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Transcendendo A Injustiça: A História de Quan Am Thi Kinh1 Ensinamentos do Mestre Thich Nhat Hanh Retiro em Lower Hamlet 28 de julho, 1996 Transcrito e editado por Carol Fegan, Chan An Cu Revisado por Brendan Sillifant Traduzido ao Português por Claudio Miklos Queridos Amigos, Estas transcrições das palestras de dharma são ensinamentos dados pelo Venerável Thich Nhat Hanh em Plum Village ou em vários retiros ao redor do mundo. Os ensinamentos atravessam todas as áreas de reflexão para os praticantes, desde o lidar com emoções difíceis, até o perceber a natureza da integração do ser em nós mesmos e em todas as coisas, e muito mais. Este projeto age por 'Dana', generosidade, assim estas conversas estão disponíveis a todos. Vocês podem repassar e redistribuir por e-mail, e também podem imprimi-los e os distribuir para os companheiros de seu Sangha. O propósito disto é fazer os ensinamentos de Thay disponíveis para as muitas pessoas que gostariam de recebê-los o mais possível. A única coisa que nós pedimos é que vocês os distribuam como são, por favor não distribuam ou os reproduzam em forma alterada ou os editem de qualquer forma. Se vocês quiserem apoiar a transcrição destas conversas de Dharma ou desejarem contribuir com os trabalhos da Igreja budista Unificada, enviem suas contribuições para: Transcription Project Plum Village - Lower Hamlet Meyrac, Loubes-Bernac, 47120 FRANCE Site do Templo: http://plumvillage.org/ Palestra de Dharma dada por Thich Nhat Hanh 28 de julho de 1996 em Plum Village, França. Bom dia Queridos Amigos, Hoje é 28 de julho, 1996, nós estamos no Lower Hamlet e vamos falar em inglês. Era uma vez uma menina cujo nome era Kinh que nasceu no Vietnã do Norte há muito, muito tempo atrás. Os pais dela teriam preferido um menino, mas uma menina nasceu, contudo eles ainda estavam contentes e a chamaram Kinh. Kinh quer dizer "respeito, reverência". Esse é mesmo um bom nome. Você respeita pessoas, você respeita animais, você respeita a vida incluindo as plantas e os minerais. Reverência. Reverencia à vida, aquela que está dentro de vocês e ao seu redor. Kinh era uma criança muito bonita. Ainda pequena ela já era muito bonita, como uma flor. Kinh costumava ir ao templo budista da aldeia com a sua mãe para oferecer flores de lótus ao Buddha e escutar as palestras de Dharma dadas pelo monge superior. Ela amava o Dharma. Havia uma intenção muito forte nela de se tornar algo como uma monja, porque ela viu os monges vivendo suas vidas muito felizmente e ajudando tantas pessoas. Ela desejou que pudesse se tornar uma monja, porque praticar, viver no templo - tudo - parecia ser muito bonito e tranqüilo. Ela amava a maneira dos monges, indo e vindo de um lado para outro com gentileza, tocando tudo com reverência. Ela simplesmente adorava o Dharma, embora fosse ainda muito pequena. Ela perguntou sobre a possibilidade de tornar-se uma monja, e eles disseram não, não para meninas. Devido o Budismo ter sido introduzido há pouco no Vietnam, haviam apenas monastérios para monges; talvez houvesse um ou dois templos para monjas, mas eram muito raros. Por aquele tempo, não havia nenhum avião, não havia nenhum ônibus, assim ela não podia imaginar que pudesse viajar para longe. Ela não estava contente com a idéia de que nunca pudesse se tornar uma monja por ser uma menina. Um tipo de frustração estava nela - ela acreditava que também como menina a pessoa pudesse praticar como um monge e poderia viver o Dharma alegremente como um monge. Ela cresceu como uma menina bonita e seus pais quiseram casá-la com alguém no bairro. Antigamente, casamentos eram organizados pelos pais, e você devia os obedecer porque eles tinham a sabedoria, sabiam o que era bom para você. O desejo mais profundo de seus pais era ver sua filha se casando com um homem jovem e com um futuro brilhante. Uma manhã eles receberam uma carta dos pais de um homem jovem, perguntando se podiam casar sua filha com o filho deles. O nome do homem jovem era Sung Tin - o "estudioso da bondade," o "estudante da bondade". Eu não sei quão bom ele era, quão luminoso como ser humano ele era, mas parecia que tinha nascido em uma família de tradição excelente, uma família nobre. Ele parecia ter um futuro luminoso, porque era um bom estudante, poderia passar no exame e poderia se tornar um funcionário alto no governo. O sonho de todos os estudantes no passado era passar no exame superior e ser selecionado pelo rei para ser um ministro, chefe de província, e assim