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Entrevista da Sensei Coen à Revista TPM1


Tpm. Você mudou de nome por causa da religião?
Coen. É. Quando nos tornamos discípulo de Buda, o professor dá um nome a você. Meu professor me deu o nome de Coen, que vem de um poema. 'Co' quer dizer 'só' e 'Em' quer dizer 'círculo'. O nome deve expressar as características da pessoa.

Tpm. E quais eram as suas?
Coen. Na comunidade mista em que eu morava em Los Angeles, as pessoas estavam sempre namorando. Eu não me relacionei com ninguém, a solidão era agradável para mim. Eu tinha descoberto o budismo e os textos do mestre fundador da nossa escola no Japão. São fascinantes! Acabavam os retiros, o povo ia para as festas beber, comer, mas eu queria ler mais. Por isso ele pegou essa minha característica de ser só.

Tpm. Quando e como a senhora teve o primeiro contato com o Budismo?
Coen. Eu trabalhava no Jornal da Tarde [diário paulistano que pertence ao grupo que publica O Estado de S. Paulo] no final dos anos 60 e fui fazer uma matéria sobre sociedades alternativas. A gente começa a pensar em como mudar o mundo, acha que deve haver outro sistema possível, flerta com o marxismo mas conclui que não é esse o caminho. Quando li Trotsky, vi que se o ser humano não mudar, nenhum partido político vai fazer a diferença. As sociedades zen-budistas da Califórnia, onde fui fazer a matéria, mexeram comigo.

Tpm. Jornalistas costumam ter vida boêmia. Você se lembra de alguma história?
Coen. Um dia, depois de uma bebedeira, eu, o Nirlando Beirão e o PS, um ator que não me lembro o nome, decidimos ir até o Cemitério do Morumbi para ver o sol nascer. O lugar era novo e diziam que era uma maravilha o nascer do Sol lá. Eu dirigia o Fusquinha, peguei uma guia e o carro capotou na rua Augusta. Minha orelha se cortou e fui parar no Hospital das Clínicas. Ainda bem que paramos no meio do caminho. Não era a hora ainda de chegar ao cemitério, né? [Risos.]

Tpm. A senhora ia a festas?
Coen. Fui a algumas. Houve um trecho na minha vida em que passeava por aí de moto - o pai preocupado em casa -, ia de moto para o Rio de Janeiro...

Tpm. Para o Rio?
Coen. É... é pertinho, né? Uma vez eu tinha ido a Ipanema, isso há trinta anos, e, na volta, minha moto parou na estrada. Não conseguia dar partida. Um grupo de Hell's Angels se aproximou e falei: "Pronto...". Eles me olharam e disseram: "Escuta, você não estava na praia em Ipanema? Nós consertamos a moto para você, vamos lá, minha irmã..." [Risos.]

Tpm. Quando foi isso?
Coen. Quando voltei da Inglaterra, onde fiquei um ano e meio estudando inglês, no início dos anos 70. Comecei a me interessar por rock'n roll e meu tio, pai do Sérgio Dias e do Arnaldo Baptista, dos Mutantes, me levou para a Cantareira, onde eles moravam. Passei a ir aos shows. Era muito bom, a música era agradável, tinha uma vida muito gostosa. Uma vez fui ao show do Alice Cooper com o Serginho e o Arnaldo.

Tpm. Do Alice Cooper?
Coen. É e lá conheci um americano chamado Paul Weiss, que tinha o cabelo até a cintura e era iluminador do Alice Cooper. Começamos um romance ali mesmo. Uma vez até fiz a iluminação do show do Rick Wakeman. Tomei conta de um holofote [risos].

Tpm. A senhora teve outros relacionamentos antes de ser monja?
Coen. Sim, me casei muito cedo, aos 14 anos. Uma das razões pelas quais eu quis me casar foi por achar que seria independente, que faria o que quisesse.

