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INTRODUÇÃO AO BUDISMO de vários autores e mestres budistas por Karma Tenpa Darghye. A TRANSFORMAÇÃO O mahayana baseia-se no princípio de que não devemos nos preocupar apenas conosco, e sim considerar o outro como mais importante. Portanto, uma ênfase particular é colocada sobre o amor e sobre a compaixão. Assim, no início de qualquer prática, pensa-se que vai ser realizada com o objetivo de poder liberar todos os seres do sofrimento e de poder levá-los à felicidade definitiva. Do mesmo modo, ao final de uma prática, dedica-se toda força positiva que emana dela para o bem de todos os seres, para que se tornem livres dos sofrimentos, do karma e das emoções conflituosas e para que alcancem finalmente o estado de Buddha. EXTENÇÃO DO MAHAYANA O conjunto da tradição budista baseia-se em duas correntes: a dos Sutras e a dos Tantras. A abordagem dos sutras está dividida ela própria em três níveis: inferior, médio e superior. O nível inferior refere-se aos "auditores" (shravakas), o intermediário aos "Buddhas solitários" (pratiyeka Buddhas) — estes dois níveis pertencem ao hinayana — e o superior aos bodhisatvas praticando o mahayana. Os "auditores" olham o indivíduo como desprovido de um "eu", pois ele nunca pode ser encontrado pela análise; o mundo exterior é, por sua vez, considerado como dotado verdadeiramente de uma realidade material, impura e fonte de sofrimento. Os "Buddhas solitários" consideram que não apenas o indivíduo é desprovido de existência própria, mas que o mundo exterior também o é parcialmente, na medida em que, em última análise, é apenas um agregado de átomos. No veículo dos bodhisattvas, o indivíduo e o mundo exterior são vistos inteiramente desprovidos de existência própria, vazios. Esta visão mais ampla que as duas precedentes, que pertencem ao pequeno veículo, justifica a denominação de "grande veículo". O mahayana também é mais amplo que o hinayana na sua maneira de conceber a ação. O praticante do hinayana esforça-se, de fato, para evitar qualquer ato que poderia ser nefasto para si mesmo ou para os outros; ele observa uma ética que o protege de qualquer ação negativa. O praticante do mahayana acrescenta a essa ética que evita prejudicar, uma ética que busca fazer o bem aos outros. Qualquer que seja o paramita que observamos, a visão do mahayana sempre é maior que a do hinayana. Acabamos de vê-lo quanto à ética, também é verdadeiro para o paramita do dom. No hinayana, o dom é limitado a seu aspecto material, no mahayana ele deve também fornecer a segurança e se estender à vida espiritual — o que chamamos o "dom do dharma’. O dom está então fundamentado no amor e na compaixão. O paramita da paciência é vista como uma virtude pessoal no hinayana, enquanto que no mahajana ela é, ainda uma vez, uma expressão do amor e da compaixão. A diligência, importante no hinayana, abarca no mahayana não apenas o desenvolvimento individual, mas o bem de todos os seres. Quanto à perfeição do conhecimento, ela atinge sua plenitude no mahayana, que desenvolve uma visão completa da natureza vazia de qualquer manifestação. O grande veículo divide-se em dois aspectos: o "mahayana dialético" e o Vajrayana. Desses dois aspectos, o segundo é mais rico em métodos e mais profundo. O mahayana dialético, ensinado nos sutras, considera a prática como uma causa que leva a um resultado, enquanto que o vajrayana, vindo dos tantras, considera, ao contrário, o resultado como desde agora presente. Mais freqüentemente, quando se fala do mahayana, sem outra precisão, refere-se à primeira das duas abordagens e não ao vajrayana. É também ao mahayana dialético que o presente ensinamento será dedicado. A concepção do mundo exterior difere entre o veículo dos "Buddhas solitários" e o dos bodhisattvas, no sentido de que o segundo considera que os átomos, nos quais a análise do primeiro termina, não têm, eles mesmos, nenhuma existência sobre