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Partindo da Esperança para a Ausência de Esperança
por Margaret Wheatley


Margaret Wheatley escreve, ensina e discorre sobre novas e radicais práticas e idéias sobre o tema de organização em tempos caóticos, dedica-se a estruturar empreendimentos onde o individuo é considerado um acréscimo e não um impecilho. É presidente do Instituto Berkana, fundação mundial sem fins lucrativos a serviço de líderes, onde quer que estejam, dedicados em afirmar a vida. Margaret Wheatley foi consultora organizacional durante muitos anos, e professora de administração em dois cursos de pós-graduação. Seu último livro, "Turning to One Another: Simple Conversations to Restore Hope to the Future" (janeiro 2002) (Convivendo Uns Com os Outros: Conversas que Restauram a Esperança para o Futuro), parte do princípio que a verdadeira mudança social ocorrerá a partir do eterno processo de pensar e conversar em grupo. A obra de Margaret Wheatley pode também ser encontrada em dois livros premiados, "Leadership and the New Sciece" (Liderança e a Nova Ciência) (1992-1999) e "A Simpler Way" (Um Caminho Mais Fácil" (com Myron Kellner-Rogers), e ainda vários vídeos e artigos. Inspira-se na nova ciência e na capacidade sistêmica e cooperativa que tem a vida de se auto-organizar. Cada vez mais seus modelos organizacionais são inspirados na compreensão de diferentes culturas e tradições espirituais. Seus artigos e sua obra podem ser acessados em www.margaretwheatley.com.

A medida em que as perspectivas do mundo se fazem mais tenebrosas, esforço-me em pensar na esperança. Observo o mundo e os que me rodeiam passando, cada vez mais, por perdas e sofrimentos.

  • Enquanto a agressão e a violência se instalam em todo tipo de relacionamento pessoal e global,
  • Enquanto decisões são tomadas a partir da insegurança e do medo.

Como é possível ter esperança para um futuro mais risonho? O salmista bíblico escreveu: "sem visão o povo perece." Será que estou perecendo?

Não é uma pergunta que faço com tranqüilidade. Debato-me á procura de melhor forma de reverter esta descida desenfreada no medo e na dor; o que posso fazer para restaurar a esperança no futuro? No passado era mais fácil acreditar na minha eficácia. Empenhando-me de corpo e alma, com bons colaboradores e boas idéias, podíamos ser úteis. Mas hoje, já não penso assim mas, sem poder esperar resultados da minha ação, o que faço para manter o empenho? Se não acredito que o que faço possa se converter em realidade, onde encontrarei a força para perseverar?

Para responder a estas perguntas consultei aqueles que já passaram por tempos tenebrosos; eles me conduziram numa jornada por novos questionamentos, uma jornada que me transportou da esperança para o estado de ausência de esperança.

A jornada começou com um pequeno livro intitulado "A Teia da Esperança," que enumera as marcas de desesperança e de esperança no que toque os problemas mais insistentes da Terra, sendo que o primeiro é a destruição ecológica criada pelos humanos. Mesmo assim, o livro registra como esperançoso apenas o fato de que a terra obra na criação e na manutenção das condições que sustentam a vida. Como espécies destrutivas, os humanos serão despejados se não mudarem seus hábitos. O conhecido biólogo, E. O. Wilson, comenta que os humanos são a única espécie que, ao desaparecer, beneficiariam todas as demais (com exceção dos animais domésticos e das plantas caseiras). É o que também diz o Dalai Lama em muitos dos seus ensinamentos mais recentes. Fatos que me deixaram muito esperançosa.

No mesmo livro, li uma citação de Rudolf Bahro, que esta sim, ajudou: "Quando as manifestações de uma velha cultura estão desaparecendo, surge uma nova criada pelos poucos que não temem a insegurança." Será que insegurança e vacilo podem ser características positivas? É difícil imaginar como posso me empenhar em participar do futuro sem que esteja firmemente plantada na noção de que minhas ações, de alguma forma, serão uma contribuição? Contudo Bahro oferece uma nova perspectiva, a sensação de insegurança, a sensação de não ter chão, contribuem para o meu empenho. Estou informada sobre "não ter chão,"—especialmente através do budismo—e é o que venho sentindo ultimamente. Não me sinto nada à vontade, mas a medida em que a velha cultura se converte em papa, será que não posso abdicar de estar sempre procurando um chão onde me plantar?

