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INTRODUÇÃO À MEDITAÇÃO
Uma visão da meditação budista através dos textos
Este é um trabalho de seleção e ordenação de textos
de vários autores e mestres budistas por
Karma Tenpa Darghye.

Todos os budas, bodhisatvas e seres iluminados estão presentes a todo momento para ajudar-nos, e é através da presença do mestre que todas as suas bênçãos se dirigem a nós. Os que conhecem Padmasambhava sabem da verdade viva da promessa feita por ele há mais de mil anos: "Nunca estou longe dos que têm fé ou mesmo daqueles que não a têm, embora estes não me vejam. Meus filhos serão sempre, sempre protegidos pela minha compaixão".

Tudo de que precisamos para receber auxílio direto é pedi-lo. Não disse Cristo também: "Pedi e vos será dado; buscai e achareis; batei e vos será aberto; pois todo o que pede recebe; o que busca acha"? Mas pedir é o que achamos mais difícil. Muitos de nós, é o que sinto, nem sabem como pedir. As vezes é porque somos arrogantes, outras porque não queremos buscar ajuda; às vezes somos preguiçosos, às vezes nossas mentes estão tão ocupadas com perguntas, distrações e confusão, que a simplicidade de um pedido não nos ocorre. O momento da virada em qualquer processo de cura de álcooltrás ou drogados ocorre quando eles admitem sua doença e pedem ajuda. De um modo ou de outro somos todos viciados no samsara o momento em que o auxílio pode vir é aquele em que admitimos nossa dependência e simplesmente pedimos.

O que a maioria de nós precisa, quase mais do que todo o resto, é de coragem e humildade para realmente pedir auxílio, do fundo do nosso coração: pedir a compaixão dos seres iluminados, pedir a purificação e a cura, pedir o poder de compreender o significado do nosso sofrimento e transformá-lo. Num nível relativo, pedir o crescimento da claridade, paz e discernimento em nossas vidas; e pedir a realização da natureza absoluta da mente, que vem da fusão com a mente de sabedoria imortal do mestre.

Não há prática mais rápida, tocante ou poderosa para invocar o auxílio dos seres iluminados ou para fazer surgir a devoção e realizar a natureza da mente do que a prática de Guru Ioga. Dilgo Khyentse Rinpoche escreveu: "As palavras Guru Ioga significam ‘união com a natureza do guru’, e nesta prática recebemos métodos pelos quais podemos fundir nossas próprias mentes com a mente iluminada do mestre. Lembre-se de que o mestre — o guru — personifica a cristalização das bênçãos de todos os budas, mestres e seres iluminados. Assim, invocá-lo (ele ou ela) é invocar todos eles; e fundir sua mente e seu coração com a mente de sabedoria do seu mestre é fundir sua mente com a verdade e a própria personificação da iluminação.

O mestre exterior apresenta você diretamente à verdade de seu mestre interior. Quanto mais é revelado nos seus ensinamentos e inspiração, mais você começa a perceber que o mestre exterior e o interior são indivisíveis. À medida que descobre a verdade disso por si mesmo, invocando-a repetidamente na prática de Guru Ioga, confiança, alegria, gratidão e devoção cada vez mais profundas nascem em você, e através delas a sua mente e a mente de sabedoria do mestre tornam-se de fato uma coisa só. Numa prática de Guru Ioga que compôs a meu pedido, Dilgo Khyentse escreveu:

O que de fato conquista a grande pureza de percepção

É a devoção, que é a radiância de Rigpa...

Reconhecer e lembrar que meu próprio Rigpa é o mestre

Por meio disso possam sua mente e a minha fundir-se numa só.

Por isso todas as tradições de sabedoria do Tibet deram tanta importância à prática de Guru Ioga e todos os mestre tibetanos a consideraram sua prática preferida. Dudjom Rinpoche escreveu:

 

É vital pôr toda sua energia no Guru Joga, tomando-o como a vida e o coração da prática. Se não fizer isso sua meditação ficará muito amortecida, e mesmo que faça algum progresso, os obstáculos não terão fim nem haverá possibilidade de nascer uma verdadeira e genuína realização dentro da sua mente. Assim, pela oração fervorosa e imbuída de uma devoção sem artifícios, dentro de algum tempo a bênção direta da mente de sabedoria do mestre será transmitida, fortalecendo-o com uma realização ímpar. Além das palavras, nascida do fundo de sua mente.

