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O Coração Amante e Compassivo de um Bodisatva

Palestra do Dr. Alex Berzin
8 de agosto de 1988


Esta tarde pediram-me que falasse sobre o bodisatva. Este é um assunto bastante amplo e que está relacionado com a nossa motivação — especificamente se queremos seguir o caminho espiritual. Esta motivação, nós a construímos gradualmente, em nosso interior, pois muito difícil que se possa gerá-la fácil e imediatamente. O bodisatva é aquele que, em seu coração, tem o firme propósito de tornar-se um Buda, e que tem uma segura determinação: "Hei de ultrapassar todas as minhas limitações e realizar todo o meu potencial, de modo a me tornar capaz de ajudar a todos." Estamos lutando pela iluminação, não somente porque assim alcançaremos o melhor e o mais alto grau, mas também com o objetivo de ajudar a todos no sentido de também alcançá-la. Embora freqüentemente expressemos o desejo de trabalhar para nos tornarmos um Buda, com o objetivo de ajudar a todos os seres conscientes, muito difícil manter esse sentimento contínua e sinceramente em nossos corações. Contudo, pela reconstrução contínua dessa aspiração, poderemos chegar a um estágio no qual ela surgirá, em nosso íntimo, espontaneamente.

Desde que você, certamente, devem ter tido ensinamentos e explicações sobre os meios para desenvolver-se como um bodisatva, eu não enfatizarei esta questão agora. Em vez disso, falarei sobre a importância de seguir por todos os estágios que levam a essa motivação. É muito fácil saltar sobre esses estágios e ir diretamente a outra mais alta motivação Mahayana. Podemos dizer: "Eu pratico porque desejo ajudar os outros. Esta a minha responsabilidade social." Como isso , obviamente, é algo de benéfico para ser feito, imediatamente tentaremos fazê-lo. Mas, se não tivermos ultrapassado os estágios anteriores, certamente teremos problemas. Gostaria de conversar sobre como evitar essas dificuldades, quando estivermos tentando desenvolver a motivação de amor e compaixão com o objetivo de ajudar os outros.

Na borda da dificuldade ou no caminho gradual para o desenvolvimento até a iluminação, nós seguimos gradualmente, passo a passo, até ao mais alto nível de desenvolvimento espiritual. A motivação espiritual inicial envolve o trabalho que fazemos visando felicidade em nossas vidas futuras. Lutar pela felicidade nesta vida o que todos fazem. Até mesmo os animais fazem isso. Eles se preocupam com a sua alimentação e sobre o cuidado com as crias. Contudo, isso é a preocupação básica e ela não envolve o interesse pela prática espiritual.

Contudo, é importante que se tenham os devidos cuidados com esta vida que vivemos. Algumas pessoas não dão atenção a si mesmas ou às condições em que estão, e nunca querem realmente perceber o que se passa em suas vidas. Assim, nem sequer buscam melhorar as condições em que estão. Apenas, aceitam o que se passa e nem mesmo buscam algo melhor. É importante, por isso, começar, pelo menos, em um nível em que haja uma preocupação consigo mesmo, com seus familiares, com a situação em que se vive — mesmo que isso não seja uma motivação particularmente espiritual. Quando tivermos problemas de fato, devemos admiti-los; devemos examinar nossas vidas para ver que dificuldades estamos realmente tendo. "Será que sou feliz ou infeliz? Será que há dificuldades que estou enfrentando que tornam minha vida desagradável?"

AS VIDAS FUTURAS
A fronteira que indica que estamos, de fato, nos voltando para uma prática espiritual, está relacionada com o nosso interesse e preocupação com nossas vidas futuras. Todos os textos concordam, igualmente, com isso. Quando estamos preocupados com nossas vidas futuras, queremos evitar vir a ter problemas mais graves do que aqueles que temos agora. Vemos as situações que podem ocorrer no futuro como um resultado daquilo que fazemos agora. Pensamos, então, sobre nossa preciosa vida humana: "Quão feliz eu sou! Não estou morrendo de fome. Não estou em um campo de concentração. Não sou mentalmente retardado. Não estou vivendo entre bárbaros, que se digladiam mutuamente. Sou muito afortunado, pois estou livre de todas essas coisas e ainda tenho a oportunidade de me desenvolver espiritualmente. Mas isso não vai durar para sempre. A morte virá. Ela vem para todos. E não há nenhuma certeza de quando isso acontecer. Posso ser atropelado por um caminhão, a qualquer momento. Não necessariamente tenho de ser velho para morrer. Posso morrer bem jovem." Então, pensamos no que pode acontecer após a nossa morte. Poderemos ir para uma situação melhor ou pior. Olhando para as situações piores — por exemplo: voltar como um inseto ou como um fantasma faminto — desenvolvemos um grande sentimento de pavor. Não de medo, mas de pavor mesmo.

