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A Ciência da Felicidade
 

por Tam Huyen Van
NDezembro, 2005
Ano Buddhista 2549.


Seria possível haver uma metodologia através da qual chegaríamos à descoberta da melhor fórmula para atingir a felicidade? De muitas maneiras nós criamos metas de vida que, essencialmente, pretendem nos levar à felicidade através de métodos bem definidos. Portanto, sob o prisma das projeções comuns sobre realizações e objetivos, nosso comportamento diante do mundo se baseia em uma busca por um ideal de felicidade – mas não a felicidade em si. Freqüentemente confundimos prazer e excitação com felicidade, o que transforma muitas vezes nosso esforço para viver bem em fonte de frustrações e raivas mescladas com êxtases e alegrias.

O fato é que nós temos pouca idéia do que seria a felicidade. Eu vou mais além e afirmo que tememos a experiência da felicidade e sequer entendemos suas implicações reais, chegando ao ponto de sequer perceber qual o papel da felicidade em nossas situações cotidianas, freqüentemente vividas de forma coloquial, superficial e distraída. Evidentemente não vou me arrogar a prerrogativa de possuir as respostas para todas as perguntas (até porque as perguntas fundamentais são maiores do que o Homem, e extrapola qualquer esforço de resposta), mas posso argumentar a favor de uma postura contemplativa prática que apresenta premissas muito coerentes sobre o processo de integração e equilíbrio, que por sua vez constitui o pavimento da estrada que nos conduz à felicidade.

Em primeiro lugar, para nós a felicidade se compõe de um número determinado de realizações emocionais e materiais que, ao serem atingidas, nos colocarão de algum modo em uma posição estável na vida, nos levarão ao topo das metas humanas, e ali poderemos ficar longe dos problemas e sofrimentos até que uma morte agradável nos atinja (quase sempre uma morte tranqüila, sem dor nem sofrimento, de bem com a vida). Esta é uma idealização muito comum. O problema é que não sabemos bem o que significa atingir realizações, pois quase sempre estamos insatisfeitos com o que já temos ou com o que conseguimos. De muitos modos nossas realizações, quando efetivamente ocorrem, passam para o tempo passado e assim deixam de nos excitar. Nos concentramos em realizar uma meta, mas quando logramos atingi-la – o quê fazer com ela agora? Após os momentos de orgulho e entusiasmo pela vitória, onde fica a permanência do contentamento? Ele se esvai na rotina, e em breve outra perspectiva de realização toma seu lugar. Em certo nível este é um processo compreensível da vida, mas o problema está no fato de que nossa mente não consegue se libertar das identificações e anseios associados ao ideário humano de realizações, sucesso, poder, beleza e outros. Assim temos todo o cenário para que a felicidade jamais possa se efetivar realmente.

Existem aqueles que idealizam a felicidade através de uma vida natural. Uma vida sem dúvida maravilhosa, mas que não representa uma melhora em nossa percepção. Ela simboliza uma vitória externa muito saudável contra o cimento e aço das metrópoles e a favor de uma opção menos crítica de ambiente. Quase sempre esquecemos (ou negamos) que mesmo a vida externa mais adequada não trará, em si mesma, felicidade alguma; é preciso que nosso coração também se transforme e uma cura plena aconteça em nossa percepção. Se isso não ocorrer, é certo que o campo mais florido ou os ganhos materiais mais luxuosos serão após alguns meses ou anos coisas rotineiras e sem viço, retornadas ao grande armazém de insatisfação que guardamos dentro de nós.

Em segundo lugar, creio que um dos mais sérios obstáculos para a compreensão interpessoal humana se fundamenta no fato de que o processo egoísta seja definitivamente um fenômeno mental doentio. Ele é uma distorção do processo natural e saudável de egocentrismo, quando uma pessoa deve (e precisa) basear suas concepções a partir de um parâmetro egóico que será o elemento referencial para que suas idéias e conceitos possam ser vivenciados com coerência e discernimento. Quando o senso egóico está saudavelmente trabalho na psique de um indivíduo, o processo de referência egocêntrica nos permite obter uma grande e abrangente percepção das coisas, e é a chave para o estado de felicidade. A sociedade humana como um todo ainda não foi capaz de histórica e filosoficamente atingir a evolução cognitiva e perceptiva necessária para que seu potencial consciente desenvolva-se em direção ao parâmetro egocêntrico; a estrutura organizacional das sociedades humanas ainda está baseada no fenômeno egoísta e presa a um nível perceptivo castrador de seu próprio potencial de felicidade e bem estar, dividindo-se em vários nichos idiossincráticos e pouco coerentes. Vivemos numa fase social e comportamental humana onde simplesmente o ideal de felicidade fundamentado em parâmetros egoístas é algo não apenas incoerente, mas impossível.

