logo FALE CONOSCO
shunya meditação mestres textos zen dzogchen links

INTRODUÇÃO AO BUDISMO
Uma visão da doutrina budista através dos textos
Este é um trabalho de seleção e ordenação de textos
de vários autores e mestres budistas por
Karma Tenpa Darghye.

Para guiarmo-nos no caminho espiritual, precisamos de uma meta em direção à qual trabalhar, da mesma forma que uma flecha precisa de um alvo. Através da bodichita, a porta seguinte de acesso à prática nas tradições Mahayana e Vajrayana, continuamos a mirar no alvo da iluminação para benefício dos outros seres a cada momento que praticamos. Essa é a melhor meta possível.

A bodichita constitui a base, o fundamento de tudo o que fazemos, semelhante à raiz de uma árvore medicinal cujos galhos, folhas e flores produzem todos medicamentos que preservam a vida. A qualidade e pureza da nossa prática depende do fato dela permear cada um dos métodos que utilizamos. Com ela, tudo fica assegurado. Sem ela, nada funciona.

É por essa razão que, desde a primeira vez que ouvimos os ensinamentos, dizem-nos para estabelecer a liberação de todos os seres como o objetivo da nossa prática. Nós nos tornamos recipientes apropriados para os ensinamentos espirituais, e praticamos mudando nossa motivação de uma atitude de interesse próprio para uma atitude de altruísmo.

A bodichita possui três componentes: a geração de compaixão pelo sofrimento de todos os seres; a aspiração de chegarmos à iluminação a fim de alcançarmos a capacidade de beneficiar todos os seres, chamadas de bodichita da aspiração; e o fato de ativamente nos engajarmos no caminho da liberação a fim de realizarmos tal meta, chamada de bodichita da ação.

O termo tibetano para a expressão bodichita, em sânscrito, é chang chub sem. Chang significa a remoção dos obscurecimentos, chub, a revelação de todas as qualidades perfeitas internas, e sem, mente. Por meio da prática da mente de bodichita, purificamos obscurecimentos e fortalecemos nossas qualidades positivas intrínsecas, revelando a mente iluminada.

Os obscurecimentos da mente podem ser comparados ao barro que recobre um cristal que há muito tempo está enterrado no chão. Se pegarmos o cristal coberto por aquelas crostas, parece uma pelota de barro. No entanto, suas qualidades essenciais não foram por qualquer modo reduzidas; ficaram apenas obscurecidas. Se removermos e lavarmos o barro, o cristal aparecerá com clareza, suas qualidades se tornarão aparentes. Do mesmo modo, ao purificarmos e removermos os obscurecimentos da mente, revelamos nossa natureza verdadeira e cristalina.

Nós sempre buscamos por essa essência do lado de fora, embora ela se encontre em nosso interior. É como procurar por toda parte por um cavalo perdido, seguindo incontáveis pegadas pela floresta, apenas para descobrir, por fim, que o cavalo estava no porão da nossa casa o tempo todo.

A compaixão, o primeiro aspecto da bodichita, também existe, de forma intrínseca, dentro de nós. Embora tenhamos naturalmente um bom coração, geralmente ele é bastante limitado. Através da prática, podemos expor e ativar nossa compaixão perfeita e ilimitada.

Chang chub sem é, assim, tanto o método quanto o fruto da prática. Devido ao impulso da bodichita — a força e o poder da intenção de liberar os seres —, a essência da mente, que é como o Sol, se revela por completo, fazendo surgir, espontaneamente e sem esforço, benefícios para os outros, como o reflexo do Sol que pode ser visto em todos os corpos de água, em todos os recipientes que contenham água.

Começamos a prática de chang, a remoção dos obscurecimentos da mente, reduzindo nossa auto-importância e redirecionando nossa atenção para os outros. O hábito de nos focarmos em nós mesmos vem sendo reforçado a incontáveis vidas, razão pela qual estamos presos no samsara. Os Budas eliminaram os pensamentos egoístas e ordinários, cultivaram motivação altruísta e, assim, alcançaram a iluminação.

