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A Roda da Vida e os 12 Nidanas ou Elos de Judith Simmer Brown Tradução e adaptação de Tenzin Namdrol Os 12 nidanas, ou elos representam uma parte de um artifício pedagógico criado pelo Buda para que seus discípulos aprofundassem a compreensão de origem interdependente. Segundo a tradição, o Buda desenvolveu a iconografia representando os 12 nidanas como sendo o arco exterior de uma roda de três aros concêntricos, cada qual representando uma dimensão detalhada do ensinamento do Buda sobre Causa e Efeito. A roda é conhecida como a Roda da Vida. Contemplando o seu simbolismo, o praticante pode vir a compreender as causas e os resultados dos pensamentos, das motivações e das ações, renunciando às que conduzem ao sofrimento e se voltando para as que conduzem ao despertar. No centro da roda giram três animais, cada um mordendo a cauda do precedente. Representam as três emoções tóxicas primárias a partir das quais surge o sofrimento: o galo representa a paixão; a cobra, a agressão, o porco a delusão. O segundo círculo está dividido em seis segmentos que mostram os estados mentais por que passam os seres, chamados os seis reinos. Vão desde os reinos gozosos da ignorância (e do orgulho NT) aos reinos da raiva e da guerra. Psicologicamente falando, estes reinos são padrões enrustidos de pensamento e emoções que experimentamos quando a mente é tomada de assalto por eles e se perpetuam por si mesmos. O círculo externo é uma representação em seqüência dos 12 nidanas, ou 12 elos interdependentes, considerados a chave para a compreensão do surgimento recorrente de causa e efeito no ciclo da existência. Os 12 elos da cadeia operam em permanência e de forma interdependente durante qualquer experiência, mas é através do seu aspecto seqüencial que o praticante tem uma visão profunda do ciclo recorrente do "vir-a-ser" fenomênico que ilustram. Vamos descrever os 12 elos para mais adiante examinar a interdependência da sua natureza.
O primeiro elo se chama avidya, ou ignorância, e se refere à ignorância primordial profundamente enrustida que conduz às nossas confusas percepções de mundo. Está representada por uma avó cega e trôpega, com um bastão na mão, descendo uma escarpa pedregosa. Está cega para os padrões recorrentes de comportamento, mas também para filhos e netos; contudo, trôpega, segue em frente. Sua cegueira não é necessariamente passiva, é a recusa obstinada de olhar para a dificuldade em ter de preservar a noção fixa num eu sólido e contínuo e o apego que tem à noção deste ego. Na visão búdica, este tipo de ignorância é o oposto da sabedoria. É a tendência da ignorância de se aglutinar em atividade e resultado, também bem enrustida em nós! Pode ser entendida como a velocidade dos padrões recorrentes. Está representada pelo oleiro na sua roda. O que se inicia como um bocado de barro (ignorância) está se fazendo e se refazendo constantemente sempre retomando formas. A inércia da roda do oleiro leva o barro a ser transformado em vaso, assim como as formações estão continuamente transformando nossa ignorância em forma. Os elos 1 e 2 são fenômenos passados, que preparam a cena para a atividade dos demais nidanas. São os precursores dos nossos sofrimentos neuróticos e operam no pano de fundo do nosso entorno, além da nossa conscientização imediata. Este elo começa a mostrar a forma específica criada pela ignorância e pela velocidade. Está representado por um macaco ágil que sobe uma trepadeira para colher um fruto suculento. A consciência é o aspecto reflexivo da experiência que reconhece e cria o sentido de continuidade. Pode ser observada como a mente que se empenha numa exploração auto referente e que atarefada trata de reunir os componentes do que denominamos ego. Confirmam a identidade pessoal com o acréscimo do nome e da forma. Iconograficamente falando, um barco com vários passageiros, conduzidos por um barqueiro. Os passageiros são emotivos e tagarelas, características da experiência humana transportada pela consciência. Associados à consciência completam o agregado que chamamos o indivíduo. Os seis sentidos, representados por uma casa com seis janelas. Agora que os rudimentos da identidade individual estão presentes, são criados as avenidas de relacionamento com o "outro" na forma dos cinco sentidos, aos que se somará o skanda mental. O ego se debruça sobre o seu mundo através da percepção numa tentativa de confirmar a sua existência. Neste ponto a percepção ainda não está agindo; mas os tentáculos já se estendem para estabelecer a relação. O próximo elo confirma o estabelecimento da percepção. O "outro" inclui qualquer fenômeno experimentado e conhecido em perpetuidade. O contacto é ilustrado por um casal que se abraça. Aqui as faculdades sensoriais e a mente estabelecem contacto com os objetos e dá início à relação. Assinala a resposta da relação que ficou estabelecida. Aqui a experiência do prazer ou da dor surge como uma centelha inicial. Representada como uma seta atingindo o olho, vemos como é forte o sentimento básico de qualquer sensação. Sentimos tão intensamente todos os aspectos da nossa relação com o mundo que tanto a confirmação quanto a falta de confirmação nos afeta. Esta intensidade nos faz bater em retirada e retomamos os nossos padrões recorrentes e dando azo ao surgimento de situações dolorosas. Segundo o Buda, dos elos 3 a 7 representam a solidificação do ego e suas tentativas de estabelecer novos territórios. Acontecem de forma tão rápida e interdependente que se torna difícil observar suas funções isoladas e, juntas, constroem o cenário para a etapa seguinte dos elos. Representado como um gordo se empanturrando com um refresco de leite e mel. Demonstra descaso, a tendência de agir sob o efeito das sensações expostas no elo precedente mesmo se a ação é, em última análise, destrutiva. Do ponto de vista budista, é considerado