Desta forma, precisamos buscar a felicidade em outro ponto. Ao criar nosso ideal de contentamento e prazer na vida o fazemos a partir de um grande equívoco, um erro egoísta. E a prova disso é o fato de que vivemos uma montanha-russa de êxtases e desesperos. Todos os dias, todo o tempo, passamos por um sem-número de altos e baixos emocionais. Em nossa vida diária criamos vínculos amorosos com uns, mas rejeitamos veementemente o contato com outros. Como é possível que a mente humana experimente lampejos de grande afetividade, e ao mesmo tempo seja capaz de desprezar com rancor e ira? Há um espectro de percepções conflitantes ocorrendo todo o tempo em nossas mentes, e que anuvia nossa lucidez. Será que é assim mesmo? Será que a felicidade se resume em uma questão de domínio e usufruto do que nos é agradável, e rejeição de tudo e todos que nos causem aversão? De forma alguma, sem a superação da doença do egoísmo a experiência de felicidade jamais será real.

Vivemos uma forma de triagem angustiante onde a idéia de prazer e harmonia implica no afastamento das coisas, pensamentos e idéias que nos deixam inseguros e fracassados. Isso é muito sofrido. Todo o tempo magoamos e somos magoados, e a cada passo somos incapazes de estar em paz. Eis porque a felicidade, apesar de ser uma meta tão desejada, não ocorrer com muitos de nós. Falta-nos a visão do que realmente nos está acontecendo, falta-nos sabedoria.

O caminho para a experiência do contentamento passa primeiramente por um compromisso: o primeiro passo – e talvez o mais difícil – é decidir parar com os hábitos não saudáveis, os padrões arraigados em nosso eu que determinam literalmente todo o escopo de nossas tristezas e insatisfações egoístas. É o que chamo de "compromisso com a transformação". Não é um compromisso fácil; afinal, perceber claramente o grau de auto-engano que fundamenta muitas de nossas idéias e atitudes não é algo que ocorre sem esforço. O fenômeno da auto-ilusão e interpretação inadequada das circunstâncias vem a ser a base do diagnóstico de Buddha, e reflete também – ainda que sob outras premissas – o cerne das teorias psicológicas de consciência.

O segundo passo é "aprender a desaprender". Eis uma arte: saber despojar-se de conhecimentos ou convicções baseadas em certezas convenientes, ou em conclusões puramente intelectuais. Esta prática também abriga todas as ações conscientes voltadas para criar soluções fáceis e econômicas (material e emocionalmente falando). Aprender a desaprender significa acabar com os vícios de consumo (sabendo reconhecer o que realmente precisamos), as falsas idéias de prazer (sabendo exercitar uma auto-estima amadurecida e superar vaidades mesquinhas), e os equívocos emocionais fundamentados em egoísmo afetivo (sabendo distinguir o amor da simples projeção passional).

O terceiro passo para realizar a felicidade é "abandonar o fardo". De qual fardo estou falando? Este à nossas costas que constantemente aumentamos ao querer sempre mais na pretensão de assim atingirmos o sucesso. Sucumbimos ao seu peso sem ao menos perceber o perverso auto-engano a que nos envolvemos desde muito cedo em nossas vidas. Imaginamos que a realização se fundamenta no acréscimo de bens, no aumento de prestígio, no acúmulo de coisas. Na relações, queremos mais atenção, mais carinho, mais excitação, mais paixão. É desta maneira, aumentando sempre o fardo, que fomos ensinados a entender o sentido da vida. Não sabemos que o despojar do excesso é que poderá permitir que nosso coração e mente sintam alívio das pressões e ambições, e assim possam vivenciar a real felicidade. Curvados sob o peso de nossas ambições e acréscimos, agimos mal em relação à vida e nos iludimos em relação ao caminho para o contentamento.

Transformar-se, desaprender, despojar-se. Eis o trinômio de minha prática pessoal. Luto para superar meus erros e ignorâncias confiando no fato de que o caminho para a felicidade aponta para um constante aprendizado sobre a forma mais simples de entender as coisas. Assim é que atingimos a morada do não-Eu: tornando-nos simplesmente abertos ao mundo, sem resistências e curados do egoísmo.


Colaboração de Claudio Miklos


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