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Bassui Tokusho (1327-1387)
Biografia/Textos

Biografia1

No ano de 1327, pouco antes dos fins da era de Kamakura — esse período da história japonesa dilacerado pelas lutas e dominado pela ansiedade, que produziu tantas figuras religiosas notáveis — o mestre Zen-Rinzai Bassui Tokusho nasceu. Tendo tido uma visão em que a criança que carregava se tornaria um dia uni fanático que mataria seus pais, sua mãe, quando ele nasceu, abandonou-o num campo, onde uma empregada da faxina secretamente o salvou e criou.

Com sete anos a inclinação sensivelmente religiosa de Bassui revelou-se. Num serviço de memória de seu falecido pai, de repente perguntou ao sacerdote que oficiava: "Para quem são estas ofertas de arroz, bolos e frutas?" "Para seu pai, naturalmente", respondeu o sacerdote. "Mas meu Pai não tem forma ou corpo agora, então como pode comê-los?" Ao que o sacerdote respondeu: "Se existe uma coisa tal como uma alma", insistiu a criança, "eu devo ter uma no meu corpo. Com quem se parece?"

Certamente estas perguntas não são pouco comuns quando partem de uma criança de sete anos que pensa e é sensível. Para Bassui, porém, foram apenas o início de unm intenso e incansável auto-questionamento que deveria continuar pela idade viril — de fato, até ele chegar à plena iluminação. Mesmo durante seus brinquedos com outras crianças, nunca estava livre destas incertezas em relação à existência da alma.

Sua preocupação quanto à alma naturalmente o Levava a pensar no inferno. Numa agonia de medo, exclamava: "Que horror ser consumido pelas chamas do inferno!" e as lágrimas corriam. Quando tinha dez anos, conta ele, era acordado muitas vezes por vivos raios de luz que enchiam seu quarto, e eram seguidos de uma escuridão que tudo envolvia. Ansioso, buscou alguma explicação para essas extraordinárias ocorrências, mas as respostas que lhe chegavam raramente aliviavam seu medo.

Freqüentemente se questionava: "Se depois da morte a alma sofre as agonias do inferno ou goza das delícias do paraíso, qual será a natureza desta alma? Mas se não houver alma, o que está dentro de mim agora, neste momento mesmo, vendo e escutando"?

Seu biógrafo relata que Bassui se sentava durante horas "cozinhando a fogo lento" esta pergunta num estado de extremo desprendimento a ponto de não mais saber que tinha um corpo ou uma mente. Numa dessas ocasiões —em que idade, não nos foi dito — Bassui de repente compreendeu diretamente que o substrato de todas as coisas era um Vazio viável e que em essência não existe nada que possa ser chamada de alma, ou de mente. Esta percepção levou-o a um acesso de riso intenso e não mais se sentiu oprimido por seu corpo e por sua mente.

Num esforço de saber se isto constituía um verdadeiro satori, Bassui perguntou a um grande número de ilustres monges, mas nenhum pôde dar-lhe uma resposta satisfatória. "De qualquer forma", disse a si mesmo, "não tenho mais dúvida sobre a verdade do Dharma". Mas sua perplexidade básica sobre quem vê e escuta ainda não havia se dissipado, e quando viu certo dia num livro popular "A Mente é a hospedeira e o corpo é o hóspede", cada uma das suas dúvidas adormecidas ressurgiu de repente "eu já vi que o fundamento do universo é o Vazio, entretanto o que é esta alguma coisa dentro de mim que pode ver e escutar?" perguntava de novo a si mesmo desesperadamente. Apesar de todo esforço, não pouco se afastou desta dúvida. Nominalmente Bassui era um samurai, tendo nascido numa família samurai. Se ele exerceu concretamente as funções de um samurai, seu biógrafo não revela, mas parece certo concluir que a contínua busca dos mestres Zen por parte de Bassui lhe tenha dado pouca oportunidade, e presumivelmente pouco gosto pela vida de um samurai.

