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O que significa o Zen na nossa época?* de Taisen Deshimaru
Se nossa época está marcada por um grande desenvolvimento da ciência e da civilização materialista, houve pouco progresso no que concerne aos problemas humanos, e o significado da vida e do universo. Privados deste conhecimento essencial, os homens se iludem e ficam cada vez mais apavorados com as perspectivas de violência, de crimes e de guerras. Nossa educação baseada unicamente no conhecimento intelectual, nossas religiões e nossas morais tradicionais não são mais capazes, ao que parece, de trazer, soluções. Angustiados, desorientados, desequilibrados, os homens fogem nos prazeres momentâneos e na facilidade, distanciando assim de sua essência espiritual e do verdadeiro sentido da humanidade. As contradições, as insatisfações são numerosas, o equilíbrio natural dos humanos está rompido pois eles não sabem mais viver na condição normal do corpo e do espírito, A vida em sociedade educa os homens segundo convenções que lhes ensinam a emitir juízos sobre o bem e o mal a partir de critérios que são mais um hábito adquirido do que uma noção realmente vivida. Aqueles que compreendem este estado de coisas são tão poucos que, quando têm a coragem de falar, passam por anormais aos olhos dos outros. Os indivíduos perderam a felicidade e o sentido íntimo do bem e do mal ao mesmo tempo. Acontece o mesmo no nível das nações: a busca do bem estar verdadeira do homem através da economia e do consumo revela-se ineficaz. A paz universal e a felicidade da humanidade encontram-se nos princípios de existência do universo, que por sua simplicidade estão ao alcance de cada um, e por toda parte. Para reencontrá-los, devemos fazer urna verdadeira revolução interior. COMO FAZER ESTA REVOLUÇÃO INTERIOR? O QUE É ZAZEN? Não é nem uma religião nem uma ética. É claro, na vida quotidiana, na vida social, a moral e os preceitos têm um grande papel, mas seu valor é apenas relativo. Se quisermos seguir uma moral estrita, nosso corpo se dobra mal. Se quisermos nos consagrar a uma vida espiritual segundo preceitos e uma ética definida, nossa vida fica estreita, sem liberdade, "apegada". Por outro lado, outros querem se consagrar a uma vida inteiramente "natural", livre, sem restrições, como os hippies. Estas duas atitudes extremas são características de nossa época. No budismo, a primeira atitude se chama "ser amarrado, pés e punhos juntos, pelo Buda, pelo darma", isto é, ser atado pelo conhecimento e pela busca da verdade a ponto de não poder se libertar dessa amarras. Tentar conhecer ou compreender a verdade ou conhecer a si mesmo através de um conhecimento exterior impõe-nos um constrangimento tão forte que nos aprisiona até a morte. Muitos pregam e ensinam a moral e um certo ascetismo. Eles escrevem sobre a espiritualidade e a filosofia mas não sabem pôr em prática, na sua própria vida, aquilo que preconizam. Esta contradição entre a prática e o conhecimento, entre o ideal e a realidade é a grande tragédia da vida moderna. No que concerne o Zen, é a mesma coisa: os livros e o ensinamento de professores que "contam as letras" não podem dar um conhecimento aprofundado. Dogen escreveu: "Se vocês querem estudar realmente o budismo, devem entrar nele pela prática gyo. A verdade do Zen não pode ser vivida a não ser através da prática e da ação, e não pelos textos." Outros, ao contrário, abandonam intelecto, idéias, moral para seguir a natureza, como os hippies. Esta atitude puramente negativa é um ideal quixotesco. A vontade de escapar a toda restrição não impede os homens de serem submetidos à regra de interdependência que rege todo o universo. Para o budismo, esta vida que se quer "de acordo com a natureza" não é de fato mais do que um ciclo perpétuo através das cinco primeiras dimensões da existência. 1. Naraka: sofrimento de não poder realizar seus desejos. Inferno. 