O que desejo dar-lhe agora é uma prática simples de Guru Ioga que qualquer um, não importa de que religião ou crença, poderá fazer.

Esta maravilhosa prática é a minha prática principal, coração e inspiração de toda a minha vida, e onde quer que eu dê o Guru Ioga é em Padmasambhava que ponho o foco. Quando o próprio Buda estava morrendo, profetizou que Padmasambhava nasceria não muito depois da sua morte para difundir o ensinamento dos Tantras. Foi ele, como já disse, que estabeleceu o budismo no Tibet no oitavo século. Para nós, tibetanos, Padmasambhava, Guru Rinpoche, personifica um princípio cósmico e atemporal; ele é o mestre universal. Apareceu incontáveis vezes para os mestres do Tibet e esses encontros e visões foram registrados com precisão: data, lugar e maneira como ocorreram, juntamente com os ensinamentos e profecias que Padmasambhava trouxe. Deixou também milhares de ensinamentos visionários para os tempos futuros, revelados repetidamente por muitos grandes mestres que foram emanações dele; um desses tesouros visionários, ou termas, é o Livro Tibetano dos Mortos.

Voltei-me sempre para Padmasambhava em momentos de crise e de dificuldade, e sua bênção e poder jamais me faltaram. Quando penso nele, todos meus mestres se incorporam à sua figura. Para mim ele está totalmente vivo a todo momento, e a cada instante o universo inteiro brilha com sua beleza, força e presença.

Ó Guru Rinpoche, Ó Precioso,

Tu és a encarnação da

Compaixão e bênçãos de todos os budas,

O protetor único dos seres.

Meu corpo, minhas posses, meu coração e alma

Sem hesitação eu entrego a li!

De agora em diante até que eu atinja a iluminação,

Na alegria ou na tristeza, nas boas situações ou nas más, nos sucessos ou insucessos:

Eu confio em ti completamente. Ó Padmasambhava, tu que me

conheces: pensa em mim, inspira-me, guia-me, faz-me um só contigo!

Considero Padmasambhava a personificação de todos os mestres; assim, quando uno minha mente a ele na prática de Guru Ioga, todos esses mestres estão incluídos. No entanto, você pode usar qualquer ser iluminado, santo ou mestre de qualquer religião ou tradição mística por quem sinta devoção, esteja ele vivo ou não.

Essa prática de Guru Ioga tem quatro fases principais: invocação; fusão da sua mente com o mestre através do mantra, que é a essência do coração desse mestre; recepção das bênçãos ou iniciação, e a união de sua mente com o mestre, repousando na natureza de Rigpa.

1. Invocação

Sente-se tranqüilamente. Do fundo do seu coração, invoque no céu à sua frente a encarnação da verdade na pessoa de seu mestre, de um santo, de um ser iluminado.

Tente visualizar o mestre ou o buda vivo, tão radiante e translúcido quanto um arco-íris. Acredite com total confiança que todas as bênçãos e qualidades de sabedoria, compaixão e poder de todos os budas e seres iluminados estão corporificados no seu mestre, ele ou ela.

Se tem dificuldade de visualizar o mestre, imagine essa personificação da verdade simplesmente como um ser de luz, ou tente sentir a perfeita presença dele ou dela no céu diante de você: a presença de todos os budas e mestres. Deixe que toda inspiração, alegria e reverência que sente participem da visualização. Confie que a presença que está invocando está de fato ali. O próprio Buda disse: "Sempre que alguém pensar em mim, estarei diante dele". Meu mestre Dudjom Rinpoche costumava dizer que não importa se no começo você não conseguir fazer a visualização; o mais importante é sentir a presença no seu coração e saber que essa presença personifica as bênçãos, a compaixão, a energia e a sabedoria de todos os budas.