Em todo caso, sabemos que Bassui mandou raspar sua cabeça aos vinte e nove anos, simbolizando sua iniciação no monarquismo budista. Não tinha porém muito hábito dos ritos cerimoniais de um monge ou sacerdote, julgando que um monge deveria viver numa existência simples dedicada a atingir a verdade mais sublime, a fim de levar outros à libertação, e não se comprometer com cerimônias e vida de luxo, não falando de intrigas políticas, para as quais os sacerdotes do seu tempo eram excessivamente inclinados. Nas suas numerosas peregrinações ele recusava obstinadamente permanecer num templo, mesmo para pernoitar, mas insistia em ficar em alguma cabana isolada numa colina ou na montanha, onde se sentava horas e horas fazendo o zazen longe das distrações do templo. Para permanecer acordado, freqüentemente trepava numa árvore, empoleirava-se entre os ramos e ponderava profundamente sobre o seu koan natural. "Quem é o Mestre?" até altas horas da noite, esquecido do vento e da chuva. Pela manhã, sem quase dormir ou comer, ia ao templo ou ao mosteiro para uma entrevista com o mestre.

Era tão forte a aversão de Bassui pelo cerimonialismo do tempo que muitos anos mais tarde, depois que se tornou mestre de Kogaku-ji, sempre insistia em chamá-lo Kogaku-an, o sufixo an, que significa ‘eremitério", opondo-se ao sufixo mais imponente ji que significa "templo" ou "Mosteiro".

Durante suas viagens espirituais, Bassui finalmente encontrou o mestre Zen por meio do qual o olho de sua Mente seria completamente aberto —Koho.zenji, um grande roshi Zen dos seus dias. Os últimos mestres a quem Bassui havia pedido orientação haviam todos eles sancionado sua iluminação, mas Koho, percebendo a mente sensível e aguda de Bassui e a força e pureza do seu desejo da verdade, não lhe deu seu selo de aprovação, mas convidou-o apenas para permanecer. Por seu lado, Bassui reconheceu em Koho um grande roshi, mas declinou ficar em seu templo, permanecendo numa cabana solitária nas colinas da vizinhança e por todo o mês seguinte foi diariamente ver Koho.

Um dia Koho, sentindo o amadurecimento da mente de Bassui, perguntou-lhe: "Diga-me, o que é o Mu de Joshu?" Bassui respondeu com um verso:

Montes e rios
Grama e árvores
Manifestam igualmente o Mu.

Koho retorquiu: "Sua resposta tem traços de consciência de si mesmo!"

No mesmo instante, relata seu biógrafo, Bassui sentiu-se como se tivesse "perdido a raiz da vida, como um barril cujo fundo tivesse sido arrancado fora violentamente". Suor começou a correr de cada poro de seu corpo e, quando deixou o quarto de Koho estava tão tonto que bateu a cabeça diversas vezes nas paredes, procurando encontrar o portão de saída do templo. Quando chegou à sua cabana, chorou durante horas do mais profundo das entranhas. As lágrimas transbordavam, "derramando-se por sua face como chuva!" Dizem que na intensa combustão desta sua esmagadora experiência, as concepções e crenças guardadas anteriormente por Bassui foram totalmente destruídas.

Na tarde seguinte Bassui veio contar a Koho o que tinha acontecido. Mal havia aberto a boca quando Koho que já desesperara de encontrar alguma vez um verdadeiro sucessor entre seus monges, declarou, como que se dirigindo a todos os seus seguidores: "Meu Dharma não desaparecerá. Todos poderão ficar contentes agora. Meu Dharma não desaparecerá". Koho conferiu formalmente o inka sobre seu discípulo e deu-lhe o nome de Zen de "Bassui" —"Muito acima da média". Bassui permaneceu durante dois meses junto de Koho, recebendo suas instruções e orientação. Mas, porque tinha um temperamento forte e independente, desejou amadurecer sua profunda experiência por meio do "combate do Dharma" com mestres consumados, de modo a integrar profundamente sua experiência na sua mente consciente e em cada ato e desenvolver sua capacidade de ensinar a outros. Deixou pois a Koho e continuou a viver uma vida isolada nas florestas e colinas, nas montanhas não longe dos templos de mestres famosos. Quando não engajado no "combate do Dharma", costumava sentar-se no seu zazen durante horas de cada vez.

Em qualquer lugar onde estivesse, zelosos aspirantes logo descobriam seu paradeiro e buscavam sua orientação mas, sentindo-se ainda deficiente em força espiritual necessária para levar outros à libertação ele resistiu às insistências para fazerem dele seu mestre. Quando as solicitações tornavam-se importunas, pegava seus magros pertences e desaparecia à noite. Fora entretanto destas solicitações de eventuais discípulos, ele deliberadamente diminui sua estada em qualquer lugar para não ficar apegado a ele.

