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Palestra realizada em Sydney a 7 de maio de 1982 do livro "Viver é relacionar-se" de Vimala Thakar Sinto que somos uma humanidade confusa. Parecemos ter perdido o senso de direção, o propósito da vida e do porque vivemos, e nos embaraçamos em muitas contradições. Cada um, individualmente, quer paz; cada nação, individualmente, não só deseja, mas também precisa de paz; e, mesmo assim, nos preparamos para guerras e nos engajamos em lutas, descuidada e impensadamente. Vemos sociedades ricas em muitos países, um maravilhoso avanço da ciência e da tecnologia entretanto, ainda não aprendemos como desfrutar e utilizar a riqueza para o nosso próprio bem-estar, como usufruí-la sem prejudicar os interesses de outras pessoas. Temos instituições organizadas, denominações religiosas e seitas espiritualistas, porém, ainda não aprendemos, como raça, a comungar com a vida ao nosso redor. Queremos liberdade. Intelectualmente, aspiramos por ela, mas emocionalmente não estamos preparados para suportar a tensão de estar sozinhos que a liberdade requer. Não nos equipamos com a capacidade de uma auto-restrição voluntária que a liberdade requer. Parece-me que, depois de habitar o globo por milhões de anos, nós, como raça, ainda estamos perplexos, embaraçados, em conflito com nós mesmos e uns com os outros. Espero que percebamos a gravidade da situação. A simples verdade é: nós ainda não aprendemos a viver. Eu me pergunto quantos são invadidos por perguntas como: "O que é viver? Como viver? O que é a vida, o movimento da vida fluindo incessantemente em volta e dentro de mim?" Ficamos perplexos, confusos e, então, entramos em depressão, sentimos piedade de nós mesmos, e permitimos a liberação de energias negativas onde quer que vamos. Porém, raramente ficamos sozinhos e nos questionamos: "Por que esta confusão, estas contradições? Será que existe um fim para este jogo estúpido de luta, de exploração e de assassinato de uns pelos outros, aspirando por paz e nos preparando para a guerra? Há um fim para tudo isso? Haverá um fim para essa desordem com a qual nos deparamos no mundo e em nossas próprias vidas?" Quem vai pôr um fim em tudo isso? Estamos esperando por um salvador que vem do Oriente ou do Ocidente, ou que aconteça algum milagre? Eu me pergunto como vocês todos encaram essa questão — se é que ela passa pela mente de vocês. Essas palestras vão para os que sentem a necessidade de se questionarem, de salvarem sua própria sanidade, o equilíbrio interior em suas próprias vidas e de saírem dessa confusão e do estado de perplexidade imediatamente. Parece que não há salvadores nos campos econômico, político ou religioso. Racionalmente, olhando ao redor, não vemos nenhuma chance de que as guerras cheguem a um fim. A despeito das religiões organizadas, individualmente somos infelizes, não estamos em paz com nós mesmos. Se temos tempo disponível ou se chegamos à riqueza, não sabemos como usá-los. Será que nos perguntamos: "Por onde começo? Não há ninguém mais para me ajudar? Ninguém me ajudará sem me explorar, sem exigir de mim a aceitação de uma autoridade?" Então, conservando nossa própria liberdade e a integridade da nossa própria iniciativa, será que podemos encontrar um caminho fora desta situação, fora das circunstâncias desesperadoras da atualidade? Se um tal questionamento pode nascer no coração, então, acho que há alguma esperança para o futuro da raça humana, porque vocês e eu, as assim chamadas pessoas comuns, somos a realidade. Temos de resolver nossos problemas por nós mesmos. Temos de enfrentar os desafios usando nossos próprios recursos. Portanto, dizemos que queremos salvar nossa própria sanidade, que gostaríamos de ver se há alguma semente de violência dentro de nós, se há conflitos e contradições dentro de nós, se pode haver uma maneira de viver completamente diferente. Questionar a validade do que existe e estimular em todo o ser uma vontade de explorar uma forma de vida inteiramente nova é o conteúdo de uma investigação religiosa. Uma investigação religiosa não começa com um ideal de que há um Deus e de que devemos ir e descobri-lo; ou de que