o plano último. A BODHICHITTA Encontramos o fundamento do mahayana na dupla noção de bodhicitta: A bodhicitta relativa; A bodhicitta absoluta. A bodhicitta relativa consiste no reconhecimento de que todos os seres foram nosso pai ou nossa mãe no passado, e a seguir na observação de nossa própria situação para compreender que ela é comum a todos; ficamos felizes por causa dos acontecimentos agradáveis que nos acontecem, infelizes se encontramos o sofrimento. Compreendendo que todos os seres funcionam desse modo, desenvolvemos o amor e a compaixão. A bodhicitta absoluta é o desenvolvimento, por meio do conhecimento justo, da compreensão da natureza finalmente vazia de qualquer fenômeno. Pode-se, sem se limitar a uma adesão intelectual, abordar a noção geral de vacuidade por uma meditação discursiva baseada no raciocínio, mas essa abordagem corre o risco de permanecer na superfície das coisas. E preferível começar por compreender a natureza de nossa própria mente: ela existe desde sempre, primordialmente; não tem existência material: não tem forma, cor, volume etc.; não podendo ser percebida como uma coisa, é, assim, vazia. Em seguida, com base nessa compreensão, chega-se a uma certeza que apenas a experiência da meditação pode proporcionar, além de todos os conceitos. Quando se chega à certeza da vacuidade da mente, desenvolve-se, então, a percepção de que todos os fenômenos — nosso corpo e o mundo exterior — procedem de fato da mente. Sendo a própria mente vazia por natureza, todas as suas produções também o são. Chega-se, assim, à conclusão de que todas as coisas são vazias por natureza. OS TRÊS CORPOS DE SAMSARA Ainda que esta asserção da vacuidade de todas as coisas possa nos parecer desconcertante, o exemplo do sonho poderá nos torná-la mais compreensível. Quando sonhamos, percebemos todo um mundo constituído de formas visíveis, sons, objetos tangíveis que nos parecem reais. Entretanto, eles não existem em parte alguma; eles são unicamente uma produção da mente. Durante o sonho, eles parecem possuir a mesma realidade do mundo que percebemos agora e é por isso que podem provocar a dor ou o prazer. Mas quando estamos acordados, tudo o que parecia existir durante o sonho — nosso corpo, o meio, as casas etc. — tudo isso desaparece. É apenas a mente, manifestando-se por meio de um corpo onírico chamado o "corpo dos condicionamentos latentes", O que é verdadeiro para o sonho, também o é para nossa experiência presente, por meio do que se chama o "corpo de maturidade cármica". Quando abandonamos este mundo, no momento da morte, os sentidos deixam de funcionar de modo que o corpo e o mundo exterior não são mais percebidos. A mente fica só. Ainda que ela seja vazia, produz de novo aparências ilusórias, incluindo a visão, a audição, o tato etc., tudo como agora. A alegria, a dor, o medo, portanto, são também experimentados, por meio de um "corpo mental", como se todo o meio parecesse real. A mente permanece assim um certo tempo no bardo; depois, sob a força do karma, ela é levada a renascer sob uma forma ou outra. Quando isto se produz, todos os fenômenos que se manifestaram durante o bardo desaparecem. Eles não existem mais em nenhuma parte. Então, é de novo o "corpo de maturidade cármica" que dá continuidade, como suporte de existência, em uma das seis classes de seres. A totalidade de nossa experiência no samsara desenvolve-se, então, por intermédio desses três corpos: corpo de maturidade cármica, no estado de vigília, corpo dos condicionamentos latentes, no sonho, corpo mental, no bardo. VACUIDADE E COMPAIXÃO Saber que todos os fenômenos são na realidade uma manifestação da mente, que ela mesma é vazia, desprovida de qualquer característica material, e, sobre esse fundamento, tomar o caminho das diferentes etapas da meditação — a pacificação mental e a visão superior — caminho que leva à realização desta vacuidade, é o que se chama a bodhicitta absoluta. Tendo como