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AS PORTAS DA LIBERAÇÃO E os pontos essenciais Por Lama Denys Extrato do livro: "DHARMA – La Voie du Bouddha – Mahamudra-Dzogchen" Tradução para o português: Karma Tempa Dhargy As três portas da liberação – não-agir, não artifício e não-meditação – e as três etapas da prática – reconhecer, cultivar e obter a estabilidade – são as instruções fundamentais da aproximação do mahamudra essencial e elas constituem finalmente a prática de samatha-vipasyana no nível do mahamudra. Uma sessão de meditação Uma sessão de prática de mahamudra começa por "refúgio e bodhichitta" que colocam suas bases na motivação. Em seguida, um momento de Guru Yoga é importante. Entrar na inspiração e na influência espiritual de Vajradhara e da linhagem. Desenvolvemos, na prática de Guru Yoga, esta confiança absoluta, "sem outra" e a desenvolvemos como um meio relativo, que é toda a profundidade e a sutileza desta prática. Nos entregamos e nos abrimos plenamente e completamente à Vajradhara-Dharmakaya. "Não artifício", "não-meditação" e "não-distração" são, no nível do mahamudra, as três portas da liberação e o coração da prática. A mente do imediato não é um estado que pode ser induzido, que pode ser fabricado; é o estado natural, nossa mente antes de nós, nossa mente antes do nosso nascimento. Simplesmente, abandonamos as referências relativas ao passado, ao futuro e deixamos a mente tal como ela é, em seu estado natural, sem esperança nem medo, sem julgar nem tentar melhora-la. Sem pensar mais que ela é vazia, luminosa ou sem obstáculos... Isso é "matcheu", "a ausência de fabricação", a ausência de artifício, a ausência de fazer. Esse não agir da mente habitual é uma espécie do que chamamos "rangbap". Rangbap é uma palavra muito rica que podemos traduzir por "mente natural", "tal como é"... É o termo que traduzimos muito freqüentemente por "largar/abandonar". Esta qualidade da mente, rangbap, é concomitante, simultânea com um estado da mente livre de apego, livre de apoio, livre de referência, livre de atenção e de meditação. A prática de mahamudra não é uma meditação, é mesmo a prática essencial da não-meditação. Toda meditação intencional, deliberada, produzida, fabricada, quaisquer que seja sua sutileza, é abandonada. Esse é o sentido da não-meditação. O terceiro elemento essencial é a não-distração. Não se trata de modo algum, como compreendemos freqüentemente, de manter presente na mente alguma coisa, um objeto que é o suporte, a referência da meditação; a não-distração é não deixar o estado sem artifícios, a não-meditação. O que se passar assim na mente, durante longo tempo é não-artifício e não-meditação, é perfeito. A distração é deixar este estado. A distração é começar a meditar, a melhorar seu estado mental, a modifica-lo, quer dizer intervir, avaliar... E então, diremos, e quando os pensamentos vêm? O surgimento de um pensamento, em si-mesmo, não é uma distração. A distração é experimentar (seguir) o pensamento. Aqui, deixamos o pensador e o pensamento juntos, um pensamento sem pensador, um pensamento que pensa-se a si mesmo, que se pensa e se despensa espontaneamente... Falamos algumas vezes de "pensamentos não pensados". A dissociação do pensador e do pensamento, quer dizer o pensamento discursivo é uma forma de "entrevista" interior, do discurso onde somos dois. Trata-se aqui de um pensamento que não é dois, no qual pensamento-pensador, sujeito-objeto não estão dissociados. O pensamento pensa-se a si mesmo, ou o pensador compreende-se a si-mesmo; existe aí uma compreensão sem raciocínio. À primeira vista, é um pouco difícil. Simplesmente quando emerge um pensamento, sem interferir o acolhemos, permanecemos imparcialmente posicionados: o pensador coloca-se muito suavemente na contemplação nua de seu pensamento. Descobrimos que isso é possível. Esta prática tem um lado assustador. Na ausência de pontos de referência, das alavancas com as quais manipulamos nosso mundo, não nos tornaremos incapazes de funcionar? Temos medo de perdermo-nos, mas descobrimos pouco à pouco que não temos necessidade de tanto apoio, de tantas muletas, que existe em nossa mente uma forma de inteligência imediata, natural, que não tem necessidade de ser racional (lógica/provada/pensada). Permanecer simplesmente pousado suavemente no pensamento, diz-se em tibetano "ngo she tsam", - "visão correta", reconhecimento justo. É isso que também chamamos "o observador abstrato", que é uma qualidade da observação, da visão, da experiência leve, abstrata, quando ela é praticada, cultivada, desenvolve-se até tornar-se a experiência na qual o observador é abstraído, no sentido em que é feita a abstração do observador, o que é a experiência imediata, a inteligência primordial. Nesta prática, não é necessária uma atenção que avalia que julga, que segue. Não temos necessidade de um grande espião pesado que olha por cima de nossas costas nem de um pequeno espião esperto e rápido que furtivamente observa. Quando esta prática é verdadeiramente compreendida e realizada, a "meditação", se podemos ainda chamá-la assim, é alguma coisa muito simples e muito fácil, que pode ser feita em qualquer circunstância. Cultivar esta "meditação" em todas as circunstâncias ou viver este estado, esta experiência imediata, é o que chamamos "a atividade de mahamudra", ou ainda "a atividade espontânea". "Praticar" assim em todas as atividades, no que acontece, no que quer que façamos, quer estejamos sentados em meditação, quer nos desloquemos, trabalhemos, comemos, dormimos, isso é chamado o "Yoga Rio", que corre sem descontinuidade, constantemente, é a "Via Real" seguida por todos os Budhas, do passado do presente, e do futuro. Na prática do mahamudra essencial, falamos também de três etapas chamadas: "reconhecer do que se trata", "cultivar a prática" e "obter a estabilidade". Trata-se de reconhecer o que é a prática, depois de cultiva-la em todas as circunstâncias, até que a estabilidade seja obtida. A capacidade de reconhecer o que é prática de mahamudra depende da "receptividade superior". Tendo sido conduzido à maturidade pela iniciação que estabelece a conexão com a influência espiritual, o discípulo pode ser introduzido à prática do mahamudra. O lama lhe dá alguns conselhos, lhe mostra, por diferentes meios verbais e simbólicos, do que se trata – é o que chamamos a apresentação. Há uma alternância de trocas com o lama e momentos de retiro silencioso, depois quando uma certa compreensão do "que" é a mente, nossa experiência foi adquirida, importa questionar "quem" teve a experiência assim enunciada, o testemunho, o sujeito desta experiência. Se não encontrarmos o sujeito de características, ou revela ter características inapreensíveis, podemos ainda interrogar sobre o "como" desta experiência indefinível. Há um conjunto de considerações, de contemplações mais analíticas que nos conduzem a descobrir o estado de repouso natural da mente, o estado da mente quando esta não é constrangida, quando é deixada tal como é, sem artifícios, no seu estado natural. Descobrimos o que chamamos mente de imediaticidade, a "mente comum". Quando esta presença da imediaticidade, esta "mente comum" foi encontrada, além de todas as tergiversações, além de todas as dúvidas, conceitos, reconhecemos "o que é" a prática. Nesse momento, o ponto essencial é cultivar – guardar essa mente do imediato (presente). "Guardar" pode prestar-se a confusão: não é qualquer coisa que possa ser agarrada; é aprender a proteger, de algum modo, este estado em todas as circunstâncias, até a estabilidade. |