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A morte do pai
Texto de Thich Nhat Hanh,
extraído do livro"Flamboyant em chamas"

Foi então que o pai de T’ô morreu. Ele tinha sido obrigado a partir para a guerra. Esteve soldado durante menos de um ano antes de ser morto. Quando chegou a notícia, a mãe de T’ô se desesperou e chorou como nunca havia feito antes. T’ô só tinha sete anos e não sabia todo o significado da morte. Mas quando a viu rolar na cama soltando gritos desesperados, ela também sentiu a mesma dor, ajoelhou-se e abraçou a mãe. Mãe e filha amparavam-se mutuamente. Foi então, só então, que T’ô se deu conta de que o pai nunca mais voltaria. Ele estava morto. Tinha morrido como aquele passarinho que um dia ela tinha visto na margem do riacho. Ele não mexia mais: jazia inerte, não ouvindo e nem vendo mais nada. O passarinho tinha voltado a ser terra. Lembrando-se do passarinho, T’ô pensou que agora sabia o que tinha acontecido ao pai e ficou muito triste. E esta tristeza espalhou-se no seu coração e no seu espírito. Seu pai tinha morrido: tinha se decomposto para virar solo, terra. Nunca mais voltaria de tarde com a carga de lenha. Não iria mais brincar com ela na orla da floresta ou na margem do riacho. Nunca mais falaria com ela, não a levantaria mais nos braços, não a olharia mais nos olhos. T’ô estava muito triste. E quanto mais passavam os dias, mais profunda ficava sua tristeza.

Após a morte do pai, T’ô precisou ficar em casa, ao voltar da escola, para ajudar a mãe. Ela só sabia cozinhar arroz, catar legumes e verduras, cozinhar pratos dos mais simples. Mas no lugar do pai, a mãe tinha agora que ir no alto da montanha para trazer lenha. Como a mãe era menos forte do que o pai, os carregamentos de lenha que trazia eram menores e mais leves. Enquanto T’ô esperava pela mãe, preparava o jantar. Após o jantar, T’ô pedia licença para ir passear na orla da floresta que tanto amava. Sempre levava a flauta. Ela ia ao mesmo lugar: aquele onde ia quando o pai ainda era vivo. Sentava-se num grosso tronco e tocava as musiquinhas que o pai lhe tinha ensinado.

E era enquanto tocava flauta que T’ô sentia uma profunda tristeza. Essa tristeza era como um caranguejo, com fortes pinças que se agarravam nela e a feriam. Após um momento, parava de tocar as músicas que o pai lhe tinha ensinado e inventava outras. Com o correr do tempo, inventava cada vez mais músicas. Era reconfortante tocar novas melodias. Seu coração se libertava das garras do caranguejo. De fato, às vezes ela chorava quando estava só, mas as lágrimas a tornavam mais leve e a aliviavam. Ela imaginava que suas lágrimas descarregavam seu coração, pois quanto mais chorava, mais leve ele se tomava e menos dor ela sentia.




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