Não tentamos cultivar o medo no Budismo. É uma versão enganosa dizer que temos medo de renascer em uma esfera inferior. Dizer que nos apavoramos em pensar em um renascimento inferior transmite um significado mais adequado. Medo é um estado defeituoso da mente; nele colocamos uma grande e sólida linha em torno da situação que tememos e a tornamos em algo horrível e monstruoso. Então, nos congelamos apavorados, pois não somos capazes de lidar com essa situação. Não isso o que se objetiva no Budismo. Aqui, se trata de pavor: não admitir que uma situação terrível possa atingir-nos. A diferença entre pavor e medo pode-se verificar em uma situação em que temos de passar uma tarde com uma pessoa horrível e detestável, o que fará a tarde muito desagradável. Não tememos isso, mas temos horror dessa situação. Esse horror um forte desejo de que tal não venha a acontecer.

A BUSCA DO REFÚGIO
Temendo com horror situações piores, no futuro, voltamo-nos, então, para um novo rumo, com o objetivo de evitá-las. A direção para a qual nos voltamos, com o objetivo de fugir àquelas situações, o que pode ser descrito como busca de um refúgio. O refúgio é um caminho seguro que tomamos em nossas vidas. Assim seguimos em direção ao darma. O darma integral o estado em que todas as nossas limitações e problemas foram eliminados e todas as nossas potencialidades foram realizadas. O darma representa medidas preventivas; coisas que fazemos com o objetivo de evitar problemas. A última coisa e a mais definitiva que podemos fazer para evitar todos os nossos problemas é livrar-nos de nossas limitações, que são as causas dos mesmos. "Se eu me enfureço, ou fico perturbado, ou nervoso, ou me preocupo, isso certamente me traz um monte de problemas. Mas se eu puder realizar todas as minhas potencialidades, então serei capaz de manejar todas as situações. E, então, serei capaz de ajudar a todos da melhor maneira." Quando compreendemos isto então queremos seguir esse caminho.

Seguir esse caminho é positivo e benéfico. Esse é o rumo que os Budas tomaram, e a direção na qual a comunidade do Sanga está trabalhando para seguir. Tomar essa direção segura e positiva em nossas vidas evitar seguir uma direção pior em vidas futuras.

Especificamente, temos de pensar em causa e efeito, para vermos que se agirmos destrutivamente então isto resultará em danos e em problemas. Criamos muita energia negativa e a seguir a experienciamos nós mesmos. Ficamos impedidos de avançar com isso. Entretanto, se nós nos impedirmos de agir de uma maneira destrutiva e, ao contrário, agirmos de uma forma construtiva, então estaremos construindo muitas chances de possibilidades positivas, e as coisas serão melhores para nós, no futuro. Desta maneira, nós trabalhamos de modo a melhorar nossas vidas futuras.

A DETERMINAÇÃO DE SERMOS LIVRES
Entretanto, não importando que tipo de vida futura pudermos obter, ainda haverá, para nós, problemas recorrentes e incontroláveis, tais como frustrações, confrontos e conflitos com outras pessoas, não conseguir aquilo que desejamos, obter o que não queremos, etc. Essas coisas são inevitáveis. Elas acontecem por causa de nossa falta de conhecimento de quem somos, como existimos e como outras pessoas existem. Porque somos inconscientes disso ficamos muito confusos e nos sentimos inseguros; sentindo-nos inseguros, nos apegamos a alguma entidade, para que nos dê alguma forma de segurança. Nos apegamos a algum aspecto de nós mesmos, quer seja verdadeiro ou imaginário, e nos identificamos com ele: "Isto sou eu".

