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O budismo Mahayana por diversos
O BUDISMO MAHAYANA Eventualmente, alguns séculos depois da morte de Buddha, muitos textos com seus discursos, ou sutras (páli sutta), acabaram sendo reeditados, fazendo surgir diferentes versões de um mesmo texto. Inicialmente, os ensinamentos de Buddha eram memorizados pelos recitadores (sânsc. e páli bhanaka) e posteriormente foram anotados. Os textos de grupos diferentes e distantes são muito semelhantes. Além disso, surgiram muitos sutras novos, atribuídos a buddhas transcendentais (sânsc. dhyani-buddha), seres da iluminação (sânsc. bodhisattva) ou ao próprio Buddha Shakyamuni. Por volta dos séculos I e II, esses novos sutras deram impulso ao movimento que passaria a se autodenominar como o Grande Veículo (sânsc. Mahayana). Segundo este movimento, esses sutras conteriam os ensinamentos mais profundos de Buddha e teriam sido preservados no reino das nagas (dragões aquáticos com corpo de serpente e cabeça humana) até que os discípulos se tornassem aptos a recebê-los. Os historiadores japoneses geralmente afirmam que o movimento Mahayana surgiu como um modo de atender às necessidades dos leigos budistas. Outros historiadores associam o surgimento do Mahayana à veneração dos relicários (sânsc. stupa) e à propagação dos novos sutras. Aos poucos, o Mahayana se espalhou peloTibet,Nepal, Butão,Mongólia,Vietnã,China,Coréia,Japão e em algumas regiões de ex-repúblicas soviéticas. Os precursores do Mahayana passaram a denominar a escola a escolaSarvastivada e suas dissidências (Vaibhashika eSautrantika) pelo termo pejorativo Hinayana, Pequeno Veículo. Os adeptos do Mahayana acabaram estendendo este termo às outras escolas antigas, até mesmo a aquelas que não tinham qualquer relação com os sarvastivadins e suas dissidências. Hoje em dia, muitos se referem à antiga escolaTheravada como sendo Hinayana; alguns também classificam algumas escolas sino-japonesas (Ch'eng-shih / Jôjitsu,Chu-she / Kosha,Lü-tsung / Ritsu) de maneira semelhante. Os adeptos da escola Theravada, predominante no sudeste asiático (Mianmar,Sri Lanka,Camboja,Tailândia e Laos), rejeitam o termo Hinayana, mesmo porque esta designação não era originalmente aplicada a esta escola e porque não existe qualquer registro histórico neste sentido. Os therevadins consideram-se os preservadores dos ensinamentos verdadeiros de Buddha e não aceitam os sutras do budismo Mahayana. Em um dos textos de seu cânone (Uttaravipatti-sutta, Angutara-nikaya IV:163), afirma-se que Tudo o que for bem dito é palavra de Buddha. Esta afirmação foi tomada pelo Mahayana para legitimar seus sutras; mesmo que o Buddha não tenha realmente proferido estes discursos, os ensinamentos estariam corretos e, portanto, também podem ser considerados como sendo suas próprias palavras. O texto Mahayana mais antigo de que se tem registro é uma versão chinesa do Discurso da Perfeição da Sabeodria em Oito Mil Linhas (sânsc. Ashta-sahasrika-prajna-paramita Sutra), traduzido por Lokakshema no século II. Na mesma época, surgiram vários outros textos sobre a Perfeição da Sabedoria (sânsc. Prajna-paramita), retomando conceitos antigos e adicionando novas idéias. O mais conhecido é oSutra do Coração. Os Sutras da Perfeição da Sabedoria atacaram o conceito Hinayana de que osdharmas, os elementos que constituem a realidade, tenham existência inerente. Uma dos principais ensinamentos do Mahayana é a doutrina do vazio (sânsc. shunya) ou vacuidade (sânsc. shunyata), interpretada de diversas formas: na filosofiaMadhyamaka, o vazio é a ausência de svabhava (existência inerente); na filosofiaYogachara, o vazio é a ausência de dualismos; e na doutrinaTathagatagarbha, é a ausência de impurezas na natureza búdica. Outro ponto muito enfatizado é o ideal do ser da ilumunação (sânsc. bodhisattva), que visa atingir a iluminação para beneficiar a todos os seres sencientes. [No Mahayana,] o bodhisattva é geralmente contrastado com o ideal Hinayana do arhat, que buscaria escapar da existência cíclica preocupado principalmente com a liberação pessoal (sânsc. pratimoksha). O bodhisattva, ao contrário, procuraria estabelecer a todos os seres sencientes na iluminação. (...) É admitido na literatura Mahayana que os arhats também possuem compaixão e ensinariam os outros. Além disso, as realizações dos arhats seriam impressionantes: eles superam as emoções aflitivas, eliminando o ódio, a ignorância e o desejo pelas coisas da existência. Eles se desapegam das posses materiais, não se preocupando com a fama e poder e, por isso, eles transcendem o mundano. Quando morrem, ele passam deste mundo para o estado bem-aventurado do nirvana, no qual não há mais renascimento ou