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INTRODUÇÃO A NATUREZA DA MENTE

texto compilado por Karma Tenpa Dharguye

A NATUREZA DA MENTE E A PRÁTICA DO DHARMA
Jamgon Kongtrul Rinpoche


A fixação dualística separa sujeito e objeto. Nossa qualidade básica é o vazio, a ausência de forma, qualidade ou ponto de referência. Quando não reconhecemos a característica de nossa mente, ficamos presos à mente dual.

Devido à característica da mente vazia, existe o surgimento não-obstruído da mente. Esta compreensão não-obstruída é que se chama de clareza ou luminosidade da mente. Não reconhecendo a existência não-condicionada da mente, temos a noção de "objeto" ou "outro" e nos fixamos nisto. A existência da mente é livre de surgimento e desaparecimento, de obstruções e sensações, e de fixação em um ponto. Assim, a natureza da mente é a inseparabilidade entre luminosidade e vazio.

Quando falamos em termos de sabedoria suprema ou verdade absoluta, falamos desta inseparabilidade. Não estamos falando de nada fora da própria mente. Tal natureza é a natureza de todos os fenômenos. Assim, focando o ponto de vista confuso, vemos imagens externas e jogos projetados pela mente.

Do ponto de vista da onisciência da mente, ter a compreensão da mente significa ter-se a compreensão de todas as coisas. Mas como já mencionei, não conseguimos reconhecer esta natureza da mente. O não-reconhecimento da natureza da mente, que está livre de ponto de referência, condicionamentos, limitações, deve-se ao apego dualístico. A causa principal de nossa confusão são nossas tendências habituais e o apego aos três venenos: ignorância, raiva-ódio, desejo-apego.

A ausência de entendimento da mente é a ignorância. Em oposição ao entendimento da luminosidade e vazio, temos o "ego", o "outro" e os "objetos". Isto é ignorância. Assim, temos a visão distorcida e pervertida da realidade. É devido à ignorância (eu e outro, coisas), que originam-se os demais venenos, raiva-ódio e desejo-apego. O apego a eu, meu e coisas-minhas leva à agressão aos outros lá fora. Este é o mundo pelo qual a mente funciona. A mente apegada e os objetos são o mesmo. Chama-se de dupla fixação dualística a noção de ego próprio e ego dos outros e das coisas. Usualmente, a mente é internamente influenciada e condicionada por estes três venenos. Assim vivemos.

Somos cativados magicamente por estas três tendências. Assim nossa mente opera, e assim subjuga nosso corpo, gestos e fala à escravidão. Deste modo, nosso corpo, mente e fala capitulam aos três venenos, havendo a expansão destas ações e energias-de-hábito. Isto é o que se diz não ter controle sobre nossa mente.

Ter controle é reconhecer a natureza da nossa mente que fica sempre ocupada em nossas tendências habituais.

A prática do Dharma é o afastamento ao apego egoísta, ou seja, é a própria libertação. Mas, devido a estarmos apegados ao egoísmo e dualismo, não há esperança de libertação da confusão e sofrimento.

No treinamento não deve haver ego

A prática do Dharma não é algo superficial como ter uma determinada experiência sensorial, etc., isto também é apego. Visões ou sensações, fora do comum ou não, não são o objetivo. Isto seria infindável e, conduzido pela insatisfatoriedade, levaria a incessantes buscas sensoriais. Assim, a profundidade do ensinamento do Dharma dirige-se à natureza-raiz dos problemas da nossa mente.

Para que possamos ter a condição de libertarmo-nos dos padrões habituais, temos que superar vários estágios do caminho. Ao início, temos o Teravada, onde a ênfase é disciplina, estabilidade da mente, plena atenção e a inexistência de um ego pessoal. No Mahayana a ênfase é mais abrangente, é onde se vê a ausência de ego de todas as coisas também. O termo "yana" significa elevar e sustentar, então "Mahayana" significa a grande elevação, a grande sustentação e transporte para cima. Sua responsabilidade é também auxiliar a sustentação dos outros. O ponto básico é a experiência de bondade amorosa e compaixão. No treinamento não pode haver ego.

Há muita literatura que evidencia a compreensão da ausência de ego de coisas e seres, a dupla-ausência-de-ego. No entanto, sem a vivência não adianta a compreensão intelectual. A crença não é útil, sem a vivência isto também transforma em apego egóico.

