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O Caminho e a maneira de praticar

Namkhaï Norbu Rinpoche
Tradução para o português:
Maria Heleosina Ribeiro Pessôa


Não há nenhum conceito que possa definir a condição de "o que é"
Mas a visão contudo se manifesta: tudo é bom.

Diz-se que a prática do Dzogchen está "além do esforço", e realmente ninguém precisa criar, modificar, ou trocar nada, mas apenas encontrar a si mesmo na verdadeira condição de "o que é". Mas pode acontecer que uma frase, que tem a intenção de indicar um estado além dos conceitos, se torne ela mesma um outro conceito, da mesma forma que se você perguntar a uma pessoa seu nome e ela responde que não têm nenhum nome, você irá talvez, incorretamente, chamá-la de "nenhum nome".

Os próximos dois versos dos Seis Versos Vajra explicam o significado do caminho e a prática do Dzogchen. A expressão "o que é" (ji bzhin há) é usada grandemente nos textos antigos de Dzogchen, e é sinônimo de "não corrigido" (ma bcos pa) e outros termos que denotam o estado verdadeiro, inalterado, não modificado e não corrigido. Corrigir, modificar, etc são todas funções características de nossas mentes duais, e assim quando alguém se encontra no estado não corrigido significa estar além da mente. No Dzogchen isto é verdadeiro apenas no estágio final da prática, tal como em outras tradições, mas por outro lado, a pessoa deve tentar entrar no estado de conhecimento de "o que é" desde o início.

No tantrismo, a introdução à natureza original da mente é o último estágio da prática, após os estágios de desenvolvimento e de conclusão. Mas no Dzogchen esta condição é introduzida diretamente, não apenas no nível da mente, mas também nos níveis de voz e corpo, porque, para ser integrado com a contemplação, todos os aspectos de nossa existência precisam estar neste estado não corrigido.

No O Grande Espaço de Vajrasattva (rDorje sems dpa’ nam mkha’ che), num dos principais textos da Série da Natureza da Mente, está escrito que, "Corrigir a condição do corpo a fim de encontrar um estado de contemplação não é aplicado no Dzogchen. Controlar a posição do corpo de alguém e manter as costas eretas não é contemplação, mas podem, de fato, tornarem-se obstáculos à contemplação". Como resultado de tais afirmações algumas pessoas têm acusado o Dzogchen de negar o valor da meditação sentada, ou do controle da respiração e da postura do corpo, etc. Mas Dzogchen não nega nada, e quando se fala em deixar o corpo "não controlado", isto significa simplesmente deixar o corpo permanecer na condição autêntica, não corrigida, na qual não é necessário modificar ou melhorar nada. Isto porque, desde que todas as nossas tentativas de corrigir o corpo vêm da mente racional, elas são todas falsas e artificiais.

Na Série de Instruções Secretas, são explicadas quatro maneiras de continuar em contemplação, conhecidas como as quatro maneiras de "deixar exatamente como está". A primeira que se refere ao corpo, é dita "como uma montanha". Isto se refere a que, mesmo que uma montanha possa ser mais alta ou mais baixa, ou de diferentes formas, é alguma coisa que, contudo sempre permanecerá estável, e nunca muda de posição. Da mesma forma, ao longo de um mesmo dia assumimos diferentes posições de acordo com as circunstâncias variadas em que nos encontramos, e todas estas posições são igualmente adequadas à contemplação, sem a necessidade de altera-las. Se a posição em que me encontro é a deitada, no momento em que encontro a mim mesmo no estado de "o que é", então esta é a minha posição natural, exatamente como a posição imóvel de uma montanha. Não é necessário que eu me levante imediatamente, coloque minhas costas eretas, e cruze minhas pernas. O mesmo é verdadeiro se eu me encontro em contemplação no momento de beber uma xícara de café. Não é necessário que eu corra para o meu quarto, feche a porta, e sente em meditação. Todos os pontos acima são úteis no aprendizado de como integrar a contemplação à vida diária.

A fim de alguém ser capaz de realmente integrar sua prática à vida diária, umas poucas sessões de meditação sentada por dia não são suficientes, porque nós vivemos um dia de vinte e quatro horas e uma ou duas horas de prática não dará os resultados corretos. "Integrar", por outro lado, significa entender a condição de "o que é" em relação à própria vida, sem corrigi-la, de modo que cada circunstância da vida da pessoa se torna uma ocasião de prática.

Pode-se, então, perguntar, "Uma vez que no Dzogchen é ensinado que a pessoa não deve corrigir nada, isto significa que é inútil efetuar práticas de respiração, visualização, etc, que estão realmente baseadas em corrigir uma coisa ou outra?" Mas em Dzogchen "não corrigir" não significa nem negar nem combater qualquer método de prática. Contudo o praticante deve estar aberto e relaxado em relação aos vários métodos, e saber como usa-los, sem ser condicionado por eles.