Tpm. Nossa!
Coen. Nossa! [Risos.] Minha mãe costuma dizer que já vivi várias vidas numa só.

Tpm. Pois é, antigamente casava-se muito cedo...
Coen. Sim, casava-se, foi extremamente cedo [com o piloto de automobilismo Antonio Carlos Scavone, morto num acidente aéreo]. Minha filha nasceu quando eu tinha 17 e já estava separada. A assinatura do divórico foi feita enquanto amamentava. Eu tinha essa rebeldia de achar que sabia tudo.

Tpm. Como foi viver a adolescência casada?
Coen. Eu tive que largar a escola. Minha mãe arranjou professores particulares. Como toda adolescente que queria se passar por adulto, eu me maquiava muito, ia ao cabeleireiro quase todos os dias, usava roupas justas - escuras principalmente -, era "uma senhora", andava de luvas, saltos altíssimos, que coisa bonita... Era uma certa futilidade. Mas me incomodava o fato de as pessoas dizerem que eu era bonita, me dava a impressão de que eu não tinha feito nada por isso. Eu achava que as coisas que aprendi intelectualmente eram mais importantes. A mentalidade era a de que se fosse bonita tinha que ser burra, né? "Se só pensa em se arrumar, deve ser uma tonta", né?

Tpm. Que avaliação a senhora faz do casamento tão jovem?
Coen. Eu era muito inexperiente. Acho que ele acabou ficando um pouco envergonhado de me levar nos lugares. As pessoas perguntavam minha idade e ele queria que eu mentisse, que dissesse que tinha 16 - ele era sete anos mais velho - e eu não dizia, ainda mais porque gostava de escandalizar as pessoas.

Tpm. Por que acabou?
Coen. Quando ele começou a correr com automóveis, saía e voltava para casa às 7 da manhã. Eu achava que era assim mesmo, mas meu pai dizia que eu tinha que brigar com ele e reclamar. Ele achava isso chato e foi morar com um amigo. Eu não quis voltar para a casa da minha mãe de jeito nenhum. Mas eu estava grávida, ele não me dava dinheiro, só comia arroz e batata. Não tinha comida em casa. Meu pai, de propósito, não dava nada porque queria que eu fosse morar com minha mãe. Aí tive que ir porque não tinha mais o que comer, até que a Fábia nasceu.

Tpm. O tempo em que a senhora esteve no mosteiro ficou em clausura total?
Coen. Foi. Nos primeiros três meses, fiquei absolutamente fechada, não saía à rua. Depois comecei a sair com o grupo apenas para pedir esmola. Depois de dois anos a abadessa percebeu que eu precisava aprender japonês e pude sair duas vezes por semana para ter aula. Fora disso podia ir ao médico e ao dentista. Para outras coisas tinha que pedir autorização.

Tpm. A senhora se correspondia com a família?
Coen. Eu mandava cartas. Meu pai escrevia muito, me mantinha informada de tudo que acontecia na família e no Brasil.

Tpm. A senhora também casou-se com um monge, não foi?
Coen. É, no Japão me casei com o monge Murayiama. Ele é dezoito anos mais novo. Me casei com ele há dez anos e fiquei com ele até o ano passado.

Tpm. E como foi o namoro?
Coen. Eu estava fazendo um curso de pós-graduação que era misto e nesse curso eu ajudava a ler uns textos. Como eram palavras em japonês que eu nunca tinha ouvido antes, ele veio me ajudar e começamos o romance, que foi muito incentivado pelo grupo.

Tpm. O grupo incentivou um romance entre monges?
Coen. É, eles achavam um absurdo que a monja não tivesse um relacionamento. Nos casamos, mas houve muitos conflitos na família dele porque ele era muito mais novo do que eu, por eu ser monja e brasileira.