O desenvolvimento desse tipo de motivação repousa sobre quatro pedras fundamentais, chamadas as quatro qualidades incomensuráveis. A primeira delas é a eqüanimidade, uma atitude de igualdade para com todos os seres. Se conseguimos viver livres de preconceitos e prevenções, sem fazer divisão em nossa mente entre amigos e inimigos, então apreendemos a essência da existência e plantamos as sementes da felicidade e liberdade, para nós mesmos e para os outros.

Agora, nosso amor e compaixão estendem-se apenas a certas pessoas em certos tipos de situação, a nossos familiares, amigos e entes queridos, mas não a alguém que percebamos como um inimigo. Pode ser que não desejemos má sorte para pessoas desagradáveis ou perigosas; ainda assim, pode nos ser difícil deixar de nos regozijar quando algo de ruim acontece a elas. Nossa compaixão por uma criança doente pode vir, simplesmente, de nosso apego a ela. Através da prática da eqüanimidade, cultivamos, do fundo do coração, uma atitude nobre de compaixão por todos os seres sem distinção. A menos que tenhamos esse tipo de pureza de coração, nossa prática permanecerá superficial — não entenderemos, de verdade, o propósito do Darma.

Desenvolvemos eqüanimidade, em primeiro lugar, dando-nos conta de que todos os seres, igualmente, desejam a felicidade. Ninguém quer sofrer. Em segundo lugar, contemplamos o fato de que todos os seres, em uma ou outra ocasião, ao longo de incontáveis vidas, já foram nossa própria mãe. O Buda Sakiamuni e outros Budas e bodisatvas, que removeram o barro da natureza cristalina de suas mentes e se tornaram oniscientes, ensinaram que não há um único ser que não tenha sido nossos pais, algo que nós também poderíamos perceber, se assim purificássemos nossa mente. Cada ser — não importa quão antagónico a nós possa ser agora — já foi tão bondoso e importante para nós quanto nossos pais nesta vida. Uma pessoa que agora desempenha um papel aparentemente insignificante ou mesmo ameaçador em nosso drama pessoal, foi outrora amorosa e prestativa.

A fim de adquirirmos apreciação dessa bondade, precisamos reconhecer a enorme generosidade dos nossos pais. Antes de mais nada, eles nos deram de presente o nosso corpo humano. Após a morte em nossa última encarnação, quando nossa mente mergulhou no bardo, o estado intermediário amedrontador e caótico que há entre a morte e o próximo renascimento, fomos jogados de um lado para outro sem defesa, como uma pluma ao vento, sem qualquer ponto de apoio ou de referência estável, experimentando visões e sons terríveis. Por fim, encontramos segurança no ventre de nossa mãe no momento da concepção. Daí por diante, ela nos carregou em seu corpo por nove ou dez meses, suportando desconforto e talvez enfermidade para nos oferecer nosso nascimento humano.

Quando estávamos indefesos no berço, nossa mãe nos dedicou cuidado e proteção, para que pudéssemos crescer fortes e sadios. Se ela não tivesse nos alimentado, ou pedido a uma outra pessoa que fizesse isso, seguramente teríamos morrido.

Ela salvou nossa vida, quando crianças, vez após vez, protegendo-nos de cair, de comer coisas que nos deixariam doentes, de nos aproximar demais do fogo, da água, do trânsito. Ela nos deu de comer e de vestir, nos lavou e manteve limpa a nossa casa. Pense quanto teríamos que gastar agora para que alguém viesse limpar a nossa casa ou cozinhar para nós. Hoje em dia, quando alguém nos dá uma xícara de chá ou alguma pequena coisa, sem pedir pagamento, consideramos a pessoa imensamente bondosa. Essa bondade, porém, esmaece em comparação à generosidade de nossa mãe.

Nossa capacidade de falar, de nos portar na sociedade, de conviver com os outros são todas dádivas de nossos pais. Em vez de nos comprazermos com nossa própria inteligência, deveríamos nos lembrar de que houve um tempo em que não sabíamos dizer uma única palavra, não sabíamos como nos alimentar, nos vestir e nos limpar. Palavra por palavra, nossa mãe e nosso pai nos ensinaram a falar. Eles nos ajudaram a aprender como andar, como comer, como nos vestir. Eles foram nossos primeiros professores.