há uma alma ou atma, e dizemos que devemos encontrá-la. Uma investigação religiosa começa com os fatos da nossa própria vida, aqui e agora. Espero realmente que, através destas palestras, possamos pôr de lado todo o sentido de mistério sobre a investigação espiritual ou religiosa. Não há nada de misterioso; trata-se de uma ciência da vida. Somos uma parte do mundo, da sociedade. A violência, os conflitos que encontramos à nossa volta também têm suas raízes dentro de nós. Como lidamos com isso? É muito difícil para nós nos inteirarmos seriamente dos fatos da nossa própria vida. Sentimo-nos vítimas das estruturas sociais, econômicas e políticas. Os outros são culpados; a responsabilidade é dos outros. Não percebemos que somos partes do todo, da sociedade, e que contribuímos, pela nossa própria maneira de viver, para a violência, para a agressão e para as injustiças que existem. A ação social começa com a nossa própria vida. Uma investigação religiosa, com a conscientização da situação do mundo, é o começo da ação social direta e penetrante, porque se começa a lidar com o ser humano, um espécime da humanidade coletiva. Então, voltamo-nos para nós mesmos e dizemos: "Há alguma coisa errada em minha vida?" Desta maneira, podemos descobrir muitos erros, conflitos e contradições. Não vamos fingir que não somos escravos de nossa mente, de nosso corpo, e seguir repetindo padrões de hábitos que nos dão conforto e prazer. Não há ninguém para nos ajudar, exceto a vida à nossa volta. Estamos nos examinando internamente, e não estamos fugindo de nossa vida em busca de um mestre. Começamos a investigação por nós mesmos; então descobrimos que, realmente, somos escravos de muitos hábitos. O que chamamos de nossa vida é somente uma cadeia de reações, de atividade repetitiva. Reagimos a coerções internas e externas. Nossa vida é um movimento de reações, de hábitos padronizados. Os impulsos em nosso corpo criam coerções, reagimos a elas e sentimos que estamos nos movendo. O mesmo ocorre com as emoções, pensamentos e sentimentos que têm sido alimentados dentro de nós pela família e pela sociedade. No começo desta investigação, percebemos que não sabemos o que é uma ação independente, e que temos apenas reagido. O primeiro movimento, de manhãzinha ou no começo do dia, não é uma atividade voluntária, nascida da nossa doce iniciativa, porém, apenas uma reação a uma necessidade, a uma coerção. Levantamo-nos cedo porque temos de ir trabalhar e, não fosse este o caso, dormiríamos até tarde. Tomamos as refeições seguindo a tradição, e não procuramos saber se é uma alimentação que convém realmente ao corpo. Repetimos prazeres sensuais, sexuais. Portanto, a vida é, de fato, uma cadeia de atividades mecânicas, repetitivas, e se não houvesse coerções externas — socioeconômicas ou políticas —, talvez nunca nos movêssemos do lugar; seríamos ociosos, acomodados, sem saber o que fazer com nós mesmos. Nossa vida não é um movimento voluntário nascido da liberdade. Estes são os fatos simples de nossa vida que são ignorados por nós. Repetitivas, as atividades mecânicas são o conteúdo de nossas vidas e, por causa disto, não há vitalidade. Podemos ter as melhores casas onde morar, as melhores roupas para vestir e a melhor comida. Ainda assim, não há vigor, vitalidade, paixão pela vida. À medida que prosseguimos com essa comunicação verbal, por acaso descobrimos que nossas vidas, que a nossa vida diária, é a única que temos? A vida não é apenas uma teoria abstrata. A vida não está lá, em algum lugar no futuro. A vida está aqui e agora, no presente. Se há alguma eternidade, infinidade, ela aparece diante de nós na forma do momento presente e traz seu mistério no pequenino fragmento do momento. Comungamos com ele e descobrimos o mistério, ou então, não comungamos e deixamos de viver esse momento. A eternidade está contida no momento. A infinidade está contida no agora. Ou deixamos de comungar e viver com o presente ou o vivemos. Se formos humildes, descobriremos que temos seguido padrões. Podemos selecioná-los e mudá-los, mas isso não implica a liberdade, não resulta em qualquer crescimento interior. A mesma atividade de adquirir um