destrutivo reagir por impulso às nossas exigências autocentradas. Apesar disto, devoramos o refresco o que faz lembrar os hábitos da avó do primeiro elo. Expande a impulsividade do elo número oito numa forte emoção, e trata de um estado de desejo intensificado. Aqui o homem sobe a árvore carregada de fruta, come com voracidade e ainda colhe mais frutos para levar. O refresco foi apenas um tira gosto. A emoção atingiu o seu ponto alto e a indulgência é plena e visível. O apego não é apenas sensual, também é intelectual e estético; está enraizado no egocentrismo. Uma impulsividade crescente nos transporta para o nidana da existência. Aqui a emoção se expressa em ação, fazendo com que nossa tendência para a cegueira seja convertida em forma. Está representada como uma mulher grávida prestes a dar a luz, expressão do carma plenamente amaduro, conseqüência concreta e inevitável do desejo e do apego que, reforçando nossas tendências pretéritas, leva à fixação do ego e a perpetuação da dor. 11 e 12. Nascimento, Velhice e Morte (jati jaramarana) Os dois últimos nidanas resumem toda e dolorosa existência autocentrada. Onze, o nascimento está representado por uma mulher dando à luz e doze, velhice e morte. Nossas emoções e atividades presentes criam novas situações que amadurecem, reproduzem e morrem. A morte provoca grande incerteza e pânico diante da possibilidade de se perder o sentido de solidez que temos da existência. Este processo se refere ao ponto mais elevado e à morte de um estado emocional específico, como a luxúria, a cobiça e a raiva; o sentimento que nos proporciona uma relação pessoal ou a sustentação que nos proporciona qualquer meio de vida; a morte temporária de qualquer processo mental; etc. Qualquer que seja a magnitude da experiência, um certo nível de pânico e de medo caracteriza a nossa relação com estas mortes e a morte. 1 e 2 O terror da vivência da morte alimenta ainda um ciclo de confusão que nos leva de volta ao primeiro e segundo nidanas. A avó cega tateando e a velocidade e intensidade do oleiro fazendo girar a roda fornecem o fundo difuso que prolifera no ciclo do sofrimento. Desta forma, a inércia da cegueira, da autocomiseração e dos padrões repetitivos nos projetam e continuam a gerir nossas atividades de momento a momento desde um tempo sem começo. Certamente se manifestará no futuro a menos que se aja no sentido de se por um termo. Ao constatarmos a verdade sobre a existência cíclica, podemos começar a desenredar, de uma vez por todas, nossos padrões de hábitos repetitivos. As implicações Como desenredar nossos padrões a partir da representação dos 12 elos? Observamos que a neurose momentânea, expressa através dos elos 8, 9 e 10, não é um momento isolado de dor que passará. Observamos o momento que surge e os dois fatores que se encontram na sua origem:
Numa primeira abordagem, a noção pode parecer muito deprimente. A Roda da Vida representa a completa claustrofobia com que nos defrontamos quando compreendemos o momento atual e os padrões enrustidos partidos de um contexto mais amplo. Para o praticante de budismo, contudo, a claustrofobia tem um poderoso efeito poderoso. Quando reconhecemos que o momentâneo é um portentoso microcosmo da totalidade dos padrões de sofrimento, com certa brusquidão somos imobilizados neste preciso momento presente. Não podemos nos evadir, impossível racionalizar, não existem culpados. Fazemos uma pausa, sofremos intensamente e observamos as muitas causas e condições que invocaram o pesadelo. É neste momento que estabelecemos a ligação com a origem interdependente, como falamos anteriormente. Instantaneamente sentimos que somos enormemente livres. Todos os padrões giravam ao redor da negação da situação e, enquanto meditamos, aceitamos o que colocamos tanto empenho negando, raia então uma nova compreensão. A nova compreensão tem vários aspectos. Primeiro, constatamos que a identidade tão cuidadosamente defendida é desnecessária e supérflua. Não será mais preciso consolidar o ego. Resta observar a intensidade do que está ocorrendo e liberar estratégias e defesas. Não tendo um ego com que digladiar, estamos apenas aqui, testemunhando diretamente o que se passa. O prazer é prazer, a dor é dor, sentimos que a ameaça e a promessa estão fora de contexto. Segundo, esta lucidez com que acabamos de nos deparar é radiosa e vibrante. O fato de que é inevitável nos permite senti-la intensamente, sem lucubrações. O passado e o futuro deixam de ser realidades para nós; existe apenas o momento presente e no momento presente a mente está em repouso. Sentimos o estado desperto que nos é inerente, sem a cobertura de confusão causada pelas emoções a que estamos viciados há tanto tempo. É uma experiência conhecida de muitos e não apenas dos praticantes de budismo. Em momentos de crise temos vislumbres de clareza e lucidez. É apenas antes e depois destes momentos que retornam o medo, a confusão e a luta para nos restabelecer. O praticante compreende esta vivência como sendo o surgimento da verdadeira natureza da mente a cultiva este estado mental durante a meditação. Assim, crises e obstáculos são considerados presentes pelo praticante de budismo. Não que não sejam dolorosos, porque são, mas é que a dor é o mestre, uma forma de nos relembrar a capacidade fundamental que temos de aceitar a vida sem diluições. Não precisamos nos defender de quem somos e tais situações nos oferecem a oportunidade de viver com gratidão todas as experiências por que passamos e o cotidiano passa a ser uma aventura. Como diz Chogyan Trungpa (1978, p. 79) Se pudermos ir ao encontro do momento presente (tendrel) da coincidência presente tal como ela se apresenta, desenvolvemos enorme confiança. Começamos a ver que ninguém está manipulando a situação para nós, mas que podemos lidar com ela sozinhos. Desenvolvemos um sentido enorme de espaço, porque o futuro está completamente disponível. |