Nesta e em incontáveis vidas passadas, os outros seres nos devotaram bondade por todos esses meios mundanos. Eles também têm uma importância essencial para nosso desenvolvimento espiritual, no sentido de que a liberação deles é a finalidade da nossa prática, o alicerce da nossa motivação altruísta, sem a qual não poderíamos alcançar a iluminação. Ponderando essas questões, começamos a experimentar uma profunda sensação de gratidão e adquirir consciência de nossa dívida para com eles.

Desse modo, ao cultivarmos eqüanimidade, reconhecemos que todos os seres foram nossas mães, em algum momento. Então, cultivamos apreciação pela bondade que eles nos dedicaram e o desejo de oferecer retribuição. Dessa maneira, desenvolvemos uma motivação mais elevada, a de beneficiarmos todos os seres, não apenas de uma perspectiva temporária, mas com a mais perfeita forma de retribuição possível: alcançarmos a iluminação para podermos ajudar os outros a fazer o mesmo.

Um aluno ocidental certa vez perguntou a um lama, "Eu tenho problema em pensar que os seres uma vez foram minha mãe. A minha mãe nunca foi boa comigo. Nós tivemos um péssimo relacionamento. Então, toda vez que eu me sento para meditar sobre bodhicitta, penso na minha mãe e fico irritado e com raiva. Será que eu posso simplesmente esquecer de pensar na minha mãe por enquanto?"

O lama disse ao aluno que o objetivo era desenvolver compaixão por todos os seres, inclusive a nossa mãe, mas não importava a ordem em que isso fosse feito. Ele disse que no Tibet e na Índia as pessoas consideram sua mãe a mais bondosa, a mais maravilhosa pessoa imaginável. Quando um principiante precisa de um acesso fácil para a prática, o professor usa os sentimentos ligados à mãe como base para se cultivar calor humano e compaixão pelos outros.

O lama acrescentou, "Se você acha que um método melhor para você é desenvolver compaixão por todos os outros seres primeiro, e então pela sua mãe, não há problema. O importante é, ao final, termos compaixão por todos os seres, inclusive nossa mãe".

Por fim, reconhecemos a igualdade de todos os seres no sentido de que a natureza intrínseca da cada um deles, do menor inseto ao maior praticante detentor de realização, é a pureza primordial.

Quando passamos a compreender essa igualdade —no sentido de que todos querem ser felizes, todos sofrem, todos nos dedicaram a bondade de um pai ou uma mãe, todos possuem natureza búdica — geramos compaixão por todos eles sem exceção, ao reconhecer sua situação trágica: embora apenas queiram ser felizes, por ignorância criam as condições que perpetuam seu sofrimento.

A própria compaixão, a aspiração de que o sofrimento venha a cessar, é a segunda qualidade incomensurável. Um potente antídoto para a auto-importância e o interesse próprio, a compaixão, de forma mais imediata, nos ajuda a liberar nosso foco implacável em nós mesmos e em nossos problemas. E também é benéfica a longo prazo, pois mesmo um ou dois minutos de compaixão, sentida em nosso coração, purifica quantidades imensas de carma.

Como é que geramos compaixão? Começamos contemplando as dificuldades dos outros seres e, então, nos colocamos no lugar deles. Começamos com o sofrimento no retiro, já que a princípio pode ser difícil contemplarmos a angústia dos seres nos demais remos.

Contemplamos as dificuldades de uma ou duas pessoas que conhecemos e, lentamente, com a prática, ampliamos nosso foco para incluir mais e mais, até que o sofrimento de todos os seres tenha verdadeiro significado para nós. Recordamo-nos da dor dessas pessoas de maneira tão viva que podemos praticamente vê-la diante de nossos olhos.

