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Sem mais questões
 

por Tam Huyen Van
Janeiro, 2006
Ano Buddhista 2549.


Ao encontrar um mestre Zen em um evento social, um psiquiatra decidiu colocar-lhe uma questão que sempre esteve em sua mente:

"Exatamente como você ajuda as pessoas?" ele perguntou.

"Eu as alcanço naquele momento mais difícil, quando elas não tem mais nenhuma questão para perguntar", o mestre respondeu.


O desarvoramento, aquela sensação de que tudo a nossa volta conspira para que as respostas fundamentais permaneçam misteriosamente ocultas e irrespondíveis, nos deixando perplexos diante do mundo, é uma experiência humana comum. Não estou pretendendo afirmar que toda a humanidade sofra da angústia de se perder em dúvidas todo o tempo, conscientemente; apenas digo que há em todo coração a semente da incerteza, e esta incerteza nos impulsiona a muitas questões inconscientes, nos faz curiosos e sedentos de respostas – frequentemente sem nem mesmo perceber. Isso nos ocorre desde a infância (ou justamente por causa dela). Quando saímos do útero, deixando o doce (ou amargo) abrigo materno, entramos em um universo fantástico e misterioso de fatos, sentimentos, seres e objetos. Queremos saber o porquê, queremos descobrir as luzes da vida. É assim que, ainda crianças, nos lançamos ao mundo. Contudo as respostas que retornam para nós nesta época quase nunca são suficientes – pois o tempo passa, e ao nos tornarmos mais condicionados aos vícios de comportamento humano as primeiras certezas deixam de satisfazer os nossos sérios anseios de adultos, sofisticados e egoístas demais para aceitar a simplicidade do mundo. Esta é uma grande tragédia, realmente, pois justamente nas simples descobertas infantis estão as mais definitivas sabedorias que jamais poderíamos resgatar.

E então chegamos à maturidade, continuando a buscar respostas. Mas não buscamos verdades, realmente. As respostas que queremos são forjadas pelas expectativas que temos, e fundamentadas nas convicções de abrigamos em nossas mentes. Portanto, diante das questões fundamentais cada pessoa anseia pela resposta mais conveniente, pelo esclarecimento mais sedutor. As questões se acumulam enquanto vivemos a vida descuidadamente, sem consciência do mais que ela apresenta. As dúvidas, as incertezas, e o grande medo de descobrir amargas verdades: eis os aspectos mais pungentes do grave processo de maturidade perceptiva que as mentes de todos nós vivenciam ao longo dos caminhos e dias humanos.

A falta de respostas coerentes para questões viscerais é o que permite tanta ignorância no mundo. Pois cada indivíduo humano, seja o que vive em aldeias do Afeganistão ou passeia nas ruas de New York, passa em determinado momento pela grave certeza de que não há mais sentido continuar questionando, e abriga no coração a convicção de que as respostas convenientes são as mais confiáveis, justamente porque estão sempre disponíveis e sempre imediatas, atendendo às condições de cultura ou conhecimento nos são impostas. Poucos são aqueles que, neste momento mais difícil, tem a oportunidade de ouvir palavras fundamentais de cura, sabedoria e liberdade. Palavras de alerta, que ajudem a nos retirar de um caminho monótono, fanático ou superficial, sem sabedoria.

Eis a função do professor de Dharma: estar disponível no momento crucial (e para a maioria disfarçado, inconsciente) de desarvoramento, de falta de perspectivas saudáveis e coerentes. Os acontecimentos mundiais da atualidade são exemplos claros do grau de desnorteamento sob o qual a esmagadora maioria da humanidade vive. Existe um vácuo de compreensão e entendimento, e o ódio ignorante se torna cada vez mais evidente. Em quê momento a humanidade perdeu-se tanto em si mesma? Mesmo o esforço realizado por alguns grandes pensadores contemporâneos para que o exercício do diálogo entres os povos seja feito sob um novo prisma (que não seja mais baseado em premissas formais ou friamente diplomáticas, mas conscientes e honestas) choca-se com a grande dificuldade de reconhecimento de nossas limitações de percepção e entendimento mútuo.

Ao contrário do que imaginavam algumas abordagens sociais e psicológicas, o grande embate comunicativo moderno não ocorre entre as mentes oriental e ocidental, mas entre as posturas radicais e liberais. Abandonou-se completamente a busca pelas respostas sábias, as questões fundamentais deixaram de ter importância e em seu lugar são as dúvidas desnecessárias e absurdas que dominam mentes e corações; estamos decepcionados com os mistérios (eles se perderam em meio à metodologia científica) e insensíveis ao que é simples. A humanidade passa pelo seu momento mais difícil, desnorteada e cansada de questionar saudavelmente. Observe bem à sua volta (observe bem você mesmo), muito poucos são os que sabem reconhecer quais são as perguntas que precisam ser respondidas, e mais do que isso, o excesso de intelectualismo e o fluxo assustador de conhecimentos aleatórios criaram um cenário de banalidades, erudições frias, esoterismos e contradições.

A juventude cresce em meio ao caos argumentativo e ao vazio de relações simbólicas sadias com o universo existencial, o que por sua vez forja adultos superficiais e intolerantes, e toda palavra a favor do exercício de consciência corre o risco de ser menosprezada como uma tola tentativa de falar ao deserto. Mas é precisamente neste momento que torna-se importante defender a prática contemplativa e reflexiva, e buscar por todos os meios argumentos a favor da superação das contradições culturais que destroem as possibilidades humanas de equilíbrio e tolerância. É precisamente neste momento que atua o Zen: reafirmando a sabedoria de que é possível superar o medo e o desarvoramento.

Quando não temos mais nada a questionar, abrimos margem para que as reais dúvidas apareçam. Embora o caminho para a maturidade de consciência seja longo, e grande parcela da humanidade esteja profundamente mergulhada em ódios, orgulhos e negações, a prática ainda é possível. Nunca se esqueça disso: preconceitos, extremismos e ignorâncias jamais superam a perspectiva construtiva que habita o espírito humano; apenas criam uma ilusão de domínio da intolerância. A doença perceptiva de que sofre o Homem é perigosa e destrutiva, mas há uma medicina para isso; a cura é possível, e completamente viável para todos nós.


Colaboração de Claudio Miklos


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