É necessária a abordagem analítica, e então se entende e se tem confiança, mas aí há apego ao entendimento e ele não produz resultados. Mesmo após o procedimento de análise, os padrões habituais de comportamento e pensamento continuam a funcionar. O benefício é relativo e temporário. O benefício real só pode vir pela experiência da ausência-de-ego.

Atualmente, tudo o que fazemos é problemático, pois mesmo que traga benefício relativo, traz acúmulos de tendências. O essencial é então bodhicita, a união da prática da mente altruísta e totalmente abrangente de todos os seres, com a prática da compaixão que é a consciência da dor e das causas da dor em todos os seres sensoriais.

Cultivar bodhicita não é encontrar ou criar o que não se tem. Temos o potencial da bondade amorosa. Temos esta habilidade, mas desenvolvemos tais hábitos contrários que isto fica oculto. Aí a razão de cultivar a compaixão amorosa. Desenvolvendo bodhicita, percebe-se que há a bodhicita relativa e a bodhicita absoluta. Na bodhicita relativa existe objeto e esforço, há aspiração, intenção, ação.

Aspiração e intenção ocorrem quando a mente tem a compreensão de ser um indivíduo e de mover-se para a felicidade dos outros. E ter a aspiração de eu ser capaz de levar os outros à iluminação e liberdade. Podemos e devemos ter esta aspiração, desde que este coração quente não se motive de uma forma apenas intelectual.

Ao olharmos os outros, devemos lembrar o que vemos quando olhamos a nós mesmos. Não queremos sentir conflito nem sofrimento e, como os outros, também queremos felicidade. O seres sensoriais são caracterizados por isto, são os que se movem na busca da felicidade, sensações, etc. Não sabemos como nos conduzir com liberdade frente a isto, nem eles. Estamos todos imaginando que com a mente dualística podemos fazer progresso, mas, em verdade, terminamos por apenas trazer mais sofrimento. Quanto maior for a bodhicita da aspiração, maior será a bodhicita da ação.

Ação-bodhicita é tudo o que se fizer de benefício aos outros dentro de uma visão abrangente. Todas as ações são voltadas a esta ou aquela pessoa, mas têm resultados múltiplos e abrangentes.

Normalmente, nossas vidas são regidas por medo e pânico.

A ação dos bodhisatvas, os que praticam bodhicita, envolve as seis perfeições, os seis paramitas: generosidade (Dana), disciplina (Sila), paciência (Kshanti), zelo (Virya), meditação (Dhyana-Samadi) e a sabedoria (Prajna).

Assim, temos que treinar nossa mente para juntar o aspecto de ação e aspiração de bodhicita em nossa vida. Na vida diária, através da atenção plena e prática formal, chega-se aí.

Treinando a bodhicita relativa chega-se à bodhicita absoluta. Atualmente só podemos praticar a bodhicita relativa e isto envolve esforço, empenho e por isto é limitada. Quando se tem experiência de bodhicita automática, esta é sem esforço.

A bodhicita absoluta é espontânea e sem esforço, é a experiência conjunta do vazio da mente incondicionada e de compaixão. Budhas e bodhisatvas têm a experiência de bodhicita, e via isto é que podem operar sem esforço e sem causa-e-efeito, para auxiliar os outros. Para que possamos ajudar ao máximo a nós e aos outros, devemos cultivar o coração bondoso e amoroso.

Ser capaz de estender a mente que cuida os outros, isto é o que traz os maiores benefícios. Bondade é o maior benefício, hoje, no futuro, para nós e para todos os que forem afetados por ela.

Normalmente, nossas vidas são regidas pelo medo e pânico, e temos a impressão que a coragem resolve; ela mesma, no entanto, é o medo que temos. A verdadeira ausência de medo só surge via bondade amorosa incondicionada e compaixão. Quando há total e incondicionada bondade amorosa, isto é a libertação do medo e da ansiedade.

Bodhicita é o caminho da paz

Todo nós deveríamos cultivar sempre um coração bondoso e amoroso, pensando melhor sobre nós mesmos e sobre os outros, doando-nos aos outros.

