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de Tenzin Gyatzo (XlV Dalai Lama), texto do livro
"A prática da benevolência e da compaixão".

GOSTARIA DE FALAR A VOCÊS ESTA NOITE SOBRE A IMPORTÂNCIA da benevolência e da compaixão. Quando falo sobre isso, não me vejo como um budista, nem como o Dalai Lama, e nem como tibetano, mas como um ser humano. E espero que vocês na platéia pensem em si próprios, neste momento, como seres humanos e não como americanos, ou ocidentais, ou membros de qualquer grupo em particular. Essas coisas são secundárias. Se, do meu lado e do lado dos ouvintes, interagirmos como seres humanos, poderemos atingir esse nível básico. Se eu disser sou um monge", ou "sou um budista isto significa algo temporário em comparação com a minha natureza como ser humano. Existir como ser humano é básico. Uma vez que se nasce como ser humano, isto não pode ser mudado até a morte. Outros pontos, como se você é culto ou ignorante, rico ou pobre, são secundários.

Atualmente, enfrentamos vários problemas. Alguns são criados essencialmente por nós mesmos, com base em divisões quanto à ideologia, religião, raça, posição econômica e outros fatores. Portanto, chegou o momento de pensarmos num nível mais profundo, no nível humano, e a partir dele deveremos apreciar e respeitar a similitude dos outros como seres humanos. Devemos construir relações mais íntimas de confiança, compreensão, respeito e ajuda mútuos, independentemente das diferenças de cultura, filosofia, religião ou fé.

Afinal, todos os seres humanos são feitos de carne, ossos e sangue. Todos nós desejamos a felicidade e desejamos evitar o sofrimento. Além disso, temos o mesmo direito de sermos felizes. Em outras palavras, é importante compreendermos a nossa igualdade como seres humanos. Pertencemos todos a uma família humana. O fato de discutirmos uns com os outros se deve a razões secundárias, e todas essas discussões, enganos e repressão entre nós não têm utilidade.

Infelizmente, por vários séculos, os seres humanos têm usado todos os tipos de métodos para se reprimirem e se prejudicarem. Foram praticados inúmeros atos terríveis. Isso tem significado mais problemas, mais sofrimento e mais desconfiança, que resultam em mais sentimentos de ódio e mais separações.

Hoje o mundo está ficando cada vez menor. Do ponto de vista econômico, e sob vários aspectos, as diferentes áreas do mundo estão se tornando mais próximas e permanentemente interdependentes. Por isso, acontecem os encontros freqüentes de cúpulas internacionais; os problemas em lugares longínquos estão ligados à crise global. Esta situação expressa o fato de que é hora, de que é necessário, pensar mais sob a perspectiva humana do que se basear em assuntos que nos dividem. Portanto, falo a vocês como um simples ser humano, e espero com seriedade que estejam me ouvindo com o pensamento de que "eu sou um ser humano e estou aqui ouvindo outro ser humano".

Todos nós desejamos a felicidade. Nas cidades, nas fazendas, até em lugares distantes as pessoas estão ocupadas e ativas. Qual é o principal propósito dessa atividade? Todas estão tentando criar a felicidade. Isso é certo. Contudo, é muito importante seguir um método correto na busca da felicidade. Devemos manter em mente que um grande envolvimento de natureza superficial não resolverá os problemas maiores.

Existem à nossa volta muitas crises, muitos medos. Por meio da ciência e da tecnologia altamente desenvolvidas, atingimos um nível avançado de progresso material que tanto é útil como necessário. Porém, se vocês compararem o progresso externo com o nosso progresso interno, ficará bem claro que o nosso progresso interno é inadequado. Em vários países, as crises — assassinatos, guerras e terrorismo — são crônicas. As pessoas se queixam do declínio da moralidade e do aumento da atividade criminosa. Embora nos assuntos externos sejamos altamente avançados e continuemos a progredir, ao mesmo tempo, é igualmente importante nos desenvolvermos e progredirmos em termos do crescimento interior.