Então, descontraído e enchendo seu coração com a presença do mestre, invoque-o fortemente, com todo o seu coração e a sua mente; com total confiança, peça a ele, dentro de si: "Ajude-me, inspire-me a purificar todo meu carma e minhas emoções negativas e a atingir a realização da verdadeira natureza de minha mente!"

A seguir, com profunda devoção, funda a sua mente com a do mestre; repouse a sua mente na mente de sabedoria dele ou dela. E, ao fazê-lo, entregue-se completamente ao mestre, dizendo a si mesmo alguma coisa como: "Ajude-me, agora. Tome conta de mim. Preencha-me com sua alegria e energia, sua compaixão e sabedoria. Acolha-me na essência amorosa da sua mente de sabedoria. Abençoe minha mente e inspire meu entendimento". Então, como diz Dilgo Khyentse Rinpoche: "Não há dúvida de que a bênção entrará no seu coração".

Fazer essa prática é um modo poderoso, direto e hábil de nos levar para além da nossa mente ordinária, até o reino puro da sabedoria de Rigpa. Lá reconhecemos, descobrimos e realmente tomamos conhecimento de que todos os budas estão presentes.

Assim, sentir a presença viva do Buda, de Padmasambhava, de seu mestre, e abrir seu coração e sua mente para a personificação da verdade, realmente abençoa e transforma a sua mente. Quando invoca o Buda, sua própria natureza búdica se inspira a despertar e florescer de maneira tão natural quanto uma flor ao sol.

2. Amadurecendo e aprofundando a bênção

Quando chego a esta parte da prática, que é a fusão da minha mente com a do mestre através do mantra, recito o mantra OM AH HUM VAJRA GURU PADMA SIDDHI HUM (pronunciado pelos tibetanos como Om Ah Hung Benza Guru Péma Siddhi Hung) pensando que de fato é Padmasambhava e as bênçãos de todos os mestres em forma de som. Imagino todo meu ser sendo preenchido por ele e à medida que recito o mantra — que é a essência de seu coração — sinto que ele vibra e se espalha dentro de mim, como se centenas de pequenos Padmasambhavas na forma de som circulassem dentro de mim, transformando todo meu ser.

Usando o mantra, então, ofereça seu coração e alma com devoção fervorosa e concentrada, e misture, combine, funda sua mente com a de Padmasambhava ou de seu mestre. Gradualmente irá se sentir chegando mais próximo de Padmasambhava, eliminando a distância entre você e a mente de sabedoria dele. Passo a passo, pela bênção e o poder dessa prática, descobrirá que realmente percebe sua mente sendo transformada na mente de sabedoria de Padmasambhava e do mestre: você começa a reconhecer a inseparabilidade delas. Do mesmo modo que ao pôr seu dedo na água ele fica molhado e se o puser no fogo ele se queima, se você envolver sua mente na mente de sabedoria dos budas, ela se transformará na natureza de sabedoria deles. O que ocorre é que, aos poucos, a sua mente começa a descobrir-se no estado de Rigpa, já que a natureza essencial da mente é a mente de sabedoria de todos os budas. É como se a sua mente ordinária gradualmente morresse, se dissolvesse, e sua consciência primordial e pura, sua natureza búdica, seu mestre interior fosse revelado. Esse é o verdadeiro significado de "bênção" — uma transformação em que sua mente transcende ao estado de absoluto.

Essa "maturação da bênção" é o coração e a parte principal da prática e, quando praticar Guru Ioga, é a ela que você deve devotar a maior parte do tempo.

3. Transmissão do poder

Imagine agora que do mestre irradiam milhares de brilhantes raios de luz na sua direção e penetram em você, trazendo-lhe purificação e cura, abençoando-o, fortalecendo-o e semeando em você as sementes da iluminação.

Para tornar a prática a mais rica e inspiradora possível, pode imaginar que ela se desdobra nestas três fases:

Primeira: uma luz deslumbrante, de cor branca cristalina, irrompe da fronte do mestre e entra no centro de energia na sua fronte, preenchendo todo o seu corpo. Essa luz branca representa a bênção do corpo de todos os budas: ela limpa todo carma negativo que você acumulou através de ações negativas do corpo; purifica os canais sutis do seu sistema psicofísico; proporciona-lhe a bênção do corpo dos budas; dá a você a iniciação para a prática da visualização e a abertura para atingir a realização daquela energia compassiva de Rigpa, a natureza da mente, que se manifesta em tudo.