padrão, aproximar nossa ação desse padrão e repeti-lo dia após dia, continua. Não importa se os padrões são das antigas escrituras ou das modernas formas de comportamento. A qualidade da nossa consciência interna permanece a mesma. Por que repetimos e continuamos com a atividade mecânica e repetitiva, senão porque aí não temos de estar atentos? Automaticamente, as atividades continuam. Há um tipo de segurança nestas repetições, e se deixarmos de lado os padrões, teremos de descobrir por nós mesmos como viver. Teremos de começar do início. E então o medo nos invade. Talvez encontremos a verdade, talvez não. Por que pôr de lado a segurança? A investigação é inibida pelo medo, pela insegurança; em nome da investigação, em nome da vida espiritual, continuamos mudando nossos padrões, nossa lealdade a diferentes ideologias. Mudamos de ideologias, de autoridades, e pensamos que estamos crescendo. Nós temos feito isso durante séculos. Na vida coletiva, temos mudado padrões: do capitalismo ao comunismo, ao socialismo; e também, internamente, mudamos os padrões. Isto não nos levou muito longe. Não nos ajudou. Então, dizemos a nós mesmos: "Chega de repetições, chega de atividades mecânicas, chega de aceitar a autoridade de qualquer padrão — o mais moderno ou o mais antigo — basta de autoridade!" Porque nós amamos a liberdade e queremos viver livres; portanto, vamos dar o nosso primeiro passo para isso. Se a necessidade de descobrir o sentido da vida nasce no coração, a pessoa renasce no momento mesmo da investigação. Será que temos coragem para tanto? É um trabalho árduo. Portanto, nos voltaremos para o nosso corpo físico e nos familiarizaremos com eles. Consideramos o corpo como algo disponível, mas nunca chegamos a conhecê-lo realmente. Pensávamos que sabíamos tudo, mas conhecimento não é compreensão. Sabíamos sobre o corpo, através de livros, mas nunca nos voltamos para o nosso corpo, nunca entramos em contato com ele e o conhecemos, porque pensávamos que era uma coisa mundana, e achávamos que a investigação religiosa era algo elevado, que não considerava o corpo, não se relacionava com o corpo. A segunda descoberta é que havíamos dividido a vida em espiritual e material, em espiritual e física. Havíamos fragmentado a vida e nunca havíamos prestado atenção a este fantástico e maravilhoso instrumento que usamos dia e noite. Nós nunca nos relacionamos com ele. Tornamo-nos conscientes da divisão e da fragmentação de que somos vítimas. Esta maldição da fragmentação é o solo no qual nasce a miséria. A vida não pode ser dividida em física e espiritual, em religiosa e mundana. A vida é um todo uno, não fragmentável, homogêneo. A base da meditação tem de ser assentada na estrutura física, a qual tem de se tomar alerta, sensível e clara; a inteligência inata no corpo tem de ser mobilizada, ativada. Assim sendo, voltamo-nos para a questão da dieta e a colocamos exatamente numa base científica, e descobrimos o que está de acordo ou não com o corpo, e lhe damos exercícios para serem praticados. Este equipamento é absolutamente necessário para a realização de qualquer exploração posterior. Se os nervos não são fortes, então os mais leves movimentos no mundo psíquico levarão a um desequilíbrio nervoso. A exploração de uma nova maneira de viver requer a nossa atenção nos mínimos detalhes. Nada pode ser excluído dessa exploração. Assim sendo, descobrimos qual é a hora de acordar e qual é a hora de dormir, quantas vezes alimentamos o corpo, qual é o alimento que auxiliará a energia nervosa, e assim por diante. Investigação é isso! A religião não é uma investigação intelectual. Uma investigação religiosa é o envolvimento de toda a pessoa, de toda a vida. Não é reunir, intelectualmente, algumas idéias de um Buda ou de um Cristo. Não podemos continuar com os modos antigos de viver e, ao mesmo tempo, levar adiante uma investigação espiritual. Então, constatamos isso com muita clareza, sem fazer alarde. Uma vez compreendido o que é correto, o que é errado fica para trás. Não temos de desistir do errado. Assim, ao corpo nunca é permitido deteriorar-se em preguiça ou ócio. Ele é mantido alerta, flexível, cheio de