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Educação budista para o aprendizado Zen por Donald K. Swearer do Livro "Os segredos do lótus" Foi o Buda que libertou a meditação zazen do tradicional ascetismo hindu e deu-lhe um significado mais humano. Entretanto, nos seus primórdios, o aprendizado, no Budismo, não teve nenhuma ligação com o chamado ascetismo tantas vezes apresentado como misticismo de modo geral. Para o Buda, é absolutamente impossível encontrar a perfeição no sacrifício do corpo físico. Corpo e mente são unos, e não podem ser separados. A liberdade da mente só é possível num corpo físico igualmente livre. O que Buda procurava com seu método humano de meditação era descobrir o verdadeiro ego, inteiramente livre do mundo exterior de sofrimento, mas sem dele fugir. A meditação budista pressupõe que o ego não está nem totalmente separado, nem identificado com o mundo. Ao contrário, visa a criar um estado de ser que ultrapasse a distinção do ego e do mundo. Na doutrina budista, o ego absoluto que o Buda procura está magnificamente simbolizado nas "Quatro Sabedorias da Natureza Búdica". Ao acordar após uma prolongada meditação Zen, o Buda falou: "Quão milagroso é ver que todas as coisas deste mundo, sem exceção, possuem a natureza búdica! O homem é incapaz de realizá-la exclusivamente devido a sua ignorância! "Realizar essa natureza búdica inata através do próprio ego é descobrir o verdadeiro ego que permite ao homem e ao mundo viver em comum. A meditação zazen é encarada como o melhor meio de atingir esse ideal. A primeira sabedoria da natureza búdica é "A Sabedoria do Grande Espelho Redondo". Como todos sabemos, um espelho revela a própria essência pela sua vacuidade imaculada. Um espelho que tivesse alguma coisa no interior, deixaria de ser um espelho. A verdadeira existência de um espelho existe na sua não-existência. Por trás do que há de paradoxal nessa declaração existe a afirmação de que a pessoa só existe quando reflete a verdadeira natureza de tudo que vê. "Quando o luar do outono reflete-se no lago tranqüilo", diz um belo poema japonês, "ali não existe consciência para refletir, nem consciêneia para ser refletida; existe apenas um fato: o reflexo da própria existência." Essa função do espelho nada mais é senão a essência do espelho. Da mesma forma, a natureza búdica, ou o ego real, não possui por si mesmo nem forma nem conteúdo. O ego comum, que tem uma consciência egóica que se opõe ao objeto externo, não é o ego real, mas um mero fenômeno neste mundo finito. O ego real é a "face original que já existia mesmo antes do nascimento dos pais". Esse ego real é o ego sem forma que nunca é formado. Devido à sua vacuidade, um espelho pode refletir fielmente qualquer objeto que surja à sua frente. Um espelho não se recusa a refletir nenhum objeto. Em outras palavras, na superfície do espelho não há seleção, pois tudo é igualmente aceito. Essa é a segunda sabedoria do espelho, que se chama "A Sabedoria da Equanimidade". Esta expressão pode ser traduzida de modo mais funcional por "A Sabedoria da Igualdade". Para o espelho, não existe qualquer distinção entre bem e mal, pequeno e grande, beleza e fealdade, sagrado e profano. O espelho reflete coisas enormes como montanhas e oceanos. Da mesma forma, refletirá também um minúsculo inseto. O espelho aceita os excrementos repulsivos com a mesma presteza com que reflete uma linda flor. Do mesmo modo, a natureza búdica inata é imparcial para com todos os objetos. A igualdade de aceitação é encontrada na atitude da criança para com um objeto. Para ela, não existe julgamento de valor, definição ou conceito, já que tudo isso se baseia na orientação dualística do homem e sua interpretação intelectual. Na mente de urna criança não existe nenhuma distinção entre ela e outra pessoa. O homem e o mundo são apenas um. Entretanto, a partir do momento em que aprende a contar "dois", segundo um famoso matemático japonês, Kioshi Oka, aparece um dualismo na consciência da criança. À medida em que vai crescendo, cria uma autoconsciência que o separa de todas as outras coisas, dividindo gradualmente o mundo em bom e mau, beleza e fealdade, grande e pequeno, jovem e velho, e assim por diante. Tais juízos dualistas são formados exclusivamente pelo seu ponto de vista egocêntrico, e não por uma visão universal. A mesma coisa pode-se observar nos conceitos ou definições humanas. Num texto Zen existem inúmeros exemplos de diálogos entre mestre e discípulo. Pergunta o mestre, segurando o bastão Zen: "Que é isto ?" O discípulo responde: "É um bastão Zen." "Não, não é" — responde o mestre. "Se não é, então o que é ?" E o mestre retruca em voz alta: "É um bastão Zen !" O bastão Zen do discípulo era um simples conceito ensinado por alguém. Assim, ao ser negado, o discípulo defronta-se com uma enorme dificuldade para compreender. Porque, para ele, o nome do bastão Zen é idêntico à essência do bastão Zen; conseqüentemente, quando o mestre dá-lhe o nome de bastão Zen, esse nome ou rótulo não tem nenhuma importância e pode ser substituído pela palavra "flor", se