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SUTRA DE HUI-NENG - SUTRA DA PLATAFORMA
Capítulo III. Dúvidas e Questionamentos
O Sutra do VI Patriarca Hui-Neng
NO ALTO ASSENTO "DO TESOURO DO DHARMA"
Traduzido ao Inglês por A.F.Price e Wong Mou-Lam
Traduzido ao Português por Cláudio Miklos


Um dia o Magistrado Wei recepcionou o Patriarca e lhe pediu que orasse junto a uma grande assembléia. Ao término do evento, o Magistrado Wei pediu-lhe que subisse ao púlpito (o qual o Patriarca consentiu). Depois de curvar-se reverentemente duas vezes, em companhia de outros funcionários, estudiosos, e cidadãos, disse o Magistrado Wei, "Eu ouvi a oração de Sua Santidade. Foi algo realmente tão profundo que está além de nossas mentes e palavras, mas tenho certas dúvidas que espero o senhor possa esclarecer para mim". "Se o senhor tem qualquer dúvida," respondeu o Patriarca, "por favor pergunte, e eu explicarei".

"O que o senhor prega são os princípios fundamentais ensinados por Bodhidharma, não são?"

"Sim," respondeu o Patriarca.

"Me foi dito," afirmou o Magistrado Wei, "que na primeira entrevista de Bodhidharma com o Imperador Wu de Liang aquele foi perguntou sobre quais méritos o Imperador conseguiria adquirir através do trabalho de sua vida, construindo templos, permitindo que novos monges fossem ordenados (o consentimento real era necessário naquela época), dando esmolas e sustentando a Ordem; e a resposta dele era que estes atos não trariam nenhum mérito. Agora, eu não posso entender por que ele deu tal resposta. Poderia o senhor nos explicar, por favor?". "Estes atos não trariam nenhum mérito," respondeu o Patriarca. "Não duvide das palavras do Sábio. A mente do Imperador Wu estava sob uma errônea impressão, e ele não conhecia o ensino ortodoxo. Tais ações como construir templos, permitir novos monges serem ordenados, dar esmolas e manter a Ordem lhes trarão apenas gratidão, que não deveria ser considerada como méritos. Méritos são achados no Dharmakaya, e eles não têm nada a ver com práticas que conduzem a agradecimentos."

O Patriarca continuou, "A realização da Essência da Mente é Kung [honra, bons atos], e equanimidade é Tak [virtude, boa índole]. Quando nossa atividade mental trabalha sem qualquer impedimento, de forma que estamos em uma posição de constantemente saber o verdadeiro estado e o misterioso funcionamento de nossa própria mente, é dito que adquirimos Kung Tak (méritos). Internamente, manter a mente em um estado humilde [simples] é Kung; e externamente, comportar-se de acordo com a dignidade é Tak. [Saber] Que todas as coisas são a manifestação da Essência da Mente é Kung, e [saber] que a quintessência da mente é livre de pensamentos inativos é Tak. Não se desviar da Essência da Mente é Kung, e não poluir a mente usando-a é Tak. Se vós buscais méritos no Dharmakaya, e fizerdes o que acabo de dizer, o que ireis adquirir serão méritos reais. Aquele que trabalha por méritos não despreza a outrem; e em todas as ocasiões ele trata todo mundo com respeito. Aquele que tem hábito de desprezar os outros ainda não livrou-se da idéia errônea de um ego, o que indica falta de Kung. Por causa de seu egoísmo e seu desprezo para com os outros, ele não conhece a real Essência da Mente; e isto mostra sua falta de Tak. Virtuosa Audiência, quando nossa atividade mental trabalha sem interrupção, então há Kung; e quando nossa mente funciona de uma maneira direta, então há Tak. Treinar nossa própria mente é Kung, e treinar nosso próprio corpo é Tak. Virtuosa Audiência, méritos deveriam ser buscados dentro da Essência da Mente e eles não podem ser adquiridos através de caridade, apoio a monges, etc. Nós deveríamos saber distinguir entre gratidão e méritos. Não há nada errado com o que nosso Patriarca disse. Foi o próprio Imperador Wu quem não soube [trilhar] o verdadeiro caminho". Magistrado Wai fez a então próxima pergunta. "Eu noto que é uma prática comum para os monges e leigos recitar o nome de Amitabha com a esperança de renascer na Terra Pura do Oeste. De forma a clarear minhas dúvidas, poderia o senhor falar-me por favor se é possível renascer ou não em tal lugar?"