Algumas vezes pode ser que uma grande importância seja dada a detalhes da posição do corpo de uma pessoa, de suas mãos, etc, e à cor e forma da divindade a ser visualizada, de tal forma que o verdadeiro significado do que a pessoa esta fazendo seja esquecido. Posição, respiração, e visualização, trabalhando com os três aspectos de corpo, voz e mente, são somente os meios para nos capacitarem a entrar no estado relaxado de contemplação. Existem milhares de métodos de prática, muitos dos quais podem parecer muito semelhantes entre si, assim se a pessoa apenas olha para o exterior, mais do que para o significado essencial, pode ficar perturbada por dúvidas e contradições. Mas todos esses problemas e conflitos surgem da mente, que é como uma pessoa limitada que é ajudada e auxiliada por cinco ou mesmo mais pessoas limitadas aos cinco sentidos. Entretanto quando alguém verdadeiramente conhece o estado de contemplação, além do esforço, e além de julgamento, também será capaz de ultrapassar estes problemas em relação aos métodos de prática.

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A prática do Dzogchen pode começar pela fixação em um objeto, a fim de acalmar os pensamentos da pessoa. Então ela relaxa a fixação, dissolvendo a dependência do objeto, e fixa o olhar no espaço aberto. Então, quando ela consegue tornar o estado calmo estável, é importante trabalhar com o movimento dos seus pensamentos e energia da pessoa, integrando este movimento com a presença da contemplação. Neste ponto a pessoa está pronta para aplicar a contemplação ao seu cotidiano. O sistema de prática descrito é característico das Séries da Natureza da Mente, mas isto não quer dizer que no Dzogchen o indivíduo precisa necessariamente começar com fixação e meditação em um estado calmo. Nas Séries de Espaço Primordial, e nas Séries de Instruções Secretas, por exemplo, a pessoa entra diretamente na prática da contemplação. Particularmente no primeiro, existem instruções muito precisas de como encontrar o estado puro de contemplação. No último, por outro lado, as explicações concernem principalmente a como a pessoa continua em contemplação em todas as circunstâncias.

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No Dzogchen não é necessário transformar a visão impura em visão pura, trabalhando com a imaginação da pessoa. Todas as visões de alguém são uma qualidade inerente à claridade natural do próprio indivíduo. Se nós vemos uma casa feita de pedra, e nós tentamos imagina-la transformada em uma dimensão de luz, nós estamos apenas brincando com nossas mentes, porque a casa é como ela é, mesmo se ela for uma parte de nossa visão cármica, é verdadeiramente uma manifestação de nossa própria claridade. Então por que deveríamos bloqueá-la, ou transforma-la? Problemas surgem somente quando entramos em julgamento se a casa é bonita ou feia, pequena ou grande, etc. Então, com nossas mentes racionais, é muito fácil entrar em ação e produzir carma.

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É importante manter a presença na contemplação, sem corrigir o corpo, a voz, ou a mente. O indivíduo precisa encontrar-se numa condição relaxada, mas os sentidos precisam estar presentes e alertas, porque eles são as portas para a claridade. A pessoa relaxa sem esforço nenhum, abandonando toda tensão com respeito à posição do corpo, respiração, e pensamentos, apenas mantendo uma presença vívida.

Quando alguém começa a praticar, pode parecer que a confusão de seus pensamentos está aumentando, mas isto é na verdade devido ao relaxamento da mente. De fato, este movimento de pensamentos sempre existiu; é que apenas agora a pessoa está consciente deles, porque a mente ficou mais clara, da mesma maneira que, enquanto o mar estiver agitado, não se pode ver seu fundo, mas quando ele se acalma pode-se ver o que está lá embaixo.

Quando nos tornamos conscientes do movimento de nossos pensamentos, precisamos aprender a integra-los com presença, sem segui-los ou deixar-nos distrair por eles. O que queremos dizer com "deixar-nos distrair"? Se eu vejo uma pessoa e tomo uma antipatia imediata por ela, isto significa que eu permiti a eu mesmo ser pego num julgamento mental; isto é, eu me distrai. Se eu mantiver a presença, por outro lado, por que eu deveria tomar antipatia por alguém que eu vejo? Aquela pessoa também é realmente parte de minha própria claridade. Se eu realmente entender isto, todas as minhas tensões e conflitos se dissolverão, e tudo se estabilizará num estado de completo relaxamento.

Existem dois defeitos principais freqüentemente encontrados na prática, e eles são a sonolência e a agitação. Algumas vezes, por exemplo, quando nós estamos engajados na prática nós tanto ficamos sonolentos, como nós nos achamos tão agitados que nossos pensamentos não nos dão paz por nem um momento, e parece impossível encontrar um estado calmo. Existem práticas, que a pessoa pode aplicar como antídoto para esses problemas, mas se nós soubermos como relaxar em nós mesmos podemos ultrapassar estas dificuldades naturalmente sem tal esforço.

Uma pessoa que está começando a praticar geralmente prefere retirar-se para um lugar ermo, porque ela precisa encontrar um estado de calma e equilíbrio mental. Mas quando alguém começa a ter verdadeira experiência de estado de contemplação ela necessita integrá-la às atividades diárias de caminhar, conversar, comer, etc. Um praticante Dzogchen nunca necessita se afastar da sociedade e retirar-se para meditar no topo de uma montanha. Isto é especialmente impróprio na nossa sociedade moderna, na qual todos temos que trabalhar para comer e viver normalmente. Se nós soubermos como integrar nossa contemplação à nossa vida diária, entretanto, manifestaremos progresso em nossa prática do mesmo modo.




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