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A vacuidade e a interdependência dos fenômenos
Do livro "Ngelso - Autocura III"
de Lama Gangchen Tulku Rimpoche


A VACUIDADE

Está dito no Madhyamakavatara do Mahasiddha Chandrakirti:

"‘Não existindo o ator, não existe a ação. Não pode haver um Eu de uma pessoa que não existe. Se você que procura a verdade, compreender a vacuidade do Eu e do Meu, chegará à libertação perfeita"

Estamos preenchidos da sensação de que somos independentes e auto-suficientes, e não de que somos manifestações interdependentes. Essa é a base de todos os nossos problemas e sofrimentos.

Nossa mente comum sente espontaneamente: "Eu existo", "Eu existo". Esse é nosso mantra no nível subconsciente. Temos uma percepção distorcida da realidade de nosso eu ou ego pois, mesmo tendo conhecimento intelectual de nossa própria morte e impermanência, sentimos nosso eu como completamente independente e permanente. Não conseguimos integrar o conhecimento intelectual de nossa morte e impermanência em nosso coração. Por isso, quando a realidade da impermanência invade nossa fantasia de um mundo e um Eu permanentes, vivemos um monte de problemas e sofrimentos. Esse ego independente do qual cuidamos tanto e com o qual nos identificamos cem por cento é, na verdade, uma completa alucinação.

O Treinamento Espacial, ou a meditação na vacuidade, na sabedoria ou no espaço absoluto são métodos para nos fazer aceitar, de uma forma mais suave ou mais firme, que esse ego é uma alucinação, uma ilusão e um terrível engano. São técnicas para dissolvermos a loucura alienada do apego a si mesmo e devolvermos nossa mente à sanidade, na qual vivemos diretamente a natureza verdadeira da realidade como espaço absoluto e manifestações interdependentes de fenômenos.

Tanto no Sutra como no Tantra, o processo de meditação na vacuidade é o mesmo. A diferença é que no Sutra usamos a mente grosseira, enquanto no Tantra usamos os níveis mentais mais profundos, o que torna a experiência subjetiva mais poderosa. A vacuidade à qual tentamos unir nossa mente, porém, é a mesma.

Pergunta: O que é essa vacuidade de existência intrínseca que temos que compreender?

Resposta: No nível relativo, você pensa que é uma pessoa bonita, sente fome, dorme, trabalha, sente-se só, etc. Entretanto, se você tentar encontrar esse "você" que você acredita tão fortemente existir independentemente de todos os outros fenômenos, perceberá que não pode encontrá-lo. Você pode, por exemplo, dividir seu corpo em muitas partes. Qual dessas partes é realmente você? Não é possível encontrar o que realmente você é. Porém, dentro da relação interdependente corpo-mente, há alguém que existe. Há muito para se falar sobre esse tema. É um assunto muito profundo.

Vacuidade significa vazio de existência intrínseca ou independente. Por isso, no primeiro estágio de meditação no espaço absoluto, tentamos visualizar, imaginar ou identificar claramente como é esse estado de existência concreta. Temos que procurar esse estado para nos convencer por meio da lógica que ele não existe de verdade. Só percebemos isso quando o procuramos.

Sempre começamos esse tipo de meditação usando nossa própria sensação de si mesmo ou ego como a coisa que desejamos fazer desaparecer, pois o impacto emocional de perdermos nosso próprio ego é, ao mesmo tempo, devastador e libertador. Perceber que o ego de outra pessoa é uma fantasia ou que a montanha não existe como parece não tem o mesmo impacto e capacidade de transformar nossas distorções e negatividades mentais. Nosso ego é nosso inimigo numero um e, por isso, precisamos empreender uma guerra impiedosa contra ele.

Uma vez tendo destruído nosso próprio ego com a arma da sabedoria, toda a estrutura de nosso samsara pessoal começa a desmoronar e rapidamente colapsa. O primeiro passo é compreender o que é existência intrínseca independente.

Tchandrakirti, o grande filósofo mahayana indiano, disse:

"As coisas existirem por si mesmas significa que elas não dependem de outros/fatores para sua existência. Porém, como as coisas realmente dependem de outros/fatores, não pode haver um fenômeno existente por si mesmo".

Isso significa que nós não existimos realmente de uma forma independente. Somos o resultado de muitas causas e condições de surgimento interdependente.

Tchandrakirti também disse:

"Muitas pessoas podem usar o mesmo cavalo para passear. Da mesma forma, quando pessoas diferentes percebem a vacuidade, todas elas percebem a mesma vacuidade".

Muitos grandes yogues antigos como Tchandrakirti chegaram à percepção profunda da vacuidade de existência independente, mas não tinham interesse por desenvolver ou cuidar do mundo externo. Hoje em dia, os cientistas modernos pesquisam a natureza dos fenômenos de uma forma relativa e, como resultado, são capazes de criar muitas coisas no mundo externo. Além disso, sua investigação da natureza da realidade externa os levou, através da teoria da relatividade geral e da mecânica quântica, a uma idéia sobre a realidade grosseira que se assemelha em muitos aspectos às idéias sutis dos yogues antigos e modernos.

Por exemplo, como disse o grande físico americano David Bohm:

"O estado atual da física teórica implica que o espaço vazio tem toda a energia e que a matéria é um leve aumento dessa energia. A matéria é como uma pequena ondulação nesse imenso oceano de energia, uma ondulação manifesta e com uma relativa estabilidade. Portanto, minha sugestão é a de que isso nos leva a uma realidade muito além do que chamamos de matéria. A própria matéria é apenas uma ondulação nesse pano de fundo".

e

"A massa é um fenômeno de raios ele luz em conexão movimentando-se para frente e para trás, como que congelando-se em formas... Portanto, a matéria, tal como é, é luz condensada ou congelada. Pode-se dizer que quando chegamos à luz estamos chegando à atividade fundamental na qual a existência tem sua base ou, ao menos, estamos nos aproximando dessa base".

Não quero sugerir com essas citações que os cientistas atuais tenham o mesmo nível de realização que os yogues, mahasiddhas ou Budas. Entretanto, se os cientistas modernos aprofundassem suas idéias e pesquisassem nosso mundo interior, eles se tornariam realmente seres realizados, mais que os antigos siddhas budistas como Tchandrakirti, Darikapa e outros. Quem sabe o que Einstein teria feito se tivesse entrado em contato com a filosofia Madhyamika ou o Tantra de Kalachakra. Talvez ele ligasse o contínuo espaço-tempo da relatividade geral à Roda Absoluta do Tempo de Kalachakra, encontrando assim a teoria fundamental para explicar a natureza do universo, o objeto de sua busca.

Em minha opinião, se as pessoas de hoje que possuem uma mente científica apenas deslocassem um pouco a posição da mente, poderiam chegar às realizações internas com mais rapidez que os antigos yogues. Por quê? As pessoas dos tempos antigos não acreditavam e não concordavam com muitas coisas, ao passo que hoje as pessoas têm uma mente muito mais aberta, além de receberem uma ótima educação no nível relativo.

Além disso, atualmente muitos cientistas se sentem entediados depois de tanto pesquisar o mundo externo. Gastaram tanto tempo, dinheiro e esforço e ainda não descobriram a natureza da realidade, uma das metas da física e da cosmologia. Se eles integrassem sua investigação do mundo externo com uma pesquisa do mundo interior, tenho certeza de que algo realmente maravilhoso poderia acontecer. Tanto os que investigam cientificamente o mundo interno quanto os que pesquisam o mundo externo precisam usar a chave da interdependência dos fenômenos para abrir os segredos da realidade.




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