por diante. Kinh teve que os obedecer e se tornar a esposa de Sung Tin, embora o amor dela, seu desejo mais profundo, era se tornar uma monja. Não havia nenhum modo; [aquela época] não era como agora. Em nosso tempo, se uma jovem quer se tornar uma monja, ela pode apanhar o telefone e inquirir sobre a existência de mosteiros. Mas naquela época Kinh não tinha qualquer oportunidade de fazer isso. Assim ela enterrou seu desejo bem fundo e teve que obedecer seus pais, se casando com aquele jovem, Sung Tin. Claro que a jovem esposa teve que apoiar seu marido nos estudos. Nutrir o marido, apoiar o marido de forma que ele pudesse ter sucesso nos estudos era a tarefa principal de uma jovem esposa daquele tempo. A família de Sung Tin era rica, assim Kinh não teve que trabalhar muito duro para apoiar seu marido. Porém, havia muitas esposas jovens que tiveram que vender arroz em um mercado ou carregar arroz no calor do verão para ganhar bastante dinheiro para apoiar seus maridos nos estudos. Este não era o caso de Kinh porque a família por parte de esposo era muito rica. Assim ela apenas cuidava do serviço doméstico, limpava, cozinhava, costurava suas roupas, e assim por diante. Kinh foi treinada muito cuidadosamente como uma dona-de-casa pelos seus pais. Um dia, enquanto estava remendando algum pano, o seu marido, Sung Tin, que estava estudando ao lado dela, dormiu. Estudantes querem estudar o máximo possível, eles querem se encher com muitos livros e tanto conhecimento quanto possível. Assim ele estava tentando fazer a mesma coisa. Ele estudou dia e noite e naquele dia, lendo um livro perto de sua esposa, dormiu. Quando Kinh olhou para Sung Tin, ela viu que alguns fios de bigode não estavam uniformemente cortados. Assim, por amor e preocupação ela usou um par de tesouras e tentou aparar esses três ou quatro fios. Mas de repente seu marido despertou. E naquele estado sonolento, ele pensou que ela estava tentando matá-lo! Assim ele gritou, e gritou. Ele gritou. Eu não sei quão profundo o amor deles era, o quanto eles entendiam um ao outro, mas isto é o que aconteceu. Assim os pais dele vieram e perguntaram, "Por que você está gritando tanto?" Ele disse, "Bem, eu estava cochilando. Quando eu despertei, a vi usar um par de tesouras esta forma. Eu não sei." Os pais disseram, "Às vezes acontece que esposas infiéis tentem matar seus maridos, porque está em sua mente outros desejos, outros homens. Assim nós não a queremos mais como nora. Gostaríamos de mandá-la de volta para sua casa ". Kinh tentou explicar, mas os pais não quiseram aceitar. Quando eu pratiquei olhando profundamente nisto, vi que a causa dela ser dispensada como nora não era nenhuma suspeita, mas ciúme. Desde o tempo que o jovem casou ele gastou todo seu tempo com a esposa, e os pais sentiam que eles tinham perdido o filho. Esta nova mulher que veio para a casa deles monopolizou-lhes o filho completamente, assim eles agiram sob este tipo de ciúme sem sequer perceber. Então eles escreveram uma carta aos pais dela e lhes pediram vir e a levar de volta. Imagine como era grande o sofrimento vivido por aquela família. Para eles sua filha era perfeita, sua filha era muito verdadeira, muito fiel. Era um tipo de injustiça. E essa foi a primeira injustiça que Kinh teve que sofrer, agüentar, aceitar. Assim eles a trouxeram para casa. Seus pais acreditaram que ela não teve a intenção de matar o marido. Era apenas um infortúnio, e os três sofreram. [Sino] Mas Kinh tinha aprendido algo da vida conjugal. Ela viu que as pessoas estão cheias de percepções erradas. Até mesmo naquela família rica, eles se faziam sofrer muito. O amor que ela sentia naquela família não era bastante para a fazer feliz, fazê-la florescer como uma flor. Aquele tipo de amor, aquele tipo de vida, não satisfez sua necessidade mais profunda. Assim a idéia de tornar-se uma monja ressurgiu de repente. Ela passou muitas noites pensando em como se tornar um monge para praticar em um templo budista, de forma que pudesse abraçar o Dharma completamente e dedicar sua vida à prática do Dharma. Uma noite ela decidiu que se disfarçaria como um jovem e tentaria ser aceita por um monastério. Ela não pensou em ir para um templo perto da sua família, porque as pessoas a reconheceriam e seus pais não lhe permitiriam ir. Ela decidiu ir para longe porque haviam templos em todos os lugares. Ela teve que caminhar algo como cem milhas para ir longe o bastante para que nem mesmo seus pais saberiam onde estaria. E ela não falou para as suas amigas que queria se tornar