energia. Não sabemos quanta energia está contida no corpo. Não utilizamos toda a energia disponível para nós, mesmo no nível biológico. Existem ciências que podem ajudar uma pessoa a vitalizar o corpo, de forma que todas as energias latentes e físicas possam ser liberadas. E absolutamente necessário ter uma nova abordagem sobre exercícios, sono, alimentação, sobre que tipo de cama usar, e assim por diante. Sem essa base, não vejo nenhum outro caminho para um crescimento total. Já vimos como os caminhos antigos perderam sua relevância no contexto da vida atual; portanto, não podemos voltar novamente para eles. Não temos pontos de referência. Temos de criar nossa nova maneira de viver. Vimos até agora a estrutura física, e fazemos justiça a ela, e a ajudamos e a educamos para crescer até uma condição alerta e atenta. Assim, quando virmos algo, a totalidade da natureza da percepção será recebida pelos olhos. Mas se o corpo é letárgico, preguiçoso, indolente, os olhos podem estar abertos mas recebemos apenas uma parte da natureza da percepção; não podemos apreender o todo. A atenção não está lá; a exatidão da percepção não está lá; o próprio ato da percepção não é total, é defeituoso. Estas insuficiências e deficiências da percepção podem ser notadas se experimentarmos com nós mesmos. Então, a qualidade da percepção, da audição, se modifica, porque os sentidos tornaram-se mais alertas. Não dispomos de quaisquer outros meios de nos relacionarmos com o mundo exterior, exceto através desses belíssimos sentidos. Se temos interesse, respeito e afeição por eles, devemos educá-los. A educação é a única maneira de realizar uma revolução total sem qualquer violência para conosco. Através da educação, o aparelho é equipado e, assim, a transformação ocorre por si própria. Feito isto, nos perguntamos: "Bem, a desordem pode ser a mente. E a mente que vai mudando os estados de ânimo: exaltado agora, deprimido no momento seguinte. É a mente que cria problemas, que se apega ou se desapega; que se toma presumida. Portanto, a mente cria desordem." Notamos que a mente repete padrões. Lidamos com o corpo e a sensibilidade do corpo vai ajudar a mente. Porém, notamos durante o nosso questionamento que essa mente é a origem de muita miséria, O que fazemos com ela? Foi fácil olhar para o corpo, familiarizar-se com ele; mas agora teremos de olhar para a mente e compreender o seu mecanismo. Podemos ler sobre psicologia mas isso nos dará apenas uma informação teórica. Se quisermos realmente entender como a mente funciona, teremos de observá-la enquanto se move, enquanto está em movimento. Sabemos como observar? Vejam como o questionamento nos leva, passo a passo, numa seqüência lógica. O questionamento se toma o mestre. Questionar a validade torna-se o mestre e nos leva mais além em nossa compreensão, em nossa descoberta. Sentimos a necessidade de entender a mente. Para uma compreensão direta, de primeira mão, temos de observar, nós mesmos, o movimento dela, não teoricamente, não como uma abstração da mente, nem em livros. Como observamos a mente? Sabemos como observar? E para nosso grande desapontamento, descobrimos que não sabemos como olhar, como observar. Porque o olhar e o observar requerem uma austeridade para que, após a percepção, reações subjetivas não surjam e se misturem com o que é percebido. Se essa reação surgir, avaliando, comparando, dando um julgamento com base no passado, então a observação não poderá ocorrer. Em nossa vida, nunca tínhamos observado. Olhávamos para compará-la com alguma coisa, para dar-lhe um nome, para aceitá-la, para rejeitá-la. Portanto, não sabemos como observar ou como ouvir sem uma motivação. As motivações eram alimentadas em nós e nós as usávamos; por isso, não sabemos como observar. Observar é estar atento sem reagir. Percebemos que a atividade involuntária do cérebro identifica o objeto, dá-lhe o nome e há uma parada completa. Nenhuma reação posterior — de aceitação e rejeição, de gosto ou desgosto, de preferências e preconceitos — resulta da percepção. Descobrimos que não sabemos. Podemos nos sentir cansados quando nos sentamos para observar. Este é o momento em que uma pessoa