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O homem fascinado pela consciência objetiva O sofrimento do homem ocidental começa quando determinado tipo de consciência — que está bem além dele, constituindo uma etapa necessária do desenvolvimento humano — entra em jogo, com todas as conseqüências que isso representa, afirmando-se e assumindo o controle. Essa é a consciência objetiva. Nesse nível, a realidade humana é apreendida como algo objetivo — e, portanto, como algo que existe independentemente do homem. Toda a sua ação é orientada para a "objetividade". Seu direito à vida, que lhe cabe por ser um indivíduo, é reprimido por ser meramente subjetivo. Mas a existência não é vivida apenas como uma afirmação, ou como um revés, em relação a um universo pensado objetivamente. A vida humana é, primeiramente, experiência, transformação e realização — ou fracasso — do homem como indivíduo. A felicidade ou o sofrimento nos advertem se a nossa vida está ou não em harmonia com a promessa e as potencialidades do Ser que a habita. Onde e como o âmago essencial do homem poderia se realizar se não num sujeito pessoal que o vive? Quando, não apenas os direitos do pequeno ego, mas também os do Ser, devem se inclinar diante da opressão do mundo, e o homem nega e rejeita o seu Ser como sujeito diante das exigências de uma vida vivida e admitida sob o signo da ordem objetiva, então ele acaba se perdendo e cai num sofrimento especificamente humano. É impossível compreender o sentido do Zen, ou de qualquer outra sabedoria oriental, se não reconhecermos esse sofrimento e o perigo que a opressão de uma consciência totalmente objetivante nos faz correr. O ensinamento budista e o ensinamento zen discernem esse perigo e indicam o caminho que liberta o homem do jugo que ele criou para si próprio. Pelo fato de o espírito ocidental ser muito mais dominado que o oriental por essa consciência objetiva, as manifestações desse espírito oriental chamam freqüentemente a atenção dos ocidentais, que as consideram estranhas e pouco claras. Porém, tão logo o homem ocidental percebe a insuficiência da sua orientação espiritual, ele passa a sofrer e a promessa latente no espírito do Oriente começa a exercer seu fascínio. A verdade universal contida no Zen não é menos acessível ao ocidental, enraizado na fé cristã, do que ao oriental. Mas só nos tomamos genuinamente receptivos a ela quando nós mesmos sofremos a angústia e o perigo que o Zen pretende abolir. Portanto, o contato frutífero com o Zen só acontece quando compreendemos o que é a consciência objetiva, por que ela é perigosa e por que nos faz sofrer. Quando se pergunta a um europeu qual é "a essência da realidade", ele responde, automaticamente, partindo de sua natureza subjetiva, que ela está enraizada no eu objetivo e fixo, usando conceitos inerentes à esfera da consciência e igualmente arraigados no eu. Para nós isso é natural, embora não o seja do mesmo modo para todos. Um oriental instruído — até mesmo um cientista que acaba de mencionar essa "realidade" em termos ditados pelo eu — responderá à mesma pergunta instantaneamente, tomando a pensar na afirmação que fez antes, tentando responder sintonizando aquela parte do seu ser subjetivo cujas raízes não se encontram no "eu" e sim no Tao ou na natureza búdica; ou talvez responda com imagens simbólicas, por meio de paradoxos para nós incompreensíveis. Mas se insistirmos numa resposta mais precisa, ele começará por nos surpreender, afirmando que a realidade que se apresenta à reflexão do eu já é, em si, uma ilusão que esconde a verdadeira "essência" de uma realidade que jamais poderá ser definida Conceitualmente Nós, europeus, ao contrário, nos identificamos instintivamente, e sem nenhum sentido de crítica, com a essência da nossa Consciência cotidiana, e nem sequer notamos que a imagem da realidade que incorporamos representa apenas um "enfoque" muito limitado, que deixa de lado a Verdade do Ser como tal. A esta altura, precisamos Voltar-nos para a epistemologia a fim de entendermos com mais clareza a natureza da nossa consciência objetiva. |