Podemos nos identificar com um certo papel social ou ocupação: "Eu sou um Homem de Negócios, isso é o que eu sou." Ou "Eu sou Mãe". Ou ainda "Eu sou Pai". Baseamos toda identidade nisso, ainda assim nos sentindo inseguros, e tentamos, de modo idêntico, defender aquela identidade ou dar-lhe sustentação. Fazendo isso, agimos de uma maneira extremamente impulsiva e compulsiva. Nós bravateamos para as pessoas próximas: "Eu sou Pai e eu preciso ser respeitado." claro que nossos filhos têm dificuldades com isso e, havendo um grande conflito, uma criança pode dizer: "Eu sou uma pessoa independente. Eu sei o que eu quero fazer." A criança baseia sua identidade em ser uma pessoa independente, sendo um adolescente. Então, se um dos pais tem de manter sua autoridade, diz: "Não, você precisa obedecer-me." Vê-se que todo mundo está inseguro e agarrando-se mais e mais ao seu papel social. Isso produz argumentos recorrentes incontroláveis, lutas, ressentimentos e etc. Isso é o que é conhecido como samsara — problemas recorrentes incontroláveis.

Temos de desenvolver a determinação de nos livrarmos desse ciclo de problemas recorrentes constantes. Isso é freqüentemente traduzido como renúncia, mas isso uma tradução enganosa. Ela traz uma conotação de que devemos desistir de tudo e ir viver em uma caverna. Mas Buda não fez isso. Adquirimos essa idéia porque lemos sobre pessoas como Milarepa, que deixou sua cidade e sua família e foi viver em uma caverna. Daí, concluímos que devemos fazer o mesmo. Mas não é esse o significado de renúncia. Obviamente, temos de desistir de nossa flagrante união e apego àquilo que temos, mas isso não significa que vamos atirar pela janela tudo o que temos.

Mais precisamente, o conceito traduzido como renúncia, de fato, significa a determinação para ser livre. Nossa mente está decidida e determinada: "Todos os problemas que eu tenho, todas essas confrontações com a minha família, dificuldades com meu trabalho; já chega! Estou farto! Estou enojado! Tenho de ir embora!" Baseados nisso tentamos desenvolver a sabedoria que vê a realidade e compreende como existimos, pois, na verdade, nós não existimos como prisioneiros dentro dessas sólidas identidades. As coisas são bem mais abertas. Não vivemos dessa estranha e fantasiosa maneira. Não somos apenas pais, somos também amigos. Somos também os filhos de nossos pais. Somos muitas coisas. Assim, queremos desenvolver essa determinação para sermos livres, o que pode nos impelir a seguir uma prática espiritual e ganhar sabedoria.

A RESPONSABILIDADE UNIVERSAL
Depois disso, pensamos: "Eu não sou o único ser existente no universo. Há outras pessoas mais. Que pensar delas? Terei alguma responsabilidade para com elas?" Podemos dizer: "Definitivamente, não. Quem se preocupa com os outros? Eu não estou realmente ligado aos outros. Eu preciso apenas trabalhar exclusivamente para mim." Mas isso é estar inteiramente fora da realidade. O grande mestre indiano Shantideva, costumava usar como exemplo o pé e a mão. Se tivéssemos um espinho no pé e se nossa mão dissesse ao nosso pé: "Que má sorte, hein pé! Mas esse é um problema teu; comigo tudo bem, aqui em cima." Naturalmente, isso seria uma tolice. A mão tem de ajudar o pé, pois ambos estão interconectados. Da mesma forma, não podemos trabalhar apenas para nós mesmos, pois estamos, igualmente, muito ligados a todos os demais.

Veremos isso facilmente, se pensarmos acerca das coisas de que nos valemos ou usufruímos a cada dia. Tomemos, como exemplo, o que comemos hoje pela manhã. Digamos que comemos uma tigela de macarrão. De onde veio essa tigela? Muitas pessoas trabalharam na plantação do trigo. Outras, fizeram a colheita e ainda outras trouxeram-no ao moinho, onde foi transformado em farinha. Algumas pessoas o transformaram no macarrão e outras o embalaram. Todas essas pessoas estiveram envolvidas no preparo do macarrão para nos alimentarmos. Além disso, a massa teve de ser transportada até aqui, por avião, de navio ou por estrada de rodagem. Quem construiu as estradas? E os aviões? De onde veio o material para fabricação dos caminhões e dos aviões? E quanto ao combustível? Pensem sobre todos os dinossauros cujos corpos se decompuseram para que se formasse o petróleo. Houve muitas pessoas e animais envolvidos na fabricação desse único pacote de massas.