2 .Gaki: a insatisfação dos desejos engendra a multiplicação deles. Fome. 3. Shikusho: os desejos insatisfeitos ou meio satisfeitos exarcebam-se, engendrando a violência e a agressividade. Animal. 4. Asura: agressividade, violência e desejo de superioridade conduzem à fadiga e à lassidão. Demônio guerreiro. 5. Ningen: a fadiga e a lassidão trazem uma calma que caracteriza a condição ordinária do homem que acredita ser feliz, que crê ter atingido o estado de Buda mas isso não é satori nem nirvana, é apenas um paraíso artificial, conseqüência da lassidão. Esse repouso permite reencontrar sua energia e também a força de seus desejos e o ciclo recomeça perpetuamente. É assim que muita gente pratica o Zen crendo ter compreendido o seu verdadeiro sentido. Vivida assim, a existência humana não tem grande interesse nem grande sentido. A verdadeira religião, a mais alta dimensão do universo, é uma. O Zen não é um idealismo, um espiritualismo ou um moralismo, ele não é mais apegado aos preceitos do que à natureza animal, ele abraça todas as contradições porque é uma prática e não um conhecimento. O QUE É A PRÁTICA DO ZEN ? ZAZEN Dogen escreveu no Shobogenzo: "O que é zazen? É ser no próprio instante, além de todas as existências do universo; atingir a dimensão de Buda e viver nesta dimensão. Zazen é apenas isso. Além dos budistas e dos anti-budistas, é penetrar no mais profundo da experiência do Buda – "zazen." Esta linguagem, muito simples, reflete a própria essência do Zen que é, ele próprio, simplicidade. QUAL É A ESSÊNCIA DE ZAZEN? Zazen tem seu significado em si mesmo. Foram ditas muitas coisas falsas a este respeito, eis por que eu gostaria de falar disso mais longamente. 1. Para uns, zazen é uma meditação, uma atitude de pensamento. Mas zazen não é nem um "ismo", nem um pensamento, nem uma meditação, no sentido que lhe é dado no hinduismo por exemplo. Na Europa, Pascal definiu o homem como um junco pensante, exprimindo assim a concepção européia que faz do ato de pensar a base do comportamento humano. O pensamento enche toda nossa vida, ninguém concebe o antipensamento. Professores, filósofos em particular se entregam ao pensamento, nenhum sonha criticar o pensamento em si. Zazen não é nem um pensamento nem um antipensamento, é além do pensamento, pensamento puro, sem autoconsciência, em harmonia com a consciência do universo - Dogen cita esta história de Mestre Iacusan: "Um dia, enquanto ele fazia zazen, um jovem monge lhe perguntou: O que o senhor pensa durante zazen ? Ele respondeu: Eu penso sem pensar, hishírio." - Hishirio: dimensão de pensamento sem consciência. Tal é a essência do Zen, de zazen. O pensamento consciente é claro, é importante na vida que passa e não se pode fazê-lo desaparecer. Mas acontece de se fazer às vezes a experiência de agir sem pensar, sem consciência, sem ego, espontaneamente, como por exemplo na arte, no esporte ou em qualquer outro ato no qual corpo e espírito estão implicados. A ação se faz espontaneamente antes de qualquer pensamento consciente. É ação pura, essência do zazen. 2. A experiência do zazen não é uma experiência especial ou misteriosa, uma condição particular do corpo e do espírito. É o retorno à condição humana normal. Pensa-se em geral que uma religião deve ser feita de mistério e de milagres por oposição à ciência. Também em relação ao zazen, muitos pensam que se trata de encontrar uma iluminação, um estado de espírito particular. Zazen não é nada disso. As cerimônias, nas religiões, despertam emoções, sentimentos, êxtase... O zazen não é nem êxtase nem despertar de sentimentos nem uma condição particular do corpo ou do espírito, é voltar completamente à pura condição normal do homem. Esta condição não é privilégio dos grandes mestres e dos santos, ela não tem mistério e está ao alcance de qualquer um. Zazen é tornar-se íntimo de si mesmo, provar-se, encontrar sua unidade interior e harmonizar-se com a vida universal. 