monge. Porque se ela o fizesse, seus pais iriam procurar por ela nos templos e logo a descubririam. Ela manteve seu desejo muito secreto. Um dia ela simplesmente desapareceu com alguns pertences e deixou para trás uma carta que dizia, "Querida Mãe, querido Pai, existe algo que amo muito e que desejo realizar. Então por favor me perdoem por não poder ficar em casa para cuidar de vocês, porque este desejo em mim é muito grande." Vocês sabem que este desejo é Bodhicitta - o desejo de praticar o Dharma e trazer felicidade para muitas pessoas, porque as pessoas sofrem em todos lugares e encontram-se presas em suas percepções erradas; elas fazem injustiças diariamente uma às outras. Ela não queria repetir aquele tipo de vida novamente, ela queria se tornar um monge. Assim depois de ter caminhado mais de cem milhas, achou um templo - um templo nomeado Phap Van, Nuvem do Dharma, não muito longe de Hanoi. Quando ela veio ao templo disfarçada como jovem, como um estudante, pediu para ver o abade. Ela assistiu à palestra do Dharma e ficou tão comovida que esperou até que todas as pessoas fossem para casa, aproximou-se do monge, e pediu para ser ordenada como um monge noviço. O monge lhe pediu que se sentasse e disse, "Jovem, por que você quer se tornar um monge?" E ela disse, "Querido professor, eu vi que tudo é impermanente, que nada pode durar para sempre. Tudo é como um sonho, tudo é como um clarão de raio. Quando olhei uma nuvem no céu, primeiro vi a nuvem com a forma de um cachorro, e num instante a forma de cachorro foi transformada. Eu via a nuvem agora na forma de uma camisa. Todo o mundo está tentando adquirir fama, lucro e dinheiro no mundo e eles não parecem estar realmente contentes. Eu quero ter a verdadeira felicidade, e acredito que só no Dharma poderei encontrar paz e felicidade." Depois de ter dito isso, permaneceu quieta e o monge a felicitou, "Jovem, você entendeu o ensinamento da impermanência e eu espero que você tenha sucesso na prática como um monge." Assim ele lhe permitiu ficar no templo, e três meses depois ela foi ordenada como um monge noviço. Seu nome de Dharma era Kinh Tam. Ele manteve o nome Kinh, "reverência," e a ele somou o nome Tam "coração". Reverência do Coração ou O Coração de Reverência. Meus estudantes todos usam o nome de Dharma "coração." "Fonte do coração," "Porta do coração," tudo é "do coração". Assim eles compartilham algo do nome do noviço. Kinh Tam praticou muito bem, com muito afinco. Ela era muito inteligente. Ela estudou, aprendeu os sutras muito depressa e desfrutou muito a vida de um jovem monge. O seu professor a amou muito e sempre acreditou que ela fosse um jovem. O jovem noviço era muito bonito. Embora estivesse disfarçada como um jovem, embora não usasse qualquer coisa - ouro ou perfume e coisas assim - ela ainda ficava muito bonita como um jovem "monge", e isso criou um perigo para ela. Porque na aldeia abaixo havia uma filha da família mais rica, que vinha ao templo todas as quinzenas para oferecer incenso, flores, e assim por diante, com sua mãe. A primeira vez em que ela viu o jovem monge, se apaixonou imediatamente por ele. Eu não penso que fosse por causa de seu rosto; sua face era bonita, sim. Mas havia algo mais que a aparência de um homem jovem. O jovem monge praticou a consciência muito bem - nós temos que a chamar "ele" - praticou o caminhar conscientemente, beber conscientemente, fazendo tudo conscientemente. E por isso ele parecia muito bonito. Porque as pessoas na sociedade não são bonitas assim; elas sempre têm pressa, elas só correm, elas só fazem as coisas depressa, elas não têm aquela liberdade, aquele relaxamento, aquele tipo de paz que é expressa pelo modo como você olha, pelo modo como você faz as coisas, pelo modo como você se senta, pelo modo como você caminha. E é por isso que a jovem dama se apaixonou imediatamente pelo jovem monge. O nome dela era Mau. Mau quer dizer "cor." Que cor, eu não sei. Eu não a culpo. Eu não a culpo porque o monge era [realmente] muito bonito. Vocês podem chamá-lo de "belo," mas ele era mais que belo, ele era bonito porque tinha paz dentro de si. Assim se uma dama se apaixona por um monge, isso não é algo extraordinário, isso acontece. Eu me lembro que há tempos um homem veio a Plum Village e perguntou para a Monja Jina, "Você é uma moça bonita, por que se tornou uma monja? Isso é uma pena, é uma perda." Depois de um pouco de silêncio a Monja Jina disse, "Se você me vê como bonita, é porque eu me tornei uma monja. Se eu não tivesse me tornado uma monja, não