"Escute-me cuidadosamente, Senhor," respondeu o Patriarca, "e eu explicarei. De acordo com o Sutra falado pelo Bhagavat [O Buda] na Cidade de Shravasti sobre conduzir as pessoas à Terra Pura do Oeste, está bastante claro que a Terra Pura não está longe daqui, pois sua distância em milhas é de 108,000, o que realmente representa o ‘dez males’ e os ‘oito erros’ dentro de nós. Certamente para aqueles de mentalidade inferior isto parece muito longe, mas aos homens de mentalidade superior podemos dizer que está bastante próximo. Embora o Dharma seja uniforme, os homens variam em sua [seu nível de] mentalidade. Porque eles diferem um para o outro em seu grau de esclarecimento ou ignorância, então alguns entendem o Dharma mais rápido que outros. Enquanto os homens ignorantes recitam o nome de Amitabha e rezam para renascer na Terra Pura, os esclarecidos purificam a mente, pois, como o Buda disse, ‘Quando a mente fica pura, a Terra de Buda fica simultaneamente pura.’" "Embora o senhor seja um nativo do Leste, se sua mente é pura o senhor está livre de erros [sem elementos mentais poluidores]. Por outro lado, até mesmo se o senhor for um nativo do Oeste uma mente impura não o poderá livrar do erro, Quando as pessoas do Leste cometem um erro, elas recitam o nome de Amitabha e rezam para nascer no Oeste; mas no caso dos nativos do Oeste que porventura cometem erros, onde eles deveriam pedir para nascer? Os homens comuns e as pessoas ignorantes não entendem a Essência da Mente nem a Terra Pura dentro deles, assim desejam nascer no Leste ou o Oeste. Mas para os esclarecidos todos lugares são iguais. Como o Buda disse, ‘Não importa onde eles possam estar, eles sempre estarão contentes e confortáveis.’

"Senhor, se sua mente está livre do mal o Oeste não está longe daqui; mas difícil realmente seria para aquele cujo coração [a mente] é impuro nascer lá invocando Amitabha!

"Agora, eu vos advirto, Virtuosa Audiência, primeiro a abandonar os ‘dez males’; então teremos viajado cem mil milhas. Para o próximo passo, vós deveis abandonar os ‘oito erros’, e isto significará outras oito mil milhas atravessadas. Se nós podemos perceber a Essência da Mente a toda hora e podemos nos comportar de uma maneira correta em todas as ocasiões, no piscar de um olho nós podemos alcançar a Terra Pura e lá poderemos ver Amitabha.

"Se vós pusésseis em prática as dez boas ações, não haveria nenhuma necessidade de nascerdes lá. Por outro lado, se vós não abandonardes os ‘dez males’ em vossas mentes, que Buda seria capaz de vos levar para lá? Se vós entenderes a Doutrina do Não-Nascimento (que põe um fim ao ciclo de nascimento e morte) da Escola ‘Súbita’, vós ireis levar um só momento para ver o Oeste. Se não entendeis, como podereis alcançar tal região recitando o nome de Amitabha, sendo a distância tão grande? "Agora, vós gostaríeis que eu fosse para a Terra Pura em vossa presença neste mesmo instante, de forma que vós todos pudessem vê-la?" A congregação fez reverência e respondeu, "Se nós pudéssemos ver a Terra Pura aqui, não haveria nenhuma necessidade de desejar renascer lá. Sua Santidade amavelmente nos permitirá vê-la removendo-a daqui. O Patriarca disse, "Senhores, este nosso corpo físico é como uma cidade. Nossos olhos, orelhas, nariz e língua são os portões. Há cinco portões externos, enquanto o interno é o Pensamento. A mente é o solo. A Essência da Mente é o Rei que vive no domínio da mente. Enquanto a Essência da Mente está presente, o Rei está presente, e nosso corpo e mente existem. Quando a Essência da Mente está ausente, nenhum Rei existe e nosso corpo e mente decaem. Nós deveríamos trabalhar em busca do Estado Búdico dentro da Essência da Mente, e não deveríamos procurá-lo fora de nós mesmos. Aquele que é mantido ignorante de sua Essência da Mente é um ser comum. Aquele que é iluminado pela sua Essência da Mente é um Buda. Ser misericordioso é Avalokitesvara (um dos dois principais Bodhisattvas da Terra Pura). Ter prazer em oferecer caridade é Mahasthama (o outro Bodhisattva). Competência para uma possuir vida pura é Sakyamuni (um dos títulos de Gautama Buda). Igualdade e franqueza é Amitabha. A idéia de um ego (Atma) ou de um Ser é o Monte Meru. Uma mente corrompida é o oceano. Klesa (corrupção) são as ondas. Maldade é o dragão mau. Falsidade é o demônio. Os objetos de sensação que nos obstaculam são os animais aquáticos. Cobiça e ódio são os infernos. Ignorância e arrogância são as feras.