Segunda: uma corrente de luz vermelha-rubi brilha na garganta do mestre e irradia até o centro de energia na sua garganta, preenchendo todo o seu corpo. Essa luz vermelha representa a bênção da fala de todos os budas: ela limpa todo o carma negativo que você acumulou através da fala prejudicial e nociva; purifica o ar interno do seu sistema psicofísico; proporciona-lhe a bênção da fala dos budas; dá a você a iniciação para a prática do mantra e a abertura para atingir a realização da radiância da natureza de Rigpa.

Terceira: uma corrente de luz azul cintilante, da cor de lápis-lazúli, irradia do coração do mestre para o centro de energia (do seu coração, preenchendo todo seu corpo. Essa luz azul representa a bênção da mente dos budas: ela limpa todo o carma negativo que você acumulou com a atividade negativa de sua mente; purifica a essência criativa, ou energia, dentro do seu sistema psicofísico; proporciona-lhe a bênção da mente dos budas; dá a você a iniciação para as práticas avançadas de ioga e a abertura para a realização da pureza primordial da essência de Rigpa.

Saiba e sinta que, pela bênção, você agora recebeu a transmissão do poder do corpo, fala e mente indestrutíveis de Padmasambhava e de todos os budas.

4. Repousando em Rigpa

Agora deixe o mestre dissolver-se em luz e tornar-se um só com

você, na natureza da sua mente. Reconheça sem qualquer dúvida que

a natureza da sua mente, que é como a do céu, é o mestre absoluto.

Onde mais poderiam todos os seres iluminados estar senão em Rigpa,

a natureza da sua mente?

Seguro nessa realização, num estado de tranqüilidade ampla e despreocupada, você repousa no calor, na glória e na bênção de sua natureza absoluta. Chegou agora ao solo original, a base: a pureza primeva da simplicidade natural. Enquanto repousa nesse estado de Rigpa, você reconhece a verdade das palavras de Padmasambhava:

"A própria mente é Padmasambhava; não há prática ou meditação fora disso".

Dei esta prática aqui como parte do bardo natural desta vida, porque essa é a prática mais importante na vida e, assim, a mais importante no momento da morte. O Guru Ioga, como se verá no capítulo 13 — "Ajuda Espiritual aos que Estão Morrendo" — é a base da prática de P’howa, a transferência de consciência no momento da morte. Porque se no momento da morte você puder, de modo confiante, unir sua mente com a mente de sabedoria do mestre e morrer nessa paz, então eu prometo e lhe asseguro: tudo estará bem.

Assim, nossa tarefa na vida consiste em praticar essa fusão com a mente de sabedoria do mestre, muitas e muitas vezes, de tal forma que ela se torne tão natural que cada atividade — sentar, caminhar, comer, beber, dormir, sonhar e despertar — comece a ficar mais e mais impregnada da presença viva do mestre. Lentamente, através de anos de devoção concentrada, você começa a saber e a atingir a realização de que todas as aparências são a manifestação da sabedoria do mestre. Todas as situações na vida, até aquelas que uma vez pareceram trágicas, sem significado ou aterrorizantes, revelam-se, de modo cada vez mais transparente, como sendo o ensinamento direto e a bênção do mestre, e o mestre interior. Como diz Dilgo Khyentse Rinpoche:

A devoção é a essência do caminho, e se não temos em mente nada além do guru, e nada sentimos senão fervorosa devoção, o que quer que aconteça é percebido como sua bênção. Se praticamos com simplicidade e com essa devoção sempre presente, isso é a própria oração.

Quando todos os pensamentos estão imbuídos de devoção ao guru, há uma confiança natural que nos diz que isso cuidará de tudo o que aconteça. Todas as formas são o guru, todos os sons são orações, todos os pensamentos, grosseiros ou sutis, surgem como devoção. Tudo é espontaneamente liberado na natureza absoluta, como laços desatados no céu.

O LIVRO TIBETANO DO VIVER E DO MORRER – Sogyal Rinpoche




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