referência essa vacuidade de todas as coisas, tomamos consciência que os seres, pelo fato deles não a realizarem, mas tomarem o mundo como real, são prisioneiros da engrenagem do desejo, da aversão e da cegueira(avydia). Por esse fato, são sacudidos pelas incessantes ondas do ciclo dos renascimentos, indo de sofrimento em sofrimento. Essa visão da condição dolorosa dos seres, derivada da ignorância da vacuidade, produz um ímpeto de amor e de compaixão: é a bodhicitta relativa. Essa bodhicitta relativa é extremamente poderosa: ela permite purificar-se de condicionamentos latentes e de muito karma negativo, assim como acumular muito mérito e sabedoria. Essa purificação e essa acumulação proporcionam, por sua vez, uma grande abertura para o aprofundamento da experiência da vacuidade. Diz-se que permitem que todas as qualidades cresçam da mesma maneira que as chuvas da monção enchem os rios. Guiados pela vacuidade e pela compaixão, praticando os seis paramitas — o dom, a ética, a paciência, a diligência, a concentração e o conhecimento — percorre-se o caminho do mahayana que, da primeira à décima terra de bodhisattva, conduz ao estado de Buddha. A TRANSFORMAÇÃO DAS EMOÇÕES Vimos que a maneira de tratar as emoções conflituosas no hinayana consistia em rejeitá-las. No mahayana, ao contrário, esforça-se para transformá-las de maneira positiva. Geralmente, contam-se seis emoções principais, repartidas em dois grupos de três. O desejo-apego, o ódio-aversão e a cegueira (ignorância) constituem a base sobre a qual se implantam as outras três: do desejo-apego nasce a possessividade, do ódio-aversão, o ciúme, da cegueira, o orgulho. Essas seis emoções conflituosas estão relacionadas com os renascimentos nos diferentes mundos, segundo sua predominância: • ódio-aversão conduz ao renascimento nos infernos; • a possessividade, no mundo dos espíritos ávidos; • a cegueira, no mundo animal; • desejo-apego, no mundo humano • ciúme, no mundo dos semideuses; • orgulho, no mundo dos deuses. Em razão do renascimento em uma ou outra condição de existência, as emoções conflituosas são modificadas pelos atos positivos e negativos: os primeiros produzem as alegrias e as felicidades dos três mundos superiores (humanos, semi-deuses e deuses), os segundos provocam os sofrimentos dos três mundos inferiores (animais, espíritos ávidos e infernos). GRADAÇÃO DAS EMOÇÕES Podemos classificar as emoções conflituosas segundo a quantidade de sofrimento que provocam. Desse ponto de vista, o ódio-aversão aparece como o de consequências mais pesadas, já que causa as dores extremas dos infernos. Em segundo, vem a possessividade que provoca o renascimento no mundo dos espíritos ávidos, já que a cegueira — a estupidez, a incapacidade de compreender — conduz ao mundo animal. Em seguida, pode-se colocar o ciúme, causa do renascimento entre os semi-deuses, envolvidos em querelas e conflitos contínuos, sofrendo de uma insegurança permanente, resultado de seu desejo de ter o que os outros possuem, em particular os deuses. O desejo-apego e o orgulho são as duas emoções conflituosas cujo predomínio conduz ao renascimento em mundos relativamente felizes, aqueles dos homens ou o dos deuses. Para que produzam esse resultado, é preciso, entretanto, que intervenham outros fatores. Tomemos o exemplo dos deuses. Seu orgulho, isolado de qualquer contexto, leva-os a pensar: "Eu SOU forte, inteligente, alguém importante". Foi preciso este orgulho, fortemente dominante com relação ao desejo, à cólera, ao ciúme etc., para renascer nesse mundo. Se, entretanto, os deuses gozam ali de todos os prazeres dos sentidos e de uma longa vida, é porque a esse orgulho foi acrescentado um forte potencial de karma positivo. A vida de um deus vai ser, portanto, essa mistura de orgulho e de prazer dos sentidos no qual as outras emoções só intervém muito pouco. Da mesma maneira, uma predominância do desejo-apego origina a vida humana. Entretanto, ela