seria tão agradável, tão bela quanto você pode ver." Isso é verdade, quando você se torna monge ou uma monja, fica muito mais bonito. Você se adorna com paz, com consciência, com a prática do Dharma, e eis por que você emana aquele tipo de beleza que é raro na sociedade. Assim eu realmente não culpo Mau de nada. Se eu fosse Mau, também me apaixonaria pelo jovem noviço. Ela tentou falar com ele, tentando achar oportunidades para estar só com o jovem monge, Kinh Tam. Mas Kinh Tam sempre parecia a evitar; era muito frustrante. Às vezes ela tentava adivinhar com antecedência aonde o monge iria, e corria para esperar por ele, mas quando ele a via, virava e caminhava em outra direção. Ela tentou várias vezes expressar seu amor para com o jovem monge, mas ele estava muito determinado em continuar praticando como um monge. Ela ficou muito frustrada. Ela não sabia como transformar seu amor. Ela não entendia o Dharma. Ela só praticava o Budismo de uma forma muito superficial - ir ao templo, oferecer muitas bananas, arroz doce e flores e fazer muitas prostrações. Ela não soube como praticar de modo a cuidar de seu desejo, sua raiva, e assim por diante. Quando você vai para o templo, tem que aprender o Dharma. Você tem que se transformar na prática do Dharma e não agir como Mau. A paixão dela por ele era profunda, e ela ficou profundamente frustrada. Foi por isso que, um dia, quando seus pais não estavam em casa, ela chamou no seu quarto um jovem que trabalhava como criado, assistente, na família. Ele cuidava do jardim e do serviço doméstico, e durante uma noite - eu penso que era uma noite de lua cheia - ela não pôde agüentar mais sua paixão. Assim ela o chamou e lhe permitiu para fazer sexo com ela, e durante o ato ela imaginou o jovem como sendo o noviço. Está dito muito claramente na história que naquele estado de ser meio desperto, ela imaginou o homem jovem como o bonito noviço. O acidente aconteceu. E alguns meses depois, soube que estava grávida. Ela tentou esconder isto de seu pai e sua mãe, mas a gravidez ficou mais e mais aparente. Os pais perguntaram, "Por que você está assim minha filha? Você não quer comer qualquer coisa, se recusa a comer arroz, só come coisas muito azedas." Ela disse, "Não, estou perfeitamente bem, meus pais. Eu apenas não me muito sinto bem em meu corpo, eis tudo. Talvez meu sangue precise de purificação." Mas em poucos dias, ela foi chamada pelo conselho da aldeia junto com seus pais, porque na aldeia tinham notado que a moça jovem sem marido tinha ficado grávida. Eles montaram um tipo de tribunal e lhe pediram que lhes falasse com quem ela tinha dormido para ficar nesta condição de grávida. Assim ela pensou por muito tempo: "O homem jovem já foi expulso [por mim]. Até mesmo se eu contar a verdade, as pessoas não me acreditariam. O chefe da aldeia disse que eu deveria lhes contar a verdade, e se eu nomeio o jovem, eu terei a oportunidade de o ter como marido oficial. Por que eu não lhes falo que o homem que dormiu comigo foi o noviço Kinh Tam que está praticando no templo Phap Van?" Assim ela disse aos "Respeitados anciãos, fui ao templo e me apaixonei pelo jovem noviço Kinh Tam. E nós não pudemos agüentar ver nosso amor não ser cumprido, por isso cometemos o engano. Por favor, nos perdoe." O chefe da aldeia enviou alguém para convocar a família do templo: o monge, o noviço, e algumas outras pessoas do templo. Quando Kinh Tam chegou, lhe foi dito que Mau tinha declarado que "ele" tinha dormido com ela e tinha a feito ficar grávida, e o cabeça do conselho disse, "Kinh Tam, jovem noviço, você já decidiu se tornar um monge, por que não praticou os preceitos? Você dormiu com uma mulher jovem na aldeia. O que tem você a dizer?" E o jovem monge disse, "Não, eu pratiquei meu preceito. Eu nunca dormi com qualquer um na aldeia. Por favor reconsidere. Esta é uma injustiça. Por favor entenda. Por favor tenha compaixão. Eu não fiz nada disso." Mas quando o cabeça da aldeia dirigiu-se à Mau, ela continuou confirmando que foi o jovem monge que tinha dormido com ela e a tinha engravidado. E o jovem noviço negou firmemente. "Não, como um monge eu pratico meus preceitos profundamente. Eu nunca fiz isso. O Buddha, o Dharma, e o Sangha são testemunhas da minha honestidade." Finalmente, eles tiveram que usar chicotes. "Você tem que falar a verdade, caso contrário será açoitado trinta vezes com um chicote. Você tem que confessar que dormiu com Mau." Então eles a amarraram em um pilar e ordenaram que ela fosse açoitada trinta vezes pelo chicote. Este