Finalmente —. agora com cinqüenta anos — Bassui construiu uma cabana no fundo da montanha perto da cidade de Enzan na Prefeitura de Yamanashi. Como havia acontecido no passado, espalhou-se na vila próxima a notícia da presença na montanha de um Bodhisattva e os que buscavam um mestre começaram de novo, literalmente, a abrir um caminho para sua cabana. Agora, tendo sua iluminação amadurecido e sentindo-se capaz de dirigir outros à libertação, não mais virou as costas aos que o procuravam, mas aceitou voluntariamente todos os que vinham. Logo se tornaram um rebanho de bom tamanho, e quando o governador da província prontificou-se a doar terras para um mosteiro e seus seguidores ofereceram-se para construí-lo, Bassui aceitou tornar-se seu roshi.

Apesar de Bassui não gostar da designação de "templo" ou "mosteiro", Kogaku-ji no seu apogeu, com mais de mil monges, leigos, devotos, dificilmente poderia ser descrito como eremitério. Bassui era um rígido disciplinador, e das trinta e três regras que promulgou para a conduta de seus discípulos, é muito curioso que a primeira proibia a beber álcool de qualquer forma que fosse.

Pouco antes do seu falecimento, com a idade de sessenta anos, Bassui sentou-se na postura do lótus e disse aos que se reuniram em torno dele:

"Não se enganem! Olhem para frente! O que é isto?" Repetiu isto bem alto diversas vezes e depois calmamente morreu.

O método de ensinamento de todo grande mestre inevitavelmente nasce de sua própria personalidade, de seu problema espiritual como experimentou e do modo de fazer o zazen que deu origem à sua iluminação. Para Dogen, cujas lutas religiosas focalizaram um problema totalmente diferente do de j3assui e cujo despertar pleno veio sem koan de espécie alguma, o shikan-taza tomou-se o principal método de ensino. O koan natural de Bassui, por outro lado, era "Quem é o mestre?" e por isso, como vemos nas cartas seguintes, ele estimula a seus discípulos a empregarem esta forma de zazen. Além disto, uma vez que Bassui, como Dogen, não podia totalmente satisfazer seu desejo interior profundo pela libertação através de iluminação superficial o objetivo que ele defende nestas cartas não é nada menos do que a total iluminação.

Bassui não era um escritor prolífero. Além de seus sermões sobre a Mente-Una e estas cartas, escreveu um único volume grande denominado Wadeigassui, apresentando os princípios e práticas do Zen-budismo, e um trabalho menor. A ocasião exata em que Bassui escreveu a "Mente-Una" e as cartas é desconhecida pois nenhuma traz uma data, mas presumivelmente foram escritas depois que se tomou mestre de Kagaku-ji. É evidente que seus correspondentes eram discípulos que estavam muito doentes ou moravam muito longe, para irem a Kogaku-ji, para o sesshin ou instruções pessoais. Somente essas circunstâncias extremas e o ardor e a sinceridade manifestas de seus correspondentes poderiam ter persuadido Bassui a instruir por carta e não pelos métodos tradicionais.

Na verdade, algumas das cartas são repetições, mas isto é inevitável, pois Bassui está dando em essência o mesmo ensinamento a cada um de seus correspondentes. No entanto, é justamente por causa desta repetição que Bassui, mestre que é, esclarece magnificamente e trabalha com afinco em casa o tema da Mente-Una. Há pouca coisa na literatura Zen escrita por mestres afamados que seja tão diretamente orientada para a prática ou tão inspiradora quanto estes escritos. Bassui fala tão diretamente ao leitor de hoje como o fez aos seus correspondentes do décimo quarto século, guiando-o e inspirando-o a cada passo. Além disto, há um senso pungente de paradoxo unido a uma profunda simplicidade que tornaram o sermão e estas cartas imensamente populares no Japão até os presentes dias. Takusui-zenji, um conhecido mestre Zen do período Tokugawa (1603-1868) que, como Joshu, viveu, ao que dizem, até a avançada idade de 120 anos (e foi ele próprio escritor de um número grande de cartas Zen) apreciava calorosamente ambos estes escritos como valiosos, não somente para os devotos mas mesmo para os mestres Zen.

Espera-se que com esta tradução, a primeira em inglês, eles encontrem a mesma benevolência por parte dos leitores de língua inglesa ansiosos por compreender a prática Zen.

Texto extraído de "Os Três Pilares do Zen" de Philip Kapleau


Textos
O Sermão sobre a mente una



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