será atenuada por outros fatores: um karma positivo anterior permitirá que seja feliz e longa, enquanto que um karma negativo anterior produzirá doenças, pobreza e numerosas dificuldades. O desejo-apego não é em si mesmo um defeito, como também não é a causa direta de muitos atos negativos. Seu inconveniente é ser seguido de ódio, ciúme etc., que são muito nefastos. Temos, então, seis emoções conflituosas fundamentais; mas elas não poderiam descrever toda a complexidade da situação. É por isso que consideramos numerosas ramificações que levam a um número total de 84.000 emoções conflituosas. Sua intervenção leva-nos a errar continuamente no samsara. O Buddha apresentou diferentes métodos para tratar essas emoções, conduzindo a diferentes estados de realização: • a rejeição, em vigor no pequeno veículo, permite atingir o estado de arhat • a transformação, tratada pelo grande veículo, conduz ao estado de bodhisattva; • o simples reconhecimento, ensinado pelo vajrayana, leva ao estado de Buddha nesta própria vida. As técnicas de transformação das emoções são diferentes sob o Mahayana dialético ou o Vajrayana. Iremos tratar aqui do primeiro, unindo a teoria à meditação. REFÚGIO E BODHICHITTA Considerando-se que nos situamos no contexto do mahayana, primeiramente devemos lembrar que não somente nós mesmos, mas todos os seres, são prisioneiros do samsara. Desejamos, portanto, obter para nós mesmos a libertação e a felicidade que resultam do mahayana, assim como a capacidade de ajudar os outros e conduzi-los a essa mesma felicidade. Dado que apenas as Três Jóias podem nos guiar nesse caminho, tomamos refúgio nelas do fundo do coração. Depois, geramos a mente do Despertar, a bodhicitta, pensando: "Para o bem de todos os seres, eu me exercitarei na transformação das emoções segundo o ensinamento do mahayana". No momento em que nós recitamos a fórmula de tomada de refúgio, pensamos que, no céu a nossa frente, estão os Buddhas, os bodhisattvas e os textos representando o ensinamento. Em sua presença, pensamos que nós mesmos e todos os seres, com confiança e respeito, prosternamo-nos e pedimo-lhes para nos proteger dos sofrimentos do samsara. (meditação) Ao final da recitação da tomada de refúgio, pensamos que os Buddhas e bodhisattvas emitem uma imensa luz que toca todos os seres e os purifica de seus erros e de seus véus. Depois, sentimos plenamente a graça recebida das Três Jóias e guardamos por um momento a mente em repouso. (breve meditação) Agora, lembramo-nos que todos os seres das três esferas e dos seis mundos foram nosso pai e nossa mãe em nossas vidas passadas. Todos cometem muitos atos negativos, causa dos sofrimentos, e experimentam o resultado disso. Pensamos que é preciso retirá-los do oceano de sofrimentos do samsara e trazê-los ao estado de Buddha e que, para fazer isso, iremos praticar a meditação do mahayana. Com esse pensamento recitamos a fórmula do desenvolvimento da mente do Despertar (Bodhichitta). (meditação) TRANSFORMAÇÃO DA CEGUEIRA Tomemos agora a postura de meditação, as costas bem retas, e deixemos nossa mente em repouso. Nessa mente em repouso, o desejo-apego, o ódio-aversão, a possessividade, o ciúme e o orgulho estão inativos. Constata-se, entretanto, a presença da cegueira (avydia) que é a base das outras emoções. Esta cegueira significa que não compreendemos as implicações de nossos atos e de nossa situação; significa também que, quando um pensamento ou uma emoção se produzem, nós não vemos, fora do simples sentir do pensamento ou da emoção, qual é a sua natureza e origem. Primeiramente, iremos meditar tomando por base essa cegueira. A cegueira vem da ignorância (sct. avydia) fundamental. Ainda que sejam muito semelhantes, pode-se dizer que a ignorância é o fato de a mente nada perceber, e a cegueira, o fato de nada compreender. Podemos comparar essas duas noções à obscuridade, uma obscuridade sem lua, sem estrelas, sem vela, sem eletricidade. Precisamos