era o tipo de castigo usado no passado. O açoite era muito, muito forte e o sangue começou a penetrar, a aparecer na roupa do jovem monge. Mas "ele" não cedeu. "Ele" disse, "Não, eu sou inocente, por favor reconsidere." E depois que Mau viu aquilo, disse, "Por favor, trinta chicotadas são o bastante." Ela sentia piedade pelo noviço. Porque ela era filha de uma rica família, o pedido dela teve um pouco de peso. Assim eles permitiram ao noviço ir para casa. Quando eles regressaram ao templo, outras pessoas quiseram cuidar do noviço mas ele disse, "Não, eu cuidarei de mim mesmo. Eu posso fazer as bandagens, eu cuidarei das feridas em meu corpo," porque ela não quis que outros descobrissem o fato de que ela não era um jovem. Depois de cuidar as feridas infligidas pelo chicote, ela se apresentou ao seu professor, e ele disse, "Meu filho, eu não sei, não estou seguro. Eu não sei se você fez isto ou não. Eu realmente não sei. Se fez isto, então eu desejo que pratique profundamente e diariamente a prática de Começar Novamente. E se você não fez isto, por favor também pratique a paciência - shanti-paramita - e tente achar alegria na prática." Isso era tudo que ele queria lhe ensinar. E por causa disso, outras pessoas no templo lhe pediram para ficar dentro dos portões do templo e permanecer lá, e não ficar junto com outros monges. Vocês sabem, todo templo tem um portão triplo, e o sino da torre ficava muito perto do portão triplo, e agora Kinh Tam foi ordenado a viver só dentro do portão triplo de forma que a população da aldeia não pudesse culpar o sangha, porque ainda havia a suspeita. Eu não sei se eu fosse o professor de Kinh Tam, lhe permitiria continuar comigo na estrutura do sangha. Eu não sei, porque meu tempo é diferente e isso ocorreu em um tempo muito antigo e as pessoas ainda eram cheias de preconceitos, e assim por diante. E eu teria tido bastante sabedoria para saber se meu estudante tinha feito isto ou não porque eu sempre tento praticar a boa comunicação com meus estudantes, e com meu discernimento, com minha consciência, saberia se ele fez isto ou não. Porque eu não estou aqui para culpar meus estudantes, estou aqui só para ajudá-lo ou ajudá-la. Assim ela me contaria a verdade. Quando o bebê nasceu, Mau não soube o que fazer. Ela não quis falar para as pessoas que esta era uma criança que veio de um criado. Isso seria muito ruim para a reputação da sua nobre família. Morrer era preferível a dizer que ela dormiu com um criado. Isso era algo que ela não pôde agüentar, e sua família não pôde agüentar. Você comete um engano, você faz algo errado, mas não tem coragem de admitir sua injustiça e culpa outras pessoas - isto é algo que acontece diariamente. Então finalmente ela levou o bebê para o noviço. Ela levou o bebê para o portão triplo do templo e disse, "Noviço, esta é sua criança. Por que você não a recebe?" Então ela a pôs nos degraus e partiu. Quando o bebê começou a chorar, o noviço disse, "Bem, agora a criança é abandonada. Se eu não a tomar, quem o fará? Eu estou praticando a compaixão e o entendimento. Se eu não a tomo e tento protegê-la, quem irá?" Assim disse, "Deixe-a comigo!" E apanhou o bebê. [Sino] O bebê teve fome e o noviço não tinha leite. Assim ela pegou o bebê, foi à aldeia e tentou implorar um pouco de leite. Diariamente ela tinha que ir para a aldeia e pedir um pouco de leite para o bebê. Havia pessoas que ficavam movidas pelo ato do jovem noviço, mas havia muitas pessoas que diziam, "Bem, como pode ele praticar como um monge se faz coisas como esta - dormir com uma mulher e quando a mulher lhe dá o bebê ele o aceita, e agora tenta criar o bebê como um pai. Como alguém pode praticar o Dharma daquele modo?" O noviço sentia que as pessoas não a entendiam, e todavia ela continuava praticando a paciência porque ela era capaz de sentir a paz e a alegria de viver com o Dharma. Se ela quisesse libertar-se daquela injustiça não seria muito difícil - bastando apenas declarar ao conselho da aldeia e ao seu professor que era uma garota. E alguns minutos depois ela seria absolvida daquele tipo de culpa, daquele tipo de sofrimento. Por que ela não tinha feito isto? Ela amava tanto o Dharma, queria tanto continuar como um monge, que por isso não desistiu. Quando você ama algo muito profundamente, quando sente tanta felicidade com aquele objeto de seu amor, então você tem coragem de agüentar todos os tipos de injustiça. Assim sendo espancada, sendo mal compreendida, sendo acusada por muitas pessoas, ela ainda poderia resistir porque