honesta descobre que, no esforço para sofisticar a atividade cerebral, perdemos a elegância da simplicidade de olhar inocentemente para o que quer que seja, mesmo que apenas por um momento. Assim, aprendemos a observar. Olhamos e observamos. Por um momento, esse estado de observação permaneces e novamente escorregamos de volta para o julgar e comparar. Outra vez, há um estado de observação. É assim que se aprende como observar, como olhar. Quanto tempo se leva para aprender a observar? Isto depende da pessoa. Tão logo se aprende a observar, não estamos mais conscientes de que estamos observando. Durante o tempo do aprendizado estamos conscientes de que estamos observando. Há uma divisão voluntária, criada por nós mesmos, no intuito de aprender. Estamos olhando para o movimento da nossa mente, mas esta divisão chega a um fim, e o estado de observação — unia atenção sem reações — torna-se uma dimensão normal. E preciso que haja esse tipo de auto-educação para que a dimensão da consciência seja modificada assim como a maneira de viver. Temos tanta pressa que, em vez de observar e olhar, gostaríamos de alguma técnica, de uma fórmula ou método para mudar mais rapidamente. para. por exemplo, nos concentrafli105 ou, usando o termo da moda, para "medita?’. Meus caros amigos, se isso ajudasse1 eu daria: vamos fazer tal coisa. Na concentração ainda temos de usar o passados o conteúdo da mente, o conhecido, a experiência comida na mente. Temos de aceitar algum ideal, um ídolo, um mantra, alguma forma, alguma imagem, munir toda a nossa energia, concentrá-la e mantê-la ali. Essa concentração estimula experiências — ocultas e transcendentes. Sentimos que a observação não nos proporciona nenhuma experiência. O movimento do passado se interrompe enquanto estamos observando, porque observar é um estado de atenção sem reação.
Quando nos concentramos, obtemos percepções extra-sensoriais e experiências não-sensuais. Somos atraídos por elas. Embora intelectualmente busquemos a transformação, a mudança ou a revolução interior, emocionalmente estamos ansiando por algumas experiências novas, porque nossa vida é uma troca de experiências no plano dos sentidos. A civilização moderna ensinou-nos a aumentar nossas necessidades e a vontade de possuir, e também a lidar com a proliferação de bens de consumo, para dar mais conforto, mais prazer. Esta é a nossa maneira de viver. Ora, uma nova maneira de viver diz que não vamos nos tomar uma raça de vendilhões de prazer; não vamos correr atrás de conforto e de experiências porém, vamos ver o que pode acontecer se a mente primeiro se tornar firme, através da observação e, então, alcançar o silêncio absoluto. Então, talvez, no silêncio da mente, a transformação ou mutação possa ocorrer. Intelectualmente, isso nos atrai, mas emocionalmente estamos famintos por experiências. Temos tido experiências sensuais; temos nos envolvido com a revolução sexual dos anos 50, dos anos 60, dos anos 70, e gostaríamos, agora, de passear pelo invisível, pelo oculto, e obter experiências. Acreditamos que essas experiências irão nos modificar. Essas experiências podem nos condicionar. Haverá novos condicionamentos; mudaremos o presídio da mente. Então, as pessoas correm atrás de experiências e de técnicas que dão experiências, que estimulam poderes e experiências. Muito poucos gostam de aprender, de encontrar, de descobrir por si mesmos. A tendência aquisitiva muda seu campo de atividades do físico para o mental, do visível para o invisível, do sensual para o oculto. Ainda assim, quer reter o centro como o experimentador, a atividade de experimentar e a nova sensação de experiência, mesmo que possam resultar em injustiça e exploração. Dizemos: "Não modifiquem a estrutura! Podemos melhorar e modificar a estrutura existente, mas não toquem nela, mesmo que seja pela paz mundial e global; não toquem no conceito de soberania nacional; não toquem no conceito de imperialismo ideológico — mas crie-se a paz!" Queremos remendar a estrutura existente porque tememos que, se tudo desmoronar, o que acontecerá conosco? Da mesma forma, interiormente, temos medo de abandonar as estruturas, de abandonar a