Vaclev Havel ajudou-me a sentir-me um pouco mais seduzida pela insegurança e pelo desconhecido. "A esperança," diz ele, "é um espaço da alma...uma orientação do espírito, uma orientação do coração. Transcende o mundo que vivencia e se ancora alhures, além dos horizontes...não é a convicção de que tudo vai dar certo, mas a certeza de que existe um sentido, qualquer que seja o resultado."

Havel parece estar descrevendo não esperança, mas o estado de ausência de esperança que é quando nos libertamos da noção de resultado e passamos a nos pautar pelo que parece acertado muito mais do que o que parece eficaz. Permite-me introduzir o ensinamento budista de que o estado de ausência de esperança não é o oposto de esperança, mas o medo, este sim. Esperança e medo são parceiros inseparáveis. Sempre que temos esperança de chegar a um resultado e nos empenhamos em fazer acontecer, introduzimos o medo—medo de fracassar, medo de perder. O estado de ausência de esperança está isento de medo e transmite a sensação de liberdade, já tinha ouvido dizer isto. Depurados de emoções fortes, percebemos o surgimento milagroso de lucidez e energia.

Thomas Merton, místico cristão, trouxe ainda outras luzes para o estado de ausência de esperança. Numa carta a um amigo, aconselhava: "Não se apóie na esperança de obter resultados...você poderá ter de encarar o fato de que o seu trabalho foi em vão e mesmo nunca obter resultados, talvez nem tanto o oposto dos resultados com que você contava... A medida em que se acostumar a esta idéia, passará a se concentrar, menos nos resultados e mais nos valores, no que é acertado, na verdade contida na própria obra...e lutará cada vez menos por uma idéia e muito mais pelas pessoas...Ao fim, são as relações pessoais que resgatam tudo."

Sei que isto é verdade. Trabalho com colegas em Zimbabwe enquanto o país, governado por um ditador louco, descamba em violência e fome generalizada. Portanto, trocando mensagens na internet e fazendo visitas ocasionais, aprendemos que a alegria ainda está disponível, não nas circunstâncias, mas nos relacionamentos. Enquanto estivermos juntos, enquanto sentirmos o apoio dos demais, é possível perseverar. Alguns de meus melhores mestres têm sido estes jovens líderes. Uma delas, com pouco mais de vinte anos dizia: "Como nos conduzimos é o que importa, não para onde, quero estar junto e com fé." Uma jovem dinamarquesa, que no término de uma conversa que nos comoveu profundamente, disse com doçura: "sinto que penetramos de mãos dadas numa floresta densa e escura." Uma amiga de Zimbabwe, no seu momento mais tenebroso escreveu: "na minha dor vi-me sustentada, todos sustentados nesta teia incrível de bondade. A dor e o amor no mesmo lugar. Senti que o meu coração poderia explodir se tentasse abarcar tudo isto."

Thomas Merton tinha razão: somos consolados e revigorados pelo desespero partilhado. Não necessitamos de resultados específicos, necessitamos uns dos outros.

O estado de ausência de esperança surpreendeu-me quando observei-me diante da paciência. Renunciando à eficácia e observo a ansiedade se esvair, surge a paciência. Dois líderes visionários, Moisés e Abraão, carregaram as promessas transmitidas pelo seu Deus, mas tiveram de renunciar à esperança de confirma-las no tempo suas vidas. Foram levados pela fé. T.S. Eliot fala sobre o tema melhor que qualquer. Nos Quatro Quartetos, escreve:

Disse à minha alma, aquieta-te, e espera, sem esperança

Porque a esperança seria a esperança num objeto quivocado;

Espera sem amor

Porque o amor seria o amor pelo objeto equivocado; ainda existe a fé

Mas a fé e o amor e a esperança podem todos ser encontradas na espera.

É assim que me transporto nesta jornada através destes tempos de incertezas crescentes. Falta chão, falta esperança, insegura, paciente, lúcida. Mas juntos.




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