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O orvalho milagroso — Mas cada criança que vem ao mundo tem pai e mãe, como eu. Você deve ter pais. Onde estão eles? — Como acabei de dizer, não sei. Talvez tenham sido o céu e a terra que me fizeram nascer. Ou talvez sejam as pedras que me trouxeram aqui. Mas você sabe, T’ô, eu tenho mãe! Minha mãe é a Sra. Ba Ty, sua mãe, sua adorável e maravilhosa mãe. Você e eu, somos os filhos da Má. Você sabia que há exatamente um ano que estamos procurando nossa mãe? Surgiu uma lágrima nos cílios de T’ô. Ela percebeu que Thach Lang tinha razão. Quando sua Má a tinha posto no mundo, também tinha posto no mundo o céu e a terra, as casas e árvores para T’ô. Sem a Má, como poderia ter havido florestas, campos, relvas e flores? Sem a Má, como até mesmo Thach Lang poderia ter existido? Era agora evidente para ela que Thach Lang tinha vindo ao mundo graças à sua Má. Até mesmo os dois peixinhos, era ela que os tinha feito nascer. Eles, então, também estavam procurando a Má. Sem levantar a cabeça, ela disse a Thach Lang: — Thach Lang, meu irmão, você acha que nós encontraremos um dia nossa Má? — Sim, claro! Eu acho que nós a encontraremos. Ela não pode estar morta, nem ter ido embora, nem estar definitivamente perdida. Ela fez nascer os céus e a terra, as florestas e os campos. Então, se eles ainda estão aqui, ela também está. Só há uma coisa que devemos fazer: encontrá-la. Quando a tivermos encontrado, tudo estará bem. Quando a tivermos encontrado, as pessoas não mais se matarão umas às outras, as aldeias não serão mais destruídas e as crianças deixarão de se perder. Procuro Má. Você procura Má. Os dois peixinhos a procuram. E, você sabe? Acho que ela também está nos procurando! E isso mesmo, T’ô. Você não acha também? Má não pode estar morta nem ter ido embora para sempre. Um dia nós a reencontraremos. T’ô não dizia nada. Desde que tinha conhecido Thach Lang, ela nunca tinha deixado de acreditar nele. Ele continuou: — Eu costumava sentar aqui e escutar os sons de sua flauta, que subiam da floresta. Eu podia ouvi-la tão bem como se você estivesse sentada ao meu lado. Eu ouvi sua música e soube que você estava triste: foi por isso que desci da montanha. Desci e cantei para você, substituí seus olhos e lhe servi de guia. Éramos dois, andamos juntos e nos tomamos um só. De fato, você e eu formamos um ser apenas, porque eu estou em você e você está em mim. Você não está vendo isso agora, mas em breve você verá. E quando tiver conscientizado, onde quer que você vá neste mundo, verá que estou aqui perto de você. E veja só: você sabia que a lua se levantou? O céu está todo iluminado. A lua está muito redonda hoje, quase que perfeitamente redonda. Será que hoje é o dia da lua cheia do quarto mês? No ano passado, desci da montanha naquele dia. Você agora está se sentindo bem descansada? Vamos andar um pouco e atingiremos o cume: não há mais nenhuma dificuldade. T’ô levantou. Thach Lang deu-lhe o braço. As duas crianças andaram à luz do maravilhoso luar. Pouco depois, alcançaram o cume. Thach Lang achou um lugar para que T’ô se encostasse numa laje. Tudo estava extraordinariamente calmo. T’ô teve a impressão que havia uma floresta inteira, muito longe, e que ela estava numa ilhota deserta com nada mais do que o oceano em sua volta. O vento que ouvia era muito suave. Ela tocou o próprio rosto e achou suas faces frescas, quase frias. Caía orvalho. T’ô ouviu os passos de Thach Lang, em algum lugar, perto dela, e em seguida ouviu a voz dele: — Devemos aguardar até meia-noite para que haja bastante orvalho... Ele voltou a sentar-se perto dela, e continuou: — A lua está com muito brilho, mas, abaixo de nós, a neblina escondeu tudo. Aqui também há neblina, mas é muito leve. Vejo milhares de estrelas. O tempo parece não existir mais, não é? Doze luas cheias como esta desde que deixei minha montanha! Pondo as mãos nos ombros de T’ô, continuou: — Amanhã, seguiremos rumo ao sol levante e chegaremos em casa. Pararemos no riacho e veremos se os peixinhos voltaram, está bem? Você está pensando em quê? — Estou pensando no sonho que tive na escola para cegos, na noite em que você voltou. Lembro que você estava segurando um grande girassol que só fornecia uma luz bem pálida, mas era o bastante para vermos o nosso caminho. Sim, e me lembro, podia ver meu caminho igual a você, como se eu não fosse cega. Oh! Mano Thach Lang, com você ao meu lado, não sou mais uma ceguinha. Você é minha visão. A lua tinha-se erguido até o centro da abóboda celeste, logo acima das crianças. Agora, era meia-noite. Tudo estava calmo. Thach Lang foi olhar a cavidade na pedra. — Está cheia de orvalho agora, T’ô! — chamou. Voltou para onde T’ô estava sentada, para ir ajudá-la. Vagarosamente, passo a passo, ela foi encontrando seu caminho ao longo do paredão rochoso do cume. Finalmente atingiram-no juntos e Thach Lang disse: — Eis o orvalho milagroso, irmã. Vou pegar um pouco e você beberá e lavará os olhos com ele. Isso lhe dará uma sensação de bem-estar que você nunca conheceu antes. Você poderá ficar durante meses sem alimento, nem mesmo água. Seu corpo permanecerá são e seu espírito, claro. Este orvalho devolverá sua visão. |