Imagine, por exemplo, alguém próximo de você morrendo, talvez num hospital, cercado por amigos e familiares. Quando o sofrimento dessa pessoa se torna real para você, coloque-se no lugar dela. Seus amigos e familiares queridos estão chorando, implorando-lhe que não morra. O médico diz que lhe restam apenas uns poucos minutos de vida. A respiração vai ficando mais difícil e você está aterrorizado. Você não sabe o que o espera. Tudo o que lhe é familiar, mesmo seu próprio corpo, terá que ser deixado para trás. Nem um tostão do dinheiro que você acumulou irá consigo, nem um único amigo ou parente irá atrás de você, por mais queridos que eles possam ser a você, ou você a eles.

Ou, em vez de contemplar o infortúnio de uma pessoa que você conheça, você poderia imaginar alguém que viva num país assolado pela seca, onde famílias, mesmo aldeias inteiras, estejam morrendo de fome. Ponha-se no lugar daquela pessoa. Visualize-se entre os poucos familiares queridos que ainda não morreram, cuja vida se prolonga à beira da morte. Você sabe que você, também, logo irá morrer; simplesmente não resta nada para comer. Você se sente fraco demais para ajudar seus parentes que sobrevivem, e eles estão fracos demais para ajudá-lo. Vocês estão todos impotentes diante da morte.

Você poderia imaginar alguém que morre na guerra e, então, se colocar no lugar dessa pessoa. Seu melhor amigo foi morto, está estirado ao seu lado, e você próprio está ferido, esvaindo-se em sangue, sem conseguir se mexer. Todos à sua volta estão morrendo ou ocupados demais para lhe prestar atenção. Você se sente completamente só e aterrado.

Ou você poderia contemplar a situação angustiosa de uma pessoa idosa. Visualize um tempo em que seus próprios filhos, que você criou com tamanho cuidado por tantos anos, não queiram saber de ajudá-lo, sequer de ouvi-lo. Talvez estejam esperando ansiosamente por sua morte. Você não consegue mais cuidar de si próprio, nem seus filhos cuidam de você. Talvez você esteja solitário numa clínica de repouso, onde seus filhos o visitam apenas uma ou duas vezes por ano. Seus amigos não o respeitam mais; eles não o ouvem mais. Você gostaria de se movimentar, agir, falar como fazia quando era mais jovem, mas falta-lhe capacidade para isso.

Ao examinar cada uma dessas situações, um medo tremendo aparece. Nesse momento, pergunte-se, "Se eu sinto tanto medo assim simplesmente ao contemplar este sofrimento, como é que devem se sentir aqueles que realmente o vivenciam?"

Então, pense no fato de que muitas pessoas, por todo o mundo, estão ferindo outras. Elas estão criando carma negativo que acabará por lhes prejudicar, e sequer se dão conta disso. Elas pensam que estão fazendo a coisa certa, mas estão apenas se destruindo.

Quando você contempla dessa forma, brotam intensas em seu coração a compaixão e a aspiração de ajudar tanto aqueles que estão atualmente sofrendo, quanto aqueles que estão plantando as sementes de seu sofrimento futuro. Reconheça sua boa sorte relativa, e então assuma o compromisso de fazer tudo o que puder para criar benefícios. Você escutou os ensinamentos do Darma; você conta com alguns métodos para purificar as causas e condições do sofrimento. Estes seres, porém, que já lhe dedicaram todos a bondade de uma mãe, não contam com nada. Como isso é trágico.

No budismo Mahayana, uma grande compaixão, uma compaixão eqüânime por todos os seres — amigos e inimigos — é crucial. Com esse alicerce sólido, mesmo se você não tentar alcançar a iluminação, ela estará na palma da sua mão. Se, no entanto, você não cultiva compaixão e é motivado apenas pelo desejo egoísta de escapar do sofrimento, você não atingirá a meta última.

A compaixão é realçada pela terceira qualidade incomensurável: um amor que se estende igualmente a todos. O amor é o desejo sincero de que cada ser vivencie tanto a causa quanto o fruto da felicidade, temporária e definitiva. Estabelecemos o compromisso de fazer todo o esforço — físico, verbal e mental — para que isso venha a ocorrer.