Antigamente, quando havia guerra, o efeito — a extensão da destruição — era limitado. Contudo, hoje, em virtude do progresso material, o potencial da destruição está além do que pode ser imaginado. No ano passado, visitei Hiroshima. Embora soubesse alguma coisa sobre a explosão nuclear que aconteceu, foi muito diferente visitar fisicamente o local, vê-lo com os meus próprios olhos e encontrar pessoas que realmente passaram por aquele momento. Fiquei profundamente sensibilizado. Usaram uma arma terrível. Embora possamos ver alguém como inimigo, em um nível mais profundo, um inimigo também é um ser humano, que também deseja a felicidade e que tem o direito de ser feliz. Olhando para Hiroshima e pensando sobre isso, naquele momento me convenci ainda mais de que a raiva e o ódio não conseguem resolver os problemas.

A raiva não pode ser dominada pela raiva. Se uma pessoa demonstra raiva por você e você responde com raiva o resultado é desastroso. Em comparação, se você controla a sua raiva e mostra atitudes opostas — compaixão, tolerância e paciência—, então não somente você permanecerá em paz, como a raiva do outro diminuirá gradualmente.

Os problemas do mundo, similarmente, não podem ser desafiados pela raiva ou pelo ódio. Eles devem ser encarados com compaixão, amor e verdadeira benevolência. Vejam as armas terríveis que existem. O botão que as aciona está sob um dedo humano, que é movido pelo pensamento e não por poder próprio. A responsabilidade está no pensamento.

Se observarmos essas coisas com profundidade, o plano está no interior — dentro da mente, da qual surgem as ações. Portanto, o controle da mente é muito importante. Não estou me referindo aqui ao controle da mente no sentido da meditação profunda, mas simplesmente de se cultivar menos raiva e mais respeito pelos direitos dos outros, mais preocupação com as outras pessoas, mais clareza de consciência sobre a nossa similitude como seres humanos. Considerem a visão ocidental do bloco oriental — por exemplo, a União Soviética. Vocês devem ver a União Soviética como irmãos e irmãs; as pessoas da Rússia são as mesmas que vocês. Os russos também deveriam olhar para este lado como irmãos e irmãs. Essa atitude pode não resolver os problemas de imediato, mas temos que fazer uma tentativa. Temos que começar a promover essa compreensão através de revistas e da televisão. Em vez de fazermos propaganda apenas para ganharmos dinheiro, precisamos usar a mídia para algo mais significativo, algo seriamente dirigido para o bem-estar da humanidade. Não somente o dinheiro. O dinheiro é necessário, mas o propósito verdadeiro dele é o ser humano. Algumas vezes, perdemos o interesse pelo lado humano e ficamos preocupados somente com o dinheiro. Isso é não sensato.

Afinal, todos nós desejamos a felicidade, e ninguém discordará do fato de que com raiva a paz é impossível. Com benevolência e amor, a paz mental pode ser atingida. Ninguém deseja a raiva, ninguém deseja a inquietação mental, embora elas ocorram por causa da ignorância. As más atitudes, como a depressão, surgem do poder da ignorância, e não por vontade própria.

Pela raiva perdemos uma das melhores qualidades humanas — o poder do julgamento. Possuímos um bom cérebro, que os outros mamíferos não têm, que nos permite julgar o que é certo e o que é errado não somente em termos das preocupações atuais, mas considerando dez, vinte ou até cem anos no futuro. Sem qualquer cognição prévia, podemos utilizar o nosso senso comum para determinar se algo é um método certo ou errado; podemos decidir que se agirmos assim ou assado, isso terá tais e tais efeitos. Contudo, se a nossa mente estiver ocupada pela raiva, perderemos este poder de julgamento, o que é muito triste. Fisicamente você é um ser humano, mas mentalmente você é incompleto. Como temos esta forma física humana, devemos salvaguardar a nossa capacidade mental de julgamento. Para isso, não podemos sacar o prêmio do seguro; a companhia de seguros é interior: a autodisciplina, a consciência pessoal e uma compreensão clara das desvantagens da raiva e dos efeitos positivos da benevolência. Pensando sobre isso várias e várias vezes, poderemos nos convencer, e, então, com a autoconscientização controlaremos a mente.