tinha o prazer, a felicidade, de ser monge, de praticar o Dharma. Em nossos dias, há pessoas que vivem no Sangha e que encontram algumas dificuldades, pensando então em deixar o Sangha. Elas não têm aquele tipo de paciência. Elas não podem agüentar poucas injustiças infligidas porque o seu desejo, a sua felicidade não é bastante grande. Então a chave é: se você ama muito algo, se você valoriza muito algo, você irá querer muito isto, possuindo ou não um grande coração. Se seu coração é pequeno, então não poderá agüentar a injustiça infligida a você. Compreensão e Amor é o que ajuda seu coração a crescer mais e mais. Essa é a prática dos quatro corações imensuráveis - amor pleno, compaixão, alegria, e equanimidade. Porque seu coração pode crescer tanto quanto o universo; o crescimento de seu coração nunca deve terminar. Se você é como um grande rio, pode receber qualquer quantidade de sujeira - isto não o afetará, e você pode limpar esta sujeira muito facilmente. Na palestra de Dharma em inglês que precedeu esta, eu usei aquela imagem oferecida pelo Buddha. Se você pôe uma quantidade de sujeira em um recipiente pequeno de água, então aquela água tem que ser jogada fora, as pessoas não a podem beber. Mas se você lança aquela quantidade de sujeira em um rio enorme, as pessoas na cidade continuam bebendo do rio, porque o rio é tão imenso. Elas não tem que sofrer por causa daquela quantia de sujeira. Durante a noite aquela sujeira será transformada pela água, pela lama no coração do rio. Assim se seu coração é grande como o rio, você pode receber qualquer quantia de injustiça e ainda pode viver com felicidade, e pode transformar as injustiças infligidas a você durante a noite. Se você ainda sofre, significa que seu coração ainda não é bastante grande. Este é o ensinamento da paciência no Budismo. Você não tenta agüentar, você não reprime seu sofrimento. Você apenas pratica para que seu coração se expanda tão amplamente quanto um rio. Então não tem que agüentar, você não tem que sofrer. Há modos de fazer seu coração crescer. Esta é a prática de olhar profundamente para que vocês entendam. No momento em que vocês entendem, sua compaixão surge. E esta compaixão lhes permitirão ir em frente, lhes permitem não sofrer, não olhar outras pessoas com olhos de irritação e ódio. Esta é a real prática da paciência - você não tem que sofrer. Paciência no contexto do ensino budista é não tentar engolir a injustiça, ou suprimir a injustiça, mas abraçá-la completamente com seu grande coração. Assim todas as manhãs vocês tem que ir aos seus corações, tocá-los, e perguntar-lhes, "Meu coração, meu querido, você durante a noite tornou-se um pouco maior?" Nós temos que visitar nosso coração diariamente para ver se nosso coração ainda continua crescendo ilimitadamente, tornando-se grande. "Tornar-se grande" é o termo usado por Buddha enquanto ele estava ensinando sobre as quatro mentes imensuráveis. Seu coração de compaixão fica maior. Torna-se grande todo o tempo, seu coração de generosidade amorosa, seu coração de alegria, seu coração de equanimidade. Eis por que paramita às vezes é traduzido pelo termo "[ph: vo que]". [Thây escreve em um quadro-negro] significa "o ponto mais alto, o limite ". [ph: vo que] significa "nenhum ponto mais alto ou sem limite". [ph: Que] "significa extremo, como em [ph: Ba kuk], o mais ao norte ou o mais ao sul extremo da terra é chamado [ph: Ba kuk] - pólo norte. É um extremo, este é o limite. Mas como nossa compaixão, nossa generosidade amorosa, nossa alegria, nossa equanimidadde conhece nenhum limite? - eis por que estas quatro mentes são chamadas "mentes imensuráveis", porque elas sempre crescem e crescem, sem parar. Elas crescem como um rio, e então elas crescem como um oceano, e continuam. Quanto mais seu coração fica maior, mais facilmente você pode agüentar, ou aceitar, injustiças sem sofrer. Alguns dias depois do jovem monge receber o bebê e o adotar, tentando cuidar dele, foi chamado pelo seu professor: "Minha criança, por que você fez isso? Você não dormiu com a senhora, este não é seu bebê, mas por que o recebeu? Não parece que isto trará uma boa reputação para nosso Sangha." Eu não sei se, sendo o professor eu faria como ele, amedrontado pelo meu prestígio. Mas Kinh Tam se curvou para ele e disse, "Meu querido professor, eu aprendi em um sutra que se você constrói um stupa de sete níveis, e se constrói mil deles, o mérito não seria tão importante quanto o mérito de salvar a vida de um ser vivente. Eis por que aceitei este bebê e tentei cuidar