A base das boas ações é o bom coração, essencial para o verdadeiro espírito de desenvolvimento, e base para o duplo benefício de si e dos outros. Devido à ausência desta bondade o desenvolvimento espiritual não leva à essência. Perde-se aí o verdadeiro aspecto do caminho espiritual. Mesmo que não se entenda tudo o que foi falado aqui, as pessoas conscientes devem entender que isto é o melhor para nós e para os outros. Como o ser humano consciente tem a capacidade de discernir, deve ser capaz de chegar à bondade genuína.

Para trazer a bondade à nossa existência, tanto no nível pessoal como no nível planetário, falamos sempre de nossa preocupação com a paz e harmonia, e aqui, paz e harmonia não devem ser entendidas como objetos de acordos entre partes em conflito, mas temas pessoais de cada um. Bodhicita é o caminho da paz e podemos despretensiosamente gerar harmonia ao redor - bondade amorosa que é levada aos outros sem expectativas.

Para isso temos que começar por nós próprios e pela forma adequada, pois, não fazemos assim, acusamos os outros pela ausência de paz e esperamos que a paz nos chegue externamente e que nós sejamos cobertos de paz. Isto nos trará não "paz"mas "pedaços" (risos...). (n.e.: Sua Eminência aqui brincou com o som das palavras da língua inglesa "peace" e "pieces".)

Essencial é então a transmissão, a iniciação, como meio de passar o conhecimento, permissão de prática e bênçãos; é a forma de comunicar apoio e estímulo para que todos sigam este caminho.

Perguntas da platéia

-Frente a um mendigo bêbado que pede dinheiro, como devemos agir?
O tipo de motivação é o que importa. O efeito depende da motivação de sua ação. Boa motivação somada ao discernimento é essencial. Discernimento é entendermos o absoluto e não o relativo. A pureza da motivação é o ponto.

-Os Tulkus são reencarnação de quê?
Sempre que se é alguém realizado e encarnado, não ocorre isto porque se é um ego. Ego significa apego à noção de que algo realmente existe, e isto (um ego) não tem existência própria; não é pela existência de um ego que há reencarnação. No ensinamento budista não se diz que o ego tem que ser eliminado, mas se nega sua própria existência absoluta. Isto significa libertarmo-nos da falsa visão que alimentamos. Não é uma posição, mas uma atitude de visão. Os seres nascem involuntariamente por condicionamentos a suas tendências habituais; a distorção predominante se tornará sua realidade. É devido à continuidade da consciência e carma que você nasce. Já o renascimento dos seres iluminados é voluntário, não depende do carma, a escolha é consciente e deliberada.



A importância de tomar refúgio(Palavras do venerável Kempo Kata Rinpoche, Rio de Janeiro, dezembro, 1988)


Tomar refúgio com o Budha é como estabelecer um relacionamento com um médico. Um médico competente pode ajudá-lo. O ensinamento, o Dharma, é o medicamento, a Sangha são os enfermeiros que sabem quando e como se deve tomar o remédio e ajudam para que seja efetivamente usado. Nenhum deles é necessário após a iluminação ou cura. Nem o Budha, nem o Dharma, nem a Sangha são mais necessários então. Na ocasião do refúgio assumimos uma disposição muito importante, a de que desde esse momento até a iluminação completa, faremos esforços e permaneceremos refugiados no Budha, da mesma forma que uma semente até que se abra em flor. A motivação para isso é capacitar-se a prestar benefício a todos os seres sem exceção e não apenas para seu benefício temporário, mas para o bem-estar absoluto. Aí a finalidade de tomar refúgio. Há no refúgio um sentido de alegria, de que a vida dos seres pode ser preciosa e significativa, particularmente por receber os ensinamentos de um mestre tão realizado como Sua Eminência Jamgon Kongtrul Rinpoche. Vocês têm grande fortuna, esta situação não ocorre por acaso, vocês a merecem, têm o mérito necessário, seja através de contatos anteriores com o Dharma, seja através de virtudes meritórias cármicas.

(*) Esta é a transcrição da terceira palestra proferida por Sua Eminência Jamgon Kongtrul Rinpoche III no Rio de Janeiro, em dezembro de 1988, a convite da Ordem Monástica Karma Teksum Chohorling. Sua fala foi traduzida para o inglês por intérprete tibetano, sendo transcrita e vertida para o português pela e equipe de Bodhisatva e revisada por Anila Karma Tsultrim Palmo.




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