Por exemplo, no momento você pode ser uma pessoa que se irrita com facilidade e rapidamente pelas pequenas coisas. Com a conscientização e uma compreensão clara, isto pode ser controlado. Se você costuma ficar zangado por dez minutos, tente reduzir para oito. Na semana seguinte, passe para cinco e no próximo mês, para dois. Depois chegue ao zero. E assim que desenvolvemos e treinamos as nossas mentes,

Isso é o que eu sinto e é também o tipo de prática que realizo. E claro que todos precisamos de paz mental. A questão então é como consegui-la. Através da raiva, não; mas através da benevolência, através do amor, através da compaixão, podemos atingir a paz mental individual. O resultado disso é uma família em paz — a felicidade entre pais e filhos, menos discussões entre marido e esposa, nenhuma preocupação quanto ao divórcio. Estendida ao âmbito nacional, essa atitude pode trazer união, harmonia e cooperação com uma motivação genuína. No nível internacional, precisamos de confiança mútua, respeito mútuo, discussão franca e amigável com motivação sincera e esforço conjunto para resolver os problemas do mundo. Tudo isso é possível.

Mas primeiro temos que resolver os problemas internos. Os nossos líderes nacionais tentam da melhor forma possível solucionar os nossos problemas, mas quando um deles é equacionado, logo surge outro; ao tentar resolver este, novamente aparece outro em algum lugar. É chegado o momento de tentar uma solução diferente. Naturalmente, é muito difícil conseguir um movimento pela paz mental em escala mundial, mas é a única alternativa. Se houvesse outro método mais fácil e mais prático, seria melhor, mas não existe. Se pelas armas atingíssemos uma paz verdadeira e duradoura, tudo bem. Que todas as fábricas fossem fábricas de armas. Que gastássemos todos os dólares para isso

— se atingíssemos uma paz duradoura definitiva. Mas isso é impossível.

As armas não permanecem estocadas. Uma vez que uma delas é produzida, mais cedo ou mais tarde, alguém a utilizará. Alguém pode achar que se não a usar, milhões de dólares serão desperdiçados, por isso de alguma maneira ela deverá ser utilizada — e então solta uma bomba para testá-la. O resultado é a mortandade de gente inocente.

Portanto, embora seja difícil tentar conseguir a paz através da transformação interna, este é o único caminho para alcançar a paz mundial duradoura, Mesmo que ela não seja atingida durante a minha vida, não tem importância. Outros seres humanos chegarão aqui, a próxima geração e a seguinte, e o progresso poderá continuar. Sinto que apesar das dificuldades práticas e da impressão de que isso é considerado uma visão não-realista, vale a pena fazer uma tentativa. Portanto, aonde vou falo sobre ela. Sinto-me encorajado porque pessoas de diferentes profissões e classes sociais geralmente a recebem bem.

Cada um de nós tem responsabilidade por toda a humanidade. É o momento de pensarmos nas outras pessoas como verdadeiros irmãos e irmãs e de nos preocuparmos com o bem-estar deles, com menos sofrimento. Mesmo que vocês não possam sacrificar inteiramente o que é de seu próprio benefício, não devem se esquecer dos problemas dos outros. Precisamos pensar mais sobre o futuro e no que pode beneficiar toda a humanidade.

E mais, se vocês tentarem subjugar os seus propósitos egoístas — raiva e outros — e desenvolverem mais benevolência e compaixão pelas pessoas, no final vocês mesmos se beneficiarão mais do que se tivessem adotado um comportamento diferente. Por isso, algumas vezes, digo que a pessoa egoísta sábia deveria agir dessa forma. As pessoas egoístas e tolas estão sempre pensando em si mesmas, e o resultado é negativo. As pessoas egoístas e sábias pensam nos outros, ajudam os outros tanto quanto podem, e o resultado é que elas também recebem os benefícios.

Esta é a minha simples religião. Não há necessidade de templos, nem necessidade de uma filosofia complicada. O nosso próprio cérebro, o nosso próprio coração, é o nosso templo; a filosofia é a benevolência.


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