dele. Isso é o que o jovem monge disse para seu professor. O noviço aprendeu a cantar canções de ninar. Assim na aldeia se ouvia às vezes o grande sino e o gatha, "Escute, escute, este som maravilhoso me devolve ao meu verdadeiro eu. Possa o som deste sino penetrar profundamente no universo. . . , " e assim por diante. E às vezes eles podiam ouvir, "Durma bem, durma bem, meu bebê. . . . " Estas duas coisas fundiram-se entre si. Eu acredito que o noviço praticou bem cantando tanto a canção como também o gatha, porque ambos têm em si o sabor do Dharma. Quando o pequeno menino já estava crescido, Kinh Tam ficou muito doente, e soube que morreria em poucos dias. Assim ela escreveu uma carta aos seus pais e lhes deu seu endereço, e falou para o menino que depois de sua morte, ele tinha que tentar ao máximo voltar para sua aldeia natal e apresentar a carta para sua mãe e seu pai. Ela também escreveu uma carta ao seu professor. Duas cartas. Após seu falecimento, o menino fez como lhe tinha sido pedido. Ele foi ao professor e ofereceu a carta de seu "pai" e também pediu permissão para partir para a aldeia natal do seu "pai". Após ler a carta, o monge ficou muito surpreendido assim ele pediu para duas monjas que viessem examinar seu corpo e todas as monjas informaram que o noviço jovem não era um rapaz, mas uma moça. Então todo mundo ficou muito surpreendido, e o monge enviou um mensageiro ao chefe da aldeia. O chefe da aldeia ficou muito surpreendido, também. Assim ele convocou uma reunião e enviou uma delegação ao templo para a verificação do fato. Depois de ter verificado a questão, ele anunciou à aldeia inteira a verdade e pediu para a família de Mau, Cor, vir e responder as suas perguntas. E a família rica de Mau teve que pagar uma multa muito pesada à aldeia, e tiveram que pagar todas as despesas do enterro organizadas pelo templo. No poema vietnamita escrito sobre a história nós temos o texto inteiro da carta. Kinh Tam pediu o perdão do pai dela e mãe e diz que não lhes tinha falado onde tinha ido porque desejava muito praticar como um monge. Ela disse que não praticava assim só para si, mas para sua família inteira e para muitos seres viventes, e espererava que eles entendessem e a perdoassem, e que recebessem este jovem menino como alguém da família embora ele fosse apenas uma criança adotada. Os pais dela choraram muito. Tinham sido tantos anos sem ter quaisquer notícias da filha e de repente esta manhã eles receberam uma carta que anunciava que ela não mais vivia. Assim eles choraram muito, e partiram para o templo Phap Van. Eles também falaram para o marido anterior, Sr. Sung Tin, ir. Eles gastaram muitos dias viajando; e quando chegaram ao templo, viram a bandeira que anunciava o nome da filha, e uma procissão muito longa. Todas as pessoas na aldeia vieram assistir o serviço funerário. Eles estavam muito comovidos, e muitas pessoas estavam chorando. Se vocês praticam, tem que praticar assim. Esse é o modo absolutamente perfeito de praticar. Até mesmo se são infligidas injustiças a vocês, vocês continua tendo muita energia, continuam o Caminho. Vocês não culpam ninguém por seu sofrimento. Praticando assim é a real prática. Quando a família dela chegou, eles participaram no serviço funerário e foram recebidos como convidados distintos pelo templo e a aldeia. Depois disso, a aldeia inteira organizou uma cerimônia para transferir todos os méritos para Kinh Tam e praticar Giai oan. Giai oan significa "desatar a injustiça". E é dito ao fim da estória que o Buddha apareceu e anunciou que Kinh Tam tinha chegado a um estado de iluminação, e agora estava manifestada como um corpo de Avalokiteshvara. O nome dela é Quan Am Thi Kinh. Ela é um Avalokiteshvara vietnamita e a história é conhecida por todo o mundo. No templo, muitas pessoas sabem o poema de cor e é o modelo perfeito para a prática da paciência. Todos nós sentimos às vezes que somos vítimas de injustiças. Nós sofremos tantas injustiças, até mesmo das pessoas que amamos. E queremos consertar aquela injustiça, queremos reclamar. Nós queremos praticar o desatar a injustiça que agüentamos por tanto tempo no passado. Eis por que sempre estamos prontos para falar a outras pessoas sobre nosso sofrimento e a injustiça que sofremos. Talvez no fundo de nosso coração, queremos que a justiça seja feita por qualquer tipo de meio. Talvez nós queiramos uma solução militar. Às vezes você quer usar uma arma. Às vezes você quer usar um bastão. Às vezes você quer usar um exército. Como uma nação, se você sente que