Quando nos empenhamos para trazer felicidade para os outros, precisamos fazer isso com pureza de coração. Se houver qualquer interesse próprio mesclado com nossos esforços, um insucesso irá nos levar a arrependimento, e esse arrependimento anulará a virtude de nossa ações.

Para nos ajudar a desenvolver a capacidade de manifestar amor puro e altruísta por todos os seres, há um método chamado meditação tonglen. Começamos gerando compaixão, com a contemplação da condição dolorosa dentro da qual vivem os demais seres. Então, quando respiramos, imaginamos que estamos inspirando o sofrimento e o carma negativo de todos os reinos da existência, sob a forma de uma luz preta. Quando expiramos, visualizamos que todo o nosso amor, alegria e boa fortuna se irradiam para os outros seres como uma luz branca.

A princípio, você pode sentir relutância em praticar essa meditação, temendo que ela possa prejudicá-lo por algum modo. Porém, se você tiver a intenção altruísta de ajudar os outros, suas dúvidas irão desaparecer e a prática fará crescer suas qualidades positivas. Somente seu próprio medo pode prejudicá-lo, pois ele age como um imã para negatividades.

Depois de praticar essa meditação intensamente, com o coração puro, você começará a se ver como um veículo para a felicidade dos outros. Não só seu amor e compaixão crescerão, como também você verificará que passou a ter menos pensamentos negativos, a cometer menos atos prejudiciais; o apego a seu próprio eu começará a se soltar, e seu carma será purificado. Em termos ideais, desenvolvemos a capacidade de amor que caracteriza a mente de bodhicitta a uma medida tal que, sem temor, hesitação nem arrependimento, daríamos ou faríamos qualquer coisa para ajudar uma outra pessoa.

Em muitas de suas vidas ao longo do caminho do bodhisattva, o Buda Sakiamuni entregou seu próprio corpo em benefício dos outros seres. Em uma determinada vida, ele era o filho do meio de um rei que tinha três filhos. Certo dia em que havia se perdido na floresta com seus dois irmãos, ele se deparou com uma tigresa e seus cinco filhotes, que estavam morrendo de fome. A tigresa não conseguia mais se mover e não tinha leite para alimentar sua ninhada, O príncipe pensou, "Quantas vezes em minhas vidas passadas eu tentei salvar a mim mesmo? Eu pensei apenas na minha própria segurança, e morri vez após vez, sem beneficiar ninguém. Meu corpo é impermanente; de qualquer modo, não vai durar muito. Se ele pode ter uso para essa tigresa e seus filhotes, que assim seja".

Ele mandou seus irmãos para longe, à procura de frutas, e deitou-se ao lado da tigresa. Ela, porém, estava fraca demais para devorá-lo. Como não tinha uma faca, o príncipe quebrou um talo de bambu, abriu seu pulso com ele e deixou o sangue pingar dentro da boca da tigresa. Então, cortou pedaços de sua carne e deu de comer a ela. À medida que a tigresa lentamente ia recuperando as forças, ele mais e mais perdia as suas; porém, não abrigava nenhum ressentimento. Dedicou sua vida não apenas àquela mãe e seus filhotes, mas a todos os demais seres, e então morreu.

Naquele momento, a mãe do menino teve um sonho no qual havia no céu três sóis, sendo que o do meio entrava em eclipse. Ela acordou sabendo que algo havia acontecido com seu filho do meio, e testemunhou fenômenos extraordinários — a terra tremeu, uma chuva de flores caiu, música e hinos de louvor ecoaram.

O cabelo e os ossos do príncipe foram colocados em uma stupa, um monumento à natureza da mente, em um local sagrado conhecido como Namo Buda, no Nepal. Muitas pessoas ainda hoje conseguem grandes benefícios, purificando vastas quantidades de carma, ao circumambular essa stupa.