atividade de experimentar e prosseguir rumo ao silêncio, onde nenhuma ação do ego é possível. A observação leva à interrupção dos movimentos mentais. Primeiro, a chama da atenção toma-se firme, e depois, a consciência de que estamos observando também desaparece. Não há nem o observador nem a observação, e o silêncio reina supremo na consciência da pessoa. O reino das palavras, das idéias, dos pensamentos, dos símbolos é deixado para trás. Estamos diante das fronteiras do conhecido e os horizontes do desconhecido estão diante de nós. Por isso, as pessoas evitam a observação. Essa atenção livre de reação não as atrai; é demasiado austera e revolucionária. Se não fugirmos do estado de observação, onde a consciência de que estamos observando também desaparece, haverá apenas o silêncio do espaço interior; haverá o vazio. A mente foi desnudada de toda a sua atividade. O ego, o "self", o eu e toda a sua atividade foram interrompidos. É isso que poderá acontecer se experimentarmos. Eu não espero que vocês acreditem no que estou dizendo, mas talvez eu possa persuadi-los a experimentar, a explorar e a descobrir por si mesmos —não aceitando nada. Eu não venho até vocês como mestra ou pregadora, mas como uma amiga que mostra a vocês como a dimensão da consciência realmente pode mudar como uma pessoa pode renascer dentro de seu próprio corpo; como é possível viver em liberdade total, onde não se segue nenhum padrão, seja ele qual for; onde não se vive de acordo com qualquer autoridade, seja ela qual for nova ou antiga. A observação leva ao silêncio interior. Não existe mais o eu no centro dizendo a si mesmo: "Estou observando", mas a chama da atenção permeia todo o ser. A pessoa inteira se torna um estado de observação. É um estado vivo de observação o que se expressa através dessa pessoa. Os conteúdos da mente foram observados pela pessoa; por isso, para ela, não há nada como o subconsciente ou o inconsciente. Isso se tomou um todo homogêneo, sem compartimentos. Durante todo o dia, o que quer que a pessoa faça e o que quer que lhe aconteça é observado quietamente por essa chama de atenção, e por isso não há possibilidade de sonhos, de tensões, de conflitos.
Uma raça humana que conseguiu chegar à lua e criou os mísseis, espero que não ache isso impossível. Não se trata de algo para uns poucos escolhidos; trata-se de um direito de todo ser humano, de transcender essa mente desgastada, esse órgão cerebral que exauriu suas faculdades e capacidades: a ideação, a imaginação, a memória, a permuta e a combinação de todas essas faculdades. Este órgão até já criou um cérebro computador paralelo, para o qual transferiu todas as atividades do cérebro orgânico. Para esta raça humana isto não é impossível, se houver uma necessidade para investigar, sem nenhuma coerção externa, sem nenhuma autoridade para a qual tenhamos que correr se quisermos nos salvar ou salvar o nosso equilíbrio mental, a nossa liberdade, a nossa iniciativa, se quisermos conservá-las intactas e descobrir a fonte de liberdade em nossos corações, a fonte do amor pelo qual estamos famintos, individual e coletivamente. Então, não é impossível. Se nossos corações se tornaram insensíveis e amortecidos e não estão buscando, de modo algum, realizar um trabalho em nós mesmos, se quisermos que tudo nos seja dado pronto, então essas explorações não serão possíveis. Uma mente religiosa é uma mente austera. A necessidade de criar harmonia em nossa vida é uma necessidade austera; portanto, estamos face a face com uma nova dimensão de silêncio interior. Nem mesmo um único pensamento se move ali; toda a estrutura do pensamento deixou de se mover e, por isso, não há nenhuma tensão nos nervos, nenhuma pressão na química do corpo. Trata-se de uma condição de total relaxamento.
No cessar da atividade mental está o verdadeiro relaxamento, não apenas físico, mas total, no qual as forças curativas se liberam e as cicatrizes, ferimentos e arranhões que sofremos na lida diária são curados por esse silêncio.