ele o preferir. É neste sentido que devemos compreender a famosa frase: "A montanha é o oceano, e o oceano é a montanha." É perfeitamente claro: o dualismo vida-e-morte é uma questão de conceituação. Quando se compreende verdadeiramente a face única que existe além do conceito, a vida absoluta existe até mesmo no seio da morte. Da mesma forma, quando se vive numa conceituação dualista da vida, a vida já é morte. Como acontece na superfície de um espelho, somente o próprio objeto é refletido, e não o conceito ou definição, assim também na natureza búdica só a própria coisa no mundo fenomênico pode ser compreendida. Isso deve chamar-se "A Sabedoria da Equanimidade". A terceira sabedoria da natureza búdica chama-se "A Sabedoria da Investigação Correta". De certa forma, essa investigação parece contrária à segunda. Na segunda sabedoria, o espelho caracterizava-se como imparcial ou igual. Essa sabedoria era, por assim dizer, um estado de unidade absoluta no qual a montanha é o oceano, e o oceano é a montanha. No entanto, observamos agora uma função inteiramente diferente do espelho, na qual "a montanha é só montanha , e o oceano é só oceano". Nenhum espelho reflete uma montanha como sendo um oceano e vice-versa. No espelho o bom é bom, e o mal é mal; beleza é beleza, e fealdade é fealdade; o grande é grande, e o pequeno é pequeno. Essa afirmação absoluta é produzida pela limpidez do espelho. Em outras palavras, a afirmação absoluta do objeto só é possível quando realizada a absoluta negação do sujeito (isto é, do espelho). Tal como ocorre com "A Sabedoria do Grande Espelho Redondo", a natureza búdica também é imaculada. Vê claramente a cada objeto, tal como é, sem nenhuma modificação ou alteração. Entretanto, o ego comum não pode aceitar o objeto tal como é, devido ao seu julgamento egocêntrico. O ego comum é o ego formado pela autoconsciência, isto é, pela afirmação do próprio ego. Assim sendo, os objetos não podem ser inteiramente aceitos e afirmados. O ego absolutamente sem-forma, que é a negação absoluta do ego comum, é o ego real que aceita o mundo objetivo na sua afirmação também absoluta. O mestre Zen, Dogen, um dos fundadores do Soto Zen japonês, tece o seguinte comentário: "Estudar o Budismo é estudar o ego. Estudar o ego é esquecer-se de si mesmo. Esquecer-se de si mesmo significa ver o verdadeiro ego em todas as outras coisas do mundo..." Em suma, o homem descobre o próprio ego somente quando investiga todas as coisas do mundo exatamente como elas são. Quando se pergunta a um mestre Zen: "O que é o verdadeiro ego ?", ele pode explicá-lo com a seguinte frase: "Uma flor é vermelha, e um salgueiro é verde", ou "O olho é horizontal, e o nariz vertical." A quarta e última sabedoria do espelho é chamada "A Sabedoria que Realiza Tudo que Deve ser Realizado". Esta sabedoria implica uma função vívida do espelho que muda inesperadamente seu reflexo. A sabedoria do espelho, para aceitar claramente todas as coisas como elas são, só pode existir simultaneamente com a sabedoria do regresso à vacuidade, no momento em que desaparece seu objeto. Se alguma lembrança permanece no espelho, o próximo objeto não pode ser refletido como realmente é. Conseqüentemente, esse imediato regresso à vacuidade é a precondição exigida para a reflexão perfeita do próximo objeto. O ego comum inclina-se a guardar a lembrança do objeto, uma vez que este tenha sido impresso na sua consciência, e a julgar o próximo objeto em relação a essa lembrança. Quando lhe chegam objetos diferentes, a consciência percebe-os em comparação com o objeto anterior já definido ou conceitualizado. Ou então, no caso em que o mesmo objeto aparece repetidamente, a consciência tende a acostumar-se a percebê-lo e perde seu frescor. Mas o ego real, que é um ego sem forma, é encarado como permanentemente vazio como um espelho. Viver a própria vida a cada instante com uma percepção total é viver, nesse momento, o passado e o futuro. Por outro lado, viver sem uma percepção total do momento presente, tendo apenas a lembrança e a expectativa, não é viver; é morrer. Hoje em dia, as pessoas anseiam por adquirir novas experiências, para fazer coisas diferentes, tentando evitar fazer a mesma coisa, o que é encarado como sendo o desenvolvimento da consciência humana. No entanto, para a mente oriental, esse não é o caminho para encontrar a realidade. Na doutrina oriental, para chegar a esse resultado, é preciso concentrar a consciência humana sobre algo imutável, a fim de que se possa aprofundá-la continuamente até que essa unidade se transforme num valor inteiramente diferente, chamado satori ou kensho. O Zazen, uma das disciplinas mais severas, que concentra a nossa volúvel mente moderna na quietude da unidade, é, a esse respeito, o caminho mais direto que leva à percepção absoluta da realidade. São essas as quatro sabedorias da natureza búdica. É a verdadeira natureza inata que existe em todos os seres. E essa natureza inata é o ser real que Buda descobriu, e seus descendentes tentaram descobrir pessoalmente usando o mesmo método de Buda. É a meditação zazen. |