é vítima de injustiça, é tentado a usar uma solução militar. Mas se você não é uma nação, fica inclinado a usar outros tipos de vingança - usar bastões e contratar alguém para bater na outra pessoa, usar uma arma, ou você quer manipular a situação, quer usar meios políticos para consertar sua injustiça. Mas de acordo com o ensino do Buddha, você só pode consertar aquela injustiça em si, só pode transcendê-la, transformando-a. O único modo é praticar as quatro mentes imensuráveis - maitri, que é o amor pleno; karuna, que é a compaixão; mudita, a alegria,; e upeksha, a equanimidade. E para cultivar estas quatro qualidades, você tem que usar a prática de olhar profundamente, isto é, acalmando-se e olhando - samatha e vipasyana. Você faz seu melhor para permanecer tranqüilo, permanecer concentrado. Você faz seu melhor para olhar profundamente na natureza de seu sofrimento, e o entendimento de repente vem e seu coração começa a se expandir. De repente você sente que tem o poder de agüentar aquela injustiça; pode sobreviver a isso, pode viver com isso, e você até mesmo pode transformá-la. O Buddha disse que quando você é golpeado através de uma seta, você sofre. Mas se uma segunda seta vem exatamente à mesma ferida, você não sofre duas vezes, mas talvez trinta vezes mais. Quando você sofre algo e se enraivece, seu sofrimento não só será dobrado, mas trinta vezes mais intenso. Você amplia seu sofrimento com sua ignorância, sua raiva, sua frustração, seu ódio. Por que você tem que sofrer tanto? De fato, por que você tem que receber a segunda seta? Com uma seta, e com um pouco de compreensão e pratica, você não sofreria muito e poderia remover a seta rapidamente. Mas por causa de nossa ignorância, nossa falta de prática, nós ficamos raivosos, nós deixamos o bódio e o desespero nos dominar - eis por que nosso sofrimento fica insuportável. Este é o ensinamento do Buddha no Samyutta Nikaya (Samyutta Nikaya: 4, 210) sobre a primeira seta e a segunda seta. A segunda seta é a ignorância. O outro dia nós usamos a imagem de uma pequena criança destroçando uma borboleta. A pequena criança não sabe que fazendo isso está infligindo muita injustiça e sofrimento ao pequeno inseto. A pequena criança apenas quer brincar. Ela não sabe que esmagando uma borboleta assim está fazendo um ser vivo sofrer. A criança faz assim por ignorância. Quando nós falamos para a pequena criança, "Meu bem, você sabe que hoje à noite a pequena borboleta não poderá ir para casa dos seus pais? O que você sentiria se não pudesse regressar hoje à noite para seus pais? Eles sofreriam muito." Se você fala para uma criança assim, da próxima vez ela não destroçará uma borboleta com suas mãos. Ela será capaz de proteger a vida. "Senhor, perdoai-os pois eles não sabem o que fazem." As pessoas fazem umas às outras sofrer, e não sabem disto. Elas reagem por raiva ou ódio; elas não têm felicidade dentro delas. Elas são subjugados pela ignorância, pelo ódio, pela raiva, e eis por que elas fazem as pessoas ao seu redor sofrerem. E nós podemos estar fazendo a mesma coisa, mas nós não sabemos disto. [Sino] Acontece de vez em quando em todos lugares que uma pessoa usará uma arma para matar pessoas em uma feira; de repente em uma escola secundária alguém com uma arma aparece e mata três, quatro, cinco estudantes sem qualquer razão. Sua filha, seu filho, vai como sempre para a escola. E naquela manhã acontece que sua filha foi morta por aquele homem louco. Esta é uma forma de injustiça. E vocês poderiam criar muito ódio por aquele homem. Mas se olharmos no interior daquele homem e olharmos profundamente, veremos que aquele homem está cheio de loucura, que está cheio de ignorância, que está cheio de ódio, de alienação. Quando um homem segura uma arma e atira em pessoas assim sem razão, deve haver uma motivo. E pessoas como ele ou ela existem no mundo. Como um homem pode se tornar assim? Como era sua família, como era sua sociedade, como foi sua educação? Alguém cuidou dele afinal? Claro que, se estivéssemos lá nós tentaríamos ao máximo lhe impedir de continuar matando outras pessoas. Seria urgente que agíssemos imediatamente, colocando-o em uma situação onde ele não poderia continuar machucando as pessoas, até mesmo o trancando em uma cela de prisão; nós teríamos que fazer isso. Mas nós temos que fazer isso com sabedoria e compaixão. Nós não podemos fazer isso com raiva e ódio. Nós não fazemos isto com a intenção de castigar o homem, porque aquele homem já sofreu demais... (Sino) [Fim da Palestra de Dharma] Nota 1: |