Tpm. E como era a vida de uma monja casada? Lavava louças?
Coen. É como uma mulher que trabalha fora. Lá em Nagóia nós não morávamos no templo. Alugamos um apartamento, íamos ao templo e voltávamos para casa. Depois fomos para Hokaido, num templo muito grande. Também vivíamos assim: durante o dia ajudando no templo, rezando, fazendo as cerimônias, e à noite a gente voltava para casa. Geralmente o café da manhã e o jantar eram em casa. A gente fazia tudo juntos, revezando, fazendo comida, lavando louça, limpando a casa. Os monges são treinados a fazer de tudo.

Tpm. Hoje a senhora está separada...
Coen. Eu me separei aqui no Brasil. Ele queria muito ter filhos e eu não posso porque tenho mais de cinqüenta anos, né? E por várias outras razões: ele teve o seu limite, vamos dizer. Nós somos muito amigos, sem o menor rancor de parte dos dois. Acho importante que as pessoas sejam capazes de terminar relacionamentos sem ficar com raiva um do outro.

Tpm. E como é o casamento na intimidade? Como o zen-budismo trata a sexualidade, por exemplo?
Coen. Com naturalidade. É natural, a natureza se manifestando.

Tpm. Quais as diferenças na vida de um monge e de uma monja?
Coen. Ainda existe discriminação. Dentro da hierarquia da Igreja, a maioria das posições superiores são masculinas. Nunca houve uma monja que tivesse um cargo mais alto. A abadessa do meu convento, se comparada à Igreja Católica, seria um cardeal. É a primeira na história. A posição, embora nos escritos seja de igualdade, na realidade segue o que a sociedade tem como padrão: a mulher ainda não é exatamente igual ao homem. Mas a monja pode fazer casamentos, enterros, ordenações, bênçãos.

Tpm. Vamos falar um pouco da sua saída do templo que dirigia aqui. Quando se afastou?
Coen. Saí em janeiro.

Tpm. Por quê? Há quem diga que foi porque a senhora é mulher, não tem ascendência japonesa e aparece muito na mídia.
Coen. É, falaram isso mesmo, né? Eu não sei se foi por isso. Há várias razões, como tudo tem várias causas, condições. É um emaranhado delas. Eu vim para o Brasil tentando criar um grupo meu, independente. Não era para ficar nesse templo. Mas o abade de lá estava indo para o Japão e pediram para que eu ficasse tomando conta. Fiquei fazendo as vezes dele.

Tpm. A senhora se dava bem com a comunidade?
Coen. As pessoas da colônia japonesa queriam alguém que falasse português, pediam que eu fizesse a missa. Quando eu precisava sair, a comunidade ficava brava com os monges que celebravam na minha ausência porque eu transmitia para os jovens. E [o templo] estava num momento muito bom de crescimento quando um grupo de membros antigos disse que queriam um superior-geral. Outro grupo sugeriu que eu fosse a nomeada, mas os monges de outros Estados não quiseram.

Tpm. Por quê?
Coen. Porque eles queriam um homem, mais velho, do Japão. Fomos até lá para decidir o que seria feito e mandaram outra pessoa para o meu lugar.

Tpm. E como a comunidade reagiu?
Coen. A comunidade relutou, mandou abaixo-assinados. Quando o superior-geral chegou aqui, achou que eu não ia recebê-lo, que iria boicotar o trabalho e que a comunidade seria inimiga dele. Quando, na verdade, trabalhamos para que, já que não podemos evitar que ele venha, façamos dele nosso amigo, incluímos ele no grupo e crescemos junto com ele.

Tpm. E o que a senhora fez?
Coen. O Japão me chamou porque tinham chegado lá uns papéis dizendo que eu me passava por bispo. Eu levei um monte de papéis provando que não fiz nada disso. Numa reunião na sede, os tais papéis contra mim estavam lá, mas os documentos que eu tinha levado para provar minha inocência, não. Minha abadessa disse que o melhor a fazer era sair porque a reunião era um absurdo. Quando terminou, eu agradeci os seis anos de prática e disse que ia largar o templo e abrir meu próprio espaço. Voltei para o Brasil e contei às pessoas.