sofrimento. Porém, apesar dessas realizações, seu caminho é denigrido pelos sutras Mahayana, que fazer uma distinção acentuada entre a "grande compaixão" dos bodhisattvas e a "compaixão limitada" dos arhats. (...) [Apesar das críticas,] o Mahayana também afirma que os caminhos Hinayana são meios válidos para se fazer progresso espiritual e que eles foram ensinados para certas pessoas que estariam interessadas principalmente na liberação pessoal. (...) [Isto] reflete o tom fortemente sectarista de muitas discussões do Mahayana sobre seus rivais Hinayana, contrastando a compaixão universal dos bodhisattvas com o suposto egoísmo dos arhats e realizadores solitários. (...) [Este] tom é particularmente evidente nos primeitos textos Mahayana, provavelmente porque o emergente Mahayana encontrou forte oposição dos proponentes do caminho que caracterizavam de "inferior". (John Powers, Introduction to Tibetan Buddhism) Na escola Theravada, não-Mahayana, estes pontos de vista são encarados de outra forma. Os arhats (páli arahat) são vistos da mesmo maneira que na antiga escolaSthaviravada: são considerados seres perfeitos, idênticos ao Buddha em suas realizações e, por terem atingido o nirvana (páli nibbana), são totalmente livres do sofrimento do samsara. O termo bodhisattva (páli bodhisatta) é usado apenas para se referir ao Buddha histórico, Siddharta Gautama (páli Siddhatta Gotama), antes de atingir a iluminação e ao buddha do futuro,Maitreya (páli Metteya). No campo social, pode-se perceber que os monges das escolas antigas, centralizados em mosteiros sustentados pelos reis, ficaram praticamente desligados da sociedade. O Mahayana, ao contrário, teve grande penetração popular; seus monges e leigos passaram a venerar osbodhisattvas, osbuddhas transcendentais e os novos sutras, acreditando na salvação pela fé. Posteriormente, os monges Mahayana deixaram muitas das regras monásticas do budismo ortodoxo e passaram a sustentar os seus monastérios, dependendo menos dos leigos e, em muitos casos, diminuindo a ênfase sobre o estudo e meditação. A diferença fundamental entre os assim chamados Hinayana e Mahayana é o modo como cada veículo observa a vida e os ensinamentos de Buddha. No sistema tibetano, por exemplo, as filosofias budistas são divididas em quatro escolas: Sautrantika, Vaibhashika, Madhyamaka e Yogachara. As duas primeiras primeiras, dissidentes da escolaSarvastivada, são classificadas como Hinayana, e as duas últimas como Mahayana. Enquanto as filosofias Hinayana vêem o Buddha como um grande santo que abandonou suas riquezas para alcançar a iluminação, as filosofias Mahayana tendem a apresentá-lo de maneira mais transcendental, como um ser de infinita compaixão que "apareceu" entre nós para transmitir sua sabedoria e ajudar a todos os seres. A primeira [categoria], o Hinayana, toma por base a compreensão de que o samsara é permeado de sofrimento e dificuldades, de que toda a felicidade que pode ser encontrada é impermanente. Quem segue por esse caminho toma a firme decisão de praticar a fim de encontrar uma felicidade que esteja além de qualquer sofrimento. Com a aplicação dos métodos do Hinayana, o praticante desenvolve a capacidade de passar além dos ciclos de sofrimento, para uma experiência de alegria e felicidade plenas. No Mahayana, a segunda categoria, encontramos, além dessa mesma compreensão do sofrimento, o ensinamento de que tudo — sofrimento e felicidade, desventura e ventura, que surgem todos como o jogo do karma — é ilusório, é como um sonho, uma miragem ou como um reflexo da Lua sobre a água. Fundamental a esse caminho é a visão da inseparabilidade entre verdade relativa e absoluta, e a aspiração de ajudarmos todos os seres — não apenas nós mesmos — a encontrar a liberação. Reconhecendo a grande bondade que nos foi devotada por todos os seres, que a um tempo foram nossas mães, aspiramos à iluminação a fim de ajudá-los a despertar para a verdade de sua natureza. Não apenas almejamos que isso aconteça, mas diligentemente aplicamos os métodos pelos quais a iluminação pode ser alcançada. Através da prática das seis perfeições, desenvolvemos a capacidade de passar além do samsara e do nirvana, de encontrar a liberação plena. Esse é o caminho do bodhisattva. (Chagdud Tulku Rinpoche, Portões da Prática Budista) [A] incompreensão dos yanas provém da identificação do Hinayana com o Theravada, do Mahayana com o Zen e outras escolas do extremo oriente, e do Vajrayana [o budismo esotérico] com o budismo tibetano. Quando se entende verdadeiramente o budismo, torna-se claro que todos os três veículos estão presentes em cada tradição e que a essência de toda a prática budista é a mesma por toda a parte. (Jack Kornfield, Living Buddhist Masters) |