transformar essa cegueira e essa ignorância, essa "in-consciência", em consciência. Para fazer isso, permanecemos simplesmente na vacuidade da mente, que possui de maneira inerente a capacidade de consciência. Quando um pensamento ou uma emoção se elevam, continuamos preservando nossa capacidade de percebê-los, de termos consciência deles. Permanecemos na consciência de nosso estado interior. Essa meditação é muito fácil. Se a mente permanece na vacuidade, ficamos simplesmente conscientes dessa vacuidade. Quando um pensamento se produz, só temos que reconhecê-lo, sem querer interrompê-lo, mas também sem seguí-lo. Depois, quando um outro pensamento se apresenta, de novo apenas reconhecemos sua presença. É extremamente simples. (meditação) A cegueira é não-conhecimento (a-vydia). Por esse processo, nós a transformamos em conhecimento (vydia), em consciência do que se passa. É muito fácil: a mente permanece simplesmente lúcida, consciente, seja da ausência de pensamentos, seja dos pensamentos que se produzem. Não há nada a rejeitar ou nada a produzir. A própria não-consciência se transforma em consciência. (meditação) Esta meditação, que pode ser feita regularmente, é semelhante à luz que afasta a obscuridade da qual falamos há pouco. Ela é um meio de desenvolver o paramita do conhecimento. (Mahaprajana paramita) TRANSFORMAÇÃO DO DESEJO Em segundo lugar, tomemos o desejo. Como podemos transformá-lo em experiência de felicidade? Tomemos o desejo sexual: ele ocorre ao vermos uma bela mulher ou um belo homem e provoca uma sensação agradável, ao mesmo tempo física e mental. A esta sensação vai se acrescentar um elemento complicador: a sede de possuir o objeto do desejo. Esta sede é um produto da cegueira que não vê que a primeira sensação agradável é suficiente. Faz acreditar que a posse também é necessária. Supondo que um homem veja uma mulher bonita, o desejo faz com que ele experimente logo uma sensação física e mental agradável. Ao mesmo tempo, a cegueira provoca uma vontade de posse, da qual se espera que consolide a experiência de felicidade. No contexto da meditação que visa transformar as emoções, detém-se na sensação de felicidade produzida pelo desejo, sem considerá-la como uma coisa ruim, sem querer rejeitá-la. Fica-se consciente dessa felicidade, lucidamente, e ela é experimentada sem que se deixe levar pela sede que quer possuir o objeto. Assim, a alegria proveniente do desejo não causa nenhum problema. Quando pensamos em alguém que amamos, eleva-se espontaneamente uma alegria interior e um bem-estar físico. Permanecemos simplesmente não-distraídos nessa sensação de alegria, sem sermos tomados pelas complicações devidas à sede de posse. O fato de permanecermos nessa sensação, faz com que ela cresça e leva-nos a um estado de felicidade natural. Meditar assim é extremamente benéfico. Meditemos, então, agora, pensando em alguém ou em um objeto que nos atraia particularmente, depois, permanecemos na sensação agradável provocada por esse pensamento. (meditação) TRANSFORMAÇÃO DA AVERSÃO No mahayana, os meios de tratar o ódio-aversão são tão numerosos, quanto é forte a insistência sobre o amor e a compaixão. Vejamos simplesmente aqui como abordar o ódio/aversão do ponto de vista da meditação. Quando um forte acesso de cólera se manifesta, produz-se ao mesmo tempo na mente uma grande vivacidade, um grande vigor, como um raio que proporciona um possante dinamismo. Entretanto, mais uma vez, por causa da cegueira, esse vigor não é reconhecido; deixamo-nos levar pelas complicações que o acompanham, dirigidas ao objeto que suscitou nossa cólera: pensamos em prejudicar, bater ou matar. Contudo, a essência dessa cólera, longe de se situar na obscuridade, é uma grande claridade. É preciso, portanto, que olhemos essa essência, permanecendo sem distração nessa claridade. Assim operamos a transformação da emoção: a cólera é transformada em claridade. Para realizar