Quando eu digo que uma pessoa renasce interiormente, não estou absolutamente usando uma linguagem figurativa. É apenas a simples afirmação de um fato. Nesse silêncio interior, não perturbado por pensamentos, a energia da inteligência é ativada. Trata-se de uma energia incondicionada e não de uma parte da energia cerebral; não se trata de algo físico, muscular ou cerebral. A energia nascida do silêncio, no espaço interior, não faz parte da nossa herança. As qualidades do cérebro, em grande extensão, constituem uma parte da herança física e psicológica; mas o silêncio, não. A inteligência, a energia do silêncio ativada nesse estado, não tem nenhuma relação com a nossa herança. Na dimensão do silêncio, a energia da inteligência começa a se mover e a atuar. Ela olha através dos olhos — uma espécie de visão nova. Ela utiliza o cérebro, o conhecido, a memória. Assim, a inteligência, qualitativamente diferente do intelecto, começa a funcionar. Essa inteligência não tem centro. O intelecto, a mente e todo o seu aparato é a criação do centro como mim, como eu, como ego. Conhecemos toda a estrutura da mente: como a consciência do eu nasce, como tem uma realidade figurada, mas não uma realidade física. A inteligência não é um movimento do intelecto que divide a vida entre o eu e o não-eu. E a inteligência que olha através dos olhos e apreende, num relance, a totalidade; ela é consciente de si mesma como parte da totalidade e é consciente daquilo que está observando como sendo, também, parte da totalidade. Ela nunca vê o particular isolado da totalidade. O movimento da inteligência é a consciência da totalidade. A mesma pessoa, olhando agora com os mesmos olhos, vê um mundo totalmente diferente. Há um dar-se conta da totalidade e do particular como sendo parte orgânica do todo. A parte no todo, com o todo, dentro do todo, e por isso a relação com o todo também passa por uma mudança qualitativa. No nível mental, a percepção nascia do estado de ânimo. Se estávamos deprimidos, o mesmo objeto nos aparecia numa cor diferente. Se estávamos excitados ou numa disposição de espírito alegre, o mesmo objeto nos aparecia qualitativamente diferente. O humor, o estado da mente estava usando os sentidos e determinando a qualidade da percepção. Mas a inteligência não tem estados de ânimo. O conteúdo da inteligência é o silêncio. É uma chama de consciência, sem fumaça, que arde brilhante uma vez acesa, e assim, a percepção muda e as reações também mudam junto com ela. Há uma espontaneidade agora. Nenhuma conivência com a situação externa, nenhuma barganha às custas da relação. A consciência do todo estimula o amor, a compaixão, uma ternura no coração e um interesse por tudo. Por isso, as reações são espontâneas. Não há cálculo, nenhuma manipulação, nenhuma manobra do nosso comportamento ou do comportamento do outro, mas sim, uma simples e graciosa espontaneidade. E assim que os seres humanos mudam. A tendência de se querer segurança se foi, e com ela o medo crônico constante, de que a mente sofre; e então surge a aurora de um dia sem medo, a percepção resultando em compreensão e em reação espontânea. Aquilo de que temos estado tratando durante esta última hora, através desta comunicação verbal, é na verdade meditação. Estivemos tentando comungar, uns com os outros, com a ajuda da comunicação verbal; estivemos fazendo a viagem juntos, tentando alcançar uns aos outros e investigar juntos; indo além das palavras e de seus significados. Começamos dizendo que a humanidade está mesmo perplexa e é vítima de contradições internas. Não podemos salvar o mundo e não vemos nenhum salvador ao nosso redor. Podemos nos salvar ou estamos esperando por alguém que venha e nos salve? Aqueles que não estão interessados em esperar mas que sentem um interesse e têm um senso de urgência, começam com a pergunta: "É possível viver de um modo diferente?" Por onde começa o questionamento? Começa no físico; e se quisermos explorar uma maneira diferente de viver ou um novo modo de vida, obviamente o caminho não é pela desordem. Para permitir que o novo surja em nós, temos de eliminar a desordem. No nível físico, travamos conhecimento com o corpo, com suas exigências, com suas necessidades, com suas solicitações e eliminamos a desordem. Como surge a desordem? Se estamos nos comportando de uma forma