, ele próprio, o caminho. Os praticantes da Grande Perfeição utilizam o método da deidade absoluta, seu próprio estado desperto intrínseco.

Todos esses três caminhos purificam obscurecimentos. Qual deles vamos usar é algo que dependerá do veneno predominante em nossa mente: ele será a porta para a prática que estará mais próxima de nós. Aquele que for o mais forte para nós e o mais familiar passa a ser o meio pelo qual removemos todos os obscurecimentos da mente.

Através dos vários métodos do caminho Vajrayana, trazemos três elementos para nossa prática: a purificação dos obscurecimentos, o amadurecimento da mente e o fortalecimento de suas qualidades positivas. Por esses meios, temos condições de, rapidamente, purificar a experiência samsárica e realizar o fruto que está além do samsara e do nirvana: os três kayas, nossa natureza fundamental na qual tudo está incluído. Através desses métodos, a sabedoria não nasce em nós – seria mais exato dizer que ela se torna óbvia, apoiando e amadurecendo nossa prática. (...)

PORTÕES DA PRÁTICA BUDISTA – Chagdud Tulku Rinpoche




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