3. Zazen não é uma mortificação. Alguns pensam que um seshin (período de treinamento intensivo de alguns dias) consiste em fazer zazen durante longas horas, em dormir pouco, em comer legumes, etc., e assim, à força do esgotamento, em entrar num estado de êxtase... É um grave erro que também cometem numerosos monges no Japão. Eles pensam que o seshin é apenas isso e se gabam de praticar dura e severamente. É a ruína das religiões. Dogen, no entanto, escreveu: "Durante o zazen, você deve usar uma almofada bem espessa posta sobre a grama ou sobre uma coberta. O dojo (lugar da prática) deve estar ao abrigo das correntes de ar, do vento ou da chuva. A atmosfera deve ser agradável. Não deve estar nem muito escuro nem muito claro, a temperatura deve estar adaptada à estação." Isso tudo é muito importante pois o zazen não é uma mortificação. É uma via que conduz à verdadeira paz, a verdadeira liberdade do homem. QUAL É A ESSÊNCIA DO ZAZEN? Apenas a postura. Todos os gestos da vida se tornam Zen. Mas a fonte, a origem, é apenas sentar-se. A postura de zazen é o assentar exato: pratica-se zazen sentado numa almofada, o zafu. As pernas são cruzadas na postura tradicional de lótus: o pé direito sobre a coxa esquerda o pé esquerdo sobre a coxa direita, solas para cima. Também é possível adotar a meia-posição: só um pé repousa ria coxa oposta. É muito importante que os joelhos apoiem-se no chão, 1 - Posição do Corpo: As costas retas, a bacia empurrada para frente de forma que os órgãos internos se posicionem naturalmente. Meu mestre dizia que a posição das costas devia dar a impressão de que o ânus se vira em direção ao sol. A cabeça reta, o queixo retraído, de forma que o nariz esteja vertical ao umbigo e as orelhas perpendiculares à linha dos ombros. Mestre Dogen dizia: "As costas devem ser como um precipício". A postura de zazen é, como repito muitas vezes, empurrar o céu com a cabeça, empurrar a terra com os joelhos. 2 - Posição Das Mãos e Dos Ombros: As mãos repousam nas coxas, palmas para cima, a mão esquerda sobre a mão direita. Os polegares unem-se horizontalmente, no prolongamento um do outro, formando a figura de um ovo. As mãos estão em contato com a barriga. Os cotovelos não estão juntos do corpo, mas ligeiramente separados, enquanto os ombros e os braços caem naturalmente. 3 – Posição da Boca e da Língua - A boca fica fechada, sem apertar. A ponta da língua fica colada ao céu-da-boca, atrás dos dentes. 4 - A Posição Dos Olhos: Os olhos ficam meio fechados, o olhar pousado, e não fixo, a um metro diante de si, imóvel. 5 - A Respiração: Quando a maneira de se sentar é correta, a respiração exata acontece naturalmente. A expiração é mais longa que a inspiração, poderosa e calma como o mugido de uma vaca. A inspiração dá-se em seguida automaticamente. Durante a expiração exerce-se sobre os intestinos uma pressão para baixo que provoca uma extensão da parte da barriga situada sob o umbigo. A respiração deve ser silenciosa, natural, jamais forçada e sempre a mesma tanto em zazen corno em kin hin. Zazen é a condição normal do corpo e do espírito, tranqüilidade, estabilidade, equilíbrio, harmonia. Antes do zazen, balança-se levemente da direita para a esquerda para encontrar o equilíbrio imóvel. Esta experiência de zazen permite encontrar o verdadeiro impulso vital que está em nós. Não se trata nem de uma tensão nem de um relaxamento, mas da verdadeira liberdade e harmonia. Os mestres zen sempre dizem que não se pode expressar isso pela linguagem pois isso equivaleria a enganar as pessoas oferecendo a elas uma maçã pintada numa tela. O ensinamento do Zen, como eu digo muitas vezes, se faz "de minha alma à sua alma". DURANTE A SEMANA INTERNACIONAL ZEN, EM SETEMBRO DE 1972, EM ZINAL, ESTA CONFERÊNCIA FOI PRONUNCIADA PELO MESTRE TAISEN DESHIMARU E TRADUZIDA DO FRANCÊS PELA EQUIPE DE BODISATVA |