mecânica, repetindo hábitos, sem nunca perguntar por que deve haver hábitos, por que cada amanhecer não é novo para nós? Voltamo-nos para o físico, entramos em contato com ele e, nesse contato, se realmente experimentarmos e nos voltarmos para o mundo físico, descobriremos, como eu descobri, que estávamos apenas repetindo, sem nunca questionar a validade dessa repetição. E dizemos basta à repetição. Estávamos repetindo porque havíamos aceitado alguma autoridade do passado, de pessoas, de ideologias, das escrituras, e dos assim chamados deuses. Não negamos nada, mas vemos que é preciso manter essa autoridade de lado se quisermos encontrar e descobrir. Se quisermos ser alimentados, temos que tomar, por nós mesmos, as refeições. Ninguém mais pode fazê-lo por nós. Da mesma forma, se quisermos ser alimentados com a verdade da vida, temos de descobrir, de colocar de lado a autoridade, não com arrogância, mas com humildade. Não queremos repetir as experiências passadas, mesmo que sejam da pessoa mais importante do mundo. Repetição não é vida, é suicídio. Conformar-se com os hábitos pode ter sido muito nobre e grandioso e muito útil, mas não é viver. Viver é um ato que se origina na liberdade. Viver é mover-se livremente, sem medo, com o movimento da vida. Mas nós não estávamos nos movendo porque estávamos ocupados, repetindo. Por isso, paramos de repetir. Uma vez que entendemos o que está errado, não podemos continuar fazendo a mesma coisa, não é? Descobrimos e paramos com a repetição, paramos com a conformação. O primeiro passo tem de ser dado sem medo, e a humildade traz o destemor. A arrogância leva à covardia, a humildade resulta em coragem. Por isso não há nenhuma repetição, nenhuma conformidade e nenhuma autoridade. Nós não as aceitamos nem as rejeitamos, apenas as colocamos de lado. Mas, então, não haverá ninguém para nos dizer se estamos agindo certo ou errado, e ficaremos inseguros. Sim, isso ocorrerá, mas estaremos vivendo. Temos medo de viver sozinhos, por nós mesmos. Queremos viver através do passado da raça humana. Gostaríamos de estar até com Deus por intermédio do Cristo, de Krishna ou Buda, mas não em contato direto, num encontro direto com a vida. Quando deixamos de lado as autoridades e padrões, somos deixados sozinhos com a vida total em volta e dentro de nós, e vulneráveis à influência dela sobre nós. Não é ótimo? Cada descoberta traz insegurança, mas há grande prazer nessa insegurança. Não podemos investigar o que é a liberdade enquanto estamos, o tempo todo, preocupados se estamos sendo protegidos ou não. Assim, prosseguimos dispostos a estar inseguros no isolamento com a vida. Foi por essa razão que eu disse que uma investigação religiosa requer a força da austeridade para estar sozinho com a vida. Parece-me que, como a situação do mundo é grave, uma ação social revolucionária, começando por nossas vidas individuais, é muito urgente. Sinto como se a casa na qual o homem tem vivido, sinto como se a cultura e a civilização estivessem em fogo. As instituições e organizações culturais, religiosas e políticas estão desmoronando. O mito de soberania nacional está explodindo. A lei e a justiça internacionais estão provando não serem efetivas para ajudar as nações a resolver seus problemas. É necessária uma ação social drástica em que se explorem maneiras alternativas de viver, novas dimensões da consciência, e que se viva a partir dessas dimensões. Uma revolução religiosa é necessária, e começa com cada um de nós. Espero, de fato, que pessoas, num país rico como a Austrália, que têm oportunidade de explorar os caminhos psíquicos e a nova dinâmica das relações humanas, aproveitem esta oportunidade. Espero que a estabilidade econômica e política que essas pessoas criaram seja usada para essas explorações. Os países que estão sofrendo com a pobreza e a fome estão ocupados com seus problemas econômicos de escassez. Mas essas explorações de caráter religioso podem ser assumidas pelas pessoas nos países ricos, e espero que a juventude da Austrália desperte para os desafios com que a raça humana se depara e lide com êles de maneira independente, em completa liberdade e em destemida humildade. |