nosso exercício de meditação, pensemos agora em uma pessoa ou uma situação que provoque nossa raiva. Sem seguir o movimento dessa raiva, permanecemos sem distração na claridade que a acompanha. (meditação) Assim, cada vez que se produzir em vocês um movimento de raiva ou de aversão, vocês podem permanecer na essência clara que a subentende, sem procurar rejeitar ou seguir a raiva, mas fixando-se em sua vivacidade. Desse modo a raiva se transformará em claridade. TRANSFORMAÇÃO DO ORGULHO "Sou melhor que os outros", "Sou muito inteligente; sou importante": esses pensamentos característicos de um forte apego ao "eu" constituem o orgulho. Quando o orgulho se produz, permanece-se neutro diante dele, sem rejeitá-lo ou segui-lo, conservando simplesmente a mente nesse sentimento, sem distração; a partir de então esse orgulho, comparável a uma montanha, encontra-se naturalmente aplainado. O "eu" perde sua supervalorização. (meditação) Na medida em que aprendemos a meditar dessa maneira, as numerosas ocasiões em que o orgulho se eleva em nossa mente acabam sendo muito proveitosas, pois se transformam no suporte para o desenvolvimento do quinto paramita, o da concentração. Ao mesmo tempo, o orgulho, nascido da assimilação de um "eu", quando se apaga pelo fato de olharmos sua essência, da lugar à percepção da ausência do eu. TRANSFORMAÇÃO DA POSSESSIVIDADE Todos nós somos marcados pelo conjunto das emoções conflituosas. Dentre elas, a possessividade, que se aplica ao nosso corpo, a nossa casa, a qualquer de nossos bens, está sempre muito presente e é muito forte. Qualquer que seja a forma que ela se apresente, podemos neutralizá-la pelo dom praticado em diferentes graus: o dom dos bens materiais é o primeiro grau, o dom de sua família é o segundo, o dom de seu sangue e de sua carne constitui a forma mais elevada. O mahayana oferece assim uma grande variedade de meios colocando em prática a generosidade para suplantar a possessividade. Do ponto de vista da meditação, onde nos situamos agora, quando a possessividade se produz, nós a tratamos do mesmo modo que as emoções precedentes: sem segui-la ou rejeitá-la, permanecemos simplesmente no sentimento que é a sua base. Assim, a possessividade ordinária se tornará um sentimento de contentamento, neutro, do qual se apagará espontaneamente o caráter nocivo. Quando a possessividade desaparece, ela é automaticamente transformada em seu oposto: uma generosidade fundamental. TRANSFORMAÇÃO DO CIÚME O ciúme é comparável a um espinho: espeta não somente os outros, mas volta-se também contra aquele que o concebe, deixando-o muito incomodado e tornando-o infeliz. Cada vez que o ciúme se elevar, permaneçamos simplesmente fixados nele, sem segui-lo ou rejeitá-lo: ele se apaziguará automaticamente e não poderá "espetar". Encontrará espontaneamente sua essência que é a paz interior. Assim, o ciúme é transformado em paz, ao mesmo tempo que, do ponto de vista dos seis paramitas, ele se encontra associado à quarta, a diligência. Dessa forma, vimos brevemente como abordar as seis principais emoções conflituosas por meio da meditação. Entretanto, é a transformação das três primeiras — desejo-apego, ódio-aversão e cegueira — que é necessário se dedicar primeiramente. Assim, o desejo-apego será transformado em felicidade vazia, o ódio-aversão em claridade vazia e a cegueira em conhecimento. Isto mostra como este tipo de meditação sobre as emoções é benéfico. As três emoções de base são para nós a fonte mais abundante de atos negativos, de problemas e de sofrimentos; por isso, é necessário abordá-las em primeiro lugar. As outras três — possessividade, orgulho e ciúme — são apenas corolários. Todas as emoções conflituosas vêm da mente. Para concluir, permanecemos um momento na vacuidade da mente, depois dedicaremos o mérito deste ensinamento e desta prática ao bem-estar de todos os seres. (meditação) BUDISMO TIBETANO – Kalu Rinpoche Vancouver, junho de 1982 |