Tpm. A senhora quer abrir outro templo. Como é isso de sair de um e abrir outro?
Coen. Esse templo na Liberdade é a sede da América do Sul, que pode ter vários templos subordinados. É questão de ver onde é apropriado. As pessoas estão pedindo que fique em São Paulo. Todos que ensinaram meditação zen aqui acabaram indo embora. Talvez seja aqui esse novo templo.

Tpm. E qual o vínculo deste novo templo com o que a senhora deixou?
Coen. Eu sou monja, missionária enviada da sede do Japão para o Brasil. O que eu abrir aqui estará ligado diretamente ao Japão. Existe a possibilidade de um templo independente. A minha questão é, dentro do zen-budismo, difundir os benefícios da meditação para que as pessoas tenham mais paz, tranqüilidade, respeito, carinho pelos outros.

Tpm. E o que a senhora está fazendo atualmente?
Coen. Estou dando aulas de meditação, de budismo, em vários locais: no Instituto Palas Atena, num apartamento na Liberdade, tem um grupo em Santos, outro em Belo Horizonte, outro no Rio. Estou fazendo caminhadas nos parques de São Paulo. É um templo meio itinerante, né?

Tpm. Em que pé está?
Coen. Onde vai ser construído o templo? Não sei. Será construído um templo? Não sei. Será numa casa? Não sei. Será num galpão? Não sei. Será na rua como tem sido? Talvez. Não sei. É conveniente que a gente tenha espaço, um referencial. O nosso grupo está tentando ver se tem capacidade financeira de alugar um lugar.

Tpm. Sente falta de algo que tinha antes de ser budista?
Coen. Eu nunca pensei nisso, no que posso sentir falta. Uma coisa que eu fazia e que nunca mais fiz é nadar. É questão de estabelecer horários. Acho importante que as pessoas tenham práticas meditativas mas que tenham práticas corporais também. O corpo precisa estar em boa forma, em bom estado, não pode largar um pelo outro. Eu preciso escrever um pouquinho, as pessoas me cobram. Na nossa vida não tem muito esse ficar olhando para trás, sabe? É mais um olhar para frente.

Tpm. Como a senhora cuida de si mesma?
Coen. Eu cuido muito pouco de mim. É quase o contrário daquilo que eu fazia nos meus 14 anos. Não passo cremes, só no dia em que raspo a cabeça passo um pouquinho de cremezinho... Eu corto as minhas unhas, às vezes a cutícula não é cortada. Que mais... só raspo a cabeça mesmo.

Tpm. A senhora lê o quê?
Coen. Leio zen-budismo quase que unicamente além de outras correntes budistas. Muito difícil ler algo que não seja budismo.

Tpm. Por quê?
Coen. Não sei. Isso é fascinante. Desde que comecei a ler o zen-budismo, toda outra leitura me pareceu superficial. É uma maneira filosófica de escrever que te faz ver as coisas de ângulos diferentes. Você aprecia a beleza da maneira de usar as palavras. No mais, jornal.

Tpm. E lazer?
Coen. Cuido dos meus cachorros. Se há na minha vida algo que não seja estudar budismo, é cuidar deles. Levo para passear, dou banho, comida. Os bichinhos dão para a gente muito retorno, muito carinho. Tenho cinco grandes [dois casais de Akita e um Dogue Alemão] que não se dão entre si. Ficam todos separados.

Tpm. Que tipo de música ouve?
Coen. Muito pouco. Não desgosto não, mas ouço pouco.

Tpm. Nem Mutantes?
Coen. Não. Se disser o que ouvi nesse ano... Eric Clapton [risos]. Ouço ele no carro, deve ser dos sons antigos.
  1. Extraído do site www.monjacoen.com.br.



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