"Virtuosa Audiência, se vós constantemente executares as dez boas ações, o paraíso vos aparecerá imediatamente. Quando vós vos libertares da idéia de um ego e de um ser, o Monte Meru tombará. Quando a mente não mais for corrompida, o oceano (de existência) secará. Quando vos libertares de klesa, vagas e ondas (do oceano de existência) tranqüilizar-se-ão. Quando a maldade for estranha a vós, peixes e dragões desaparecerão. "Dentro do domínio de nossa mente, há um Tathagata de Esclarecimento enviando uma luz poderosa que ilumina externamente os seis portões (das sensações) e os purifica. Esta luz é forte o bastante para penetrar os seis Céus de Kama (céus de desejo); e quando é virada para dentro da Essência da Mente, elimina os três elementos venenosos imediatamente, purgando os pecados [contaminações mentais] que poderiam nos conduzir aos infernos ou outros reinos maus, e nos ilumina completamente por dentro e por fora, de forma que nenhum de nós será diferente daqueles nascidos na Terra Pura do Oeste. Agora, se nós não praticamos desta forma, como podemos alcançar a Terra Pura ?"

Tendo ouvido o que disse o Patriarca, a congregação percebeu muito claramente sua Essência da Mente. Eles fizeram reverência e exclamaram em uma voz, "Bem dito!" Eles também cantaram, "Possam todos os seres sensíveis deste Universo que ouvirem este sermão imediatamente compreendê-lo intuitivamente."

O Patriarca acrescentou, "Virtuosa Audiência, esses que desejam se treinar (espiritualmente) podem assim proceder em casa. É bastante desnecessário que eles vivam em monastérios. Esses que praticam em casa [com diligência] podem ser comparados a um nativo do Leste que seja bondoso, enquanto aqueles que vivem em monastérios mas negligenciam sua prática não diferem de um nativo do Oeste que seja mau em coração. Até onde a mente for pura, ela será a ‘Terra Pura Ocidental da sua própria Essência da Mente.’" O Magistrado Wei perguntou, "Como nós deveríamos nos treinar em casa? Por favor, tenha a gentileza de nos ensinar."

O Patriarca respondeu, "Vos darei um verso ‘Sem Forma’. Se vós puserdes este ensino em prática estareis na mesma posição daqueles que permanentemente estão comigo. Por outro lado, se vós não praticares este ensino, que progresso podereis fazer no caminho espiritual, embora cortásseis vossos cabelos e partísseis de casa para sempre (i.e., juntar-se a uma Ordem)? Os versos dizem:"

Para uma mente correta, a observação de preceitos (Sila) é desnecessária. Para o comportamento adequado, a prática em Dhyana (contemplação) pode ser dispensada.
Pelo princípio da gratidão, nós apoiamos nossos parentes e os servimos filialmente.
Pelo princípio da retidão, o superior e o inferior estão à serviço um do outro (em tempos de necessidade).
Pelo princípio do mútuo desejo de agradar, o mais velho e o mais jovem vivem em termos afetuosos.
Pelo princípio da paciência, nós não brigamos nem mesmo em meio a uma multidão hostil.
Se nós podemos perseverar até o fogo poder ser obtido pelo friccionar de um pedaço de madeira, Então o lótus vermelho (a natureza Búdica) libertar-se-á do negro lodaçal (o estado ignorante).
Aquilo que é de gosto amargo tende a ser um bom remédio.
Aquilo que soa desagradável ao ouvido pode ser um conselho honesto.
Reparando nossos enganos, adquirimos sabedoria

Desculpando nossas faltas, demonstramos uma mente insalubre. Em nossa vida diária nós deveríamos praticar sempre o altruísmo, Mas o Estado Búdico não será atingido dando-se dinheiro como caridade. Bodhi será encontrado dentro de nossa própria mente, E não há nenhuma necessidade de procurar misticismos externos. Os ouvintes destes versos que puserem estes ensinamentos realmente em prática Irão encontrar o paraíso em sua própria presença. O Patriarca acrescentou, "Virtuosa Audiência, todos vós deveríeis pôr em prática o que é ensinado nestas versoss, de forma que podereis perceber a Essência da Mente e atingir o Estado de Buda diretamente. O Dharma não espera por ninguém. Eu estou regressando para Ts’ao Ch’i, portanto a assembléia pode se dispersar agora. Se tiverdes quaisquer perguntas, podereis ir até lá e as apresentarem [a mim]." Neste momento o Magistrado Wei, os funcionários governamentais, homens piedosos, e as senhoras devotas que estavam presentes ficaram todos esclarecidos. Fielmente eles aceitaram o ensinamento e o puseram em prática.


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