A última das quatro qualidades incomensuráveis é o regozijo: a atitude de nos comprazermos com a felicidade dos outros. Regozijamo-nos com as bênçãos mundanas de que os outros desfrutam — sua saúde, riqueza, relacionamentos maravilhosos — e com sua boa fortuna espiritual. Não permitimos que a inveja tome conta de nossa pessoa, nem nos perguntamos, "Por que é que eles conseguem isso ou aquilo, e não eu?". Em vez disso, formulamos a aspiração de que a felicidade deles seja duradoura, e fazemos tudo o que está a nosso alcance para que isso aconteça.

Ao nos regozijarmos com a virtude dos outros, criamos tantas virtudes quanto eles possuem. Do mesmo modo, se nos alegramos com a desventura de alguém, criamos tanta não-virtude quanto a pessoa que provocou essa desventura.

No tempo do Buda Sakiamuni, dois meninos estavam mendigando comida diante do palácio de um rei, O rei havia convidado o Buda e seu séquito para almoçar, e uma refeição maravilhosa havia sido preparada. Um dos meninos pôs-se a pedir comida, antes que fosse oferecida ao Buda. Ninguém deu-lhe nada para comer, e ele ficou com muita raiva. Ele pensou, "Se eu fosse um rei, iria cortar a cabeça do Buda, a deste rei e a de todas as pessoas que o estão ajudando".

O outro menino esperou até que o Buda e o seu sequito houvessem se servido. Então, pediu a comida que havia sobrado e recebeu tanto quanto conseguia comer. Ele pensou consigo, "Que rei maravilhoso. Que grande mérito ele criou ao convidar o Buda para almoçar e ao demonstrar generosidade àqueles que são pobres como nós. Se eu fosse rei, todas as minhas posses ofereceria ao Buda e também aos pobres".

Depois do almoço, os meninos se separaram. O menino de bom coração pôs-se a caminhar, atravessou a fronteira e foi parar em um reino vizinho. Ele se deitou para dormir, protegido do calor pela sombra de uma árvore. Sem que ele soubesse, o rei daquela região havia morrido, e seus ministros estavam à procura de alguém que tivesse as qualidades e méritos para ser o novo rei. As pessoas da aldeia onde o menino dormia notaram que, ao longo do dia, embora o Sol mudasse de posição no céu, a sombra nunca se movia de onde o menino se deitara. Julgando isso extraordinário, relataram o fato aos ministros.

Quando receberam a notícia, os ministros ordenaram que o menino de bom coração fosse incluído entre os candidatos ao trono, os quais deveriam comparecer perante uma grande reunião de todos os súditos do rei, O novo rei seria escolhido por um elefante muito especial. No dia marcado, o elefante aproximou-se daquele menino pobre e maltrapilho, que estava bem no fundo do grupo de candidatos, ungiu sua cabeça com a água especial de um vaso, levantou-o com a tromba e colocou-o sobre o trono.

Enquanto isso, o menino raivoso adormeceu no jardim do rei. Uma carroça que passava por perto se desgovernou e tombou sobre seu corpo, cortando-lhe o pescoço e o matando.

A princípio, a prática das quatro qualidades incomensuráveis requer esforço. Um a um, soltamos os nós que nos amarram — os venenos, enganos e ilusões da mente. A eqüanimidade reduz o orgulho, o regozijo reduz a inveja, a compaixão reduz o desejo e o amor reduz a raiva e a aversão. A medida que a raiva diminui, desponta a sabedoria que é como o espelho; à medida que o desejo diminui, desponta a sabedoria que discrimina, e assim por diante. À medida que a nossa prática amadurece e a sabedoria é revelada, as quatro qualidades incomensuráveis brotam naturalmente, sem esforço, da mesma forma que os raios de luz e calor emanam do Sol.

Embora muitas pessoas pensem que possam reconhecer a sabedoria diretamente, isso não é tão fácil. Até que os nós comecem a se desatar, a consciência intrínseca e primordial não será algo evidente. É por intermédio das quatro portas do amor, com paixão, alegria e eqüanimidade que podemos entrar no mandala da natureza absoluta da mente.

PORTÕES DA PRÁTICA BUDISTA – Chagdud Tulku Rinpoche




Web hosting by Somee.com