Ainda, como cozinhamos o macarrão? Deveria haver luz elétrica na cozinha e gás para o fogão. Isto se deve às pessoas que trabalham nas instalações elétricas e àquelas que fazem as perfurações e bombeiam o gás. Há tantas pessoas envolvidas em todas essas atividades e nós estamos falando apenas de uma pequena tigela de massa! O que dizer de tudo o mais que comemos? E sobre as roupas que vestimos? E sobre os objetos que temos em casa? E se pensarmos em como feita a tigela em que comemos a massa? Havia também um pedaço de papel ou de plástico embrulhando o macarrão. De onde poder ter vindo? Pensem em todas as pessoas que trabalham na indústria de confecção de papel ou de plástico e na indústria de impressão, que também esteve envolvida na confecção da embalagem. Centenas de milhares de pessoas estão envolvidas para tornar nossas vidas possíveis a cada dia. Logo, trabalhar apenas para nós mesmos não faz o menor sentido, pois estamos integralmente unidos a todos os demais. Se algum está em uma situação difícil e nós estamos bem, as coisas não vão funcionar. Da mesma forma, nada vai dar certo se um de nós for o único sobrevivente de uma guerra nuclear, inteiramente só, em um abrigo nuclear, com uma máscara de gás, e todo o mundo morto. Quanto tempo poderíamos sobreviver nessas condições? Não por muito tempo e, certamente, isso também não seria nada agradável.

É dessa forma que começamos a pensar nos outros. Lembramos sua bondade e desejamos retribuí-la. Desenvolvemos o amor, desejando que sejam felizes, e compaixão, um autêntico desejo de que sejam livres de seus problemas. Além disso, assumimos a responsabilidade de realmente fazer alguma coisa para isso. E isso não somente ficar parado ao lado de um poço enquanto vemos uma criança afogar-se, dizendo: "Ora, ora, que pena! Eu gostaria que tal jamais tivesse acontecido." Compaixão não é o bastante. Nós, realmente, temos de fazer alguma coisa. Temos de pular para dentro do poço e ajudar aquela criança; nós assumimos a responsabilidade de salvá-la. Esta uma resolução extraordinária; uma decisão de que: "Estou decidido a fazer algo para ajudar os outros."

Segue-se a pergunta: "Sou, realmente, capaz de fazer o melhor para ajudar os outros?" Falando honestamente, não. Dificilmente posso ajudar a mim mesmo. Então, como poderei ajudar os outros? A única forma seria tornar-me um Buda. Como um Buda, vou ultrapassar todas as minhas limitações e realizar todo o meu potencial. Então, poderei, realmente, ajudar a todo mundo da melhor maneira possível." Assim geramos o estado de um Bodisatva, nós temos nosso coração voltado para o desejo de nos tornarmos um Buda com o objetivo de beneficiar a todas as pessoas. O desenvolvimento do Bodisatva refere-se à expansão, cada vez maior, de seu coração na direção do outro. Expandir seu coração, com o fim de alcançar o máximo de suas potencialidades e de superar todas suas limitações, de modo que possa ajudar os outros da melhor maneira possível.

Este é o caminho da graduação, pelo qual alcançamos o desenvolvimento: Primeiro, desejamos nos assegurar de vidas futuras felizes. Depois, desenvolvemos a determinação de nos libertarmos, completamente, de todos nossos problemas. Finalmente, dedicamos nosso coração a nos tornarmos um Buda, com o objetivo de sermos capazes de auxiliar os outros. Tomamos essas decisões baseados no amor e na compaixão, desejando a felicidade de todos e não querendo vê-los infelizes.

A DESCONSIDERAÇÃO COM AS VIDAS FUTURAS
O que aconteceria se tentássemos saltar diretamente para esse estágio final de aspiração de nos tornarmos um Buda, sem seguirmos pelos estágios iniciais? Nós teríamos problemas. Por exemplo: o primeiro passo importante é pensar sobre as vidas futuras e considerá-las seriamente. Podemos não ter dado bastante atenção a isso, ou talvez nós o tenhamos aceitado de uma maneira indistinta, sem nos sensibilizarmos muito com ela. Se não tivermos assimilado o fato de que temos um número infinito de vidas, podemos pensar: "Bem, as coisas não estão indo bem em nosso relacionamento com essa determinada pessoa. Então, por que não deixá-la de lado e envolver-me com outra?" Podemos tomar essa atitude em relação a pessoas que não conhecemos bem, ou em relação a amigos com quem as coisas estão se azedando. Apenas desejamos deixá-los. Quando estivermos cansados de nossos companheiros ou tivermos dificuldades com eles, simplesmente arranjaremos um novo marido ou uma nova esposa. Em alguns países, cerca de 50% de todos os casamentos terminam em divórcio. Isso é realmente chocante e também muito triste.

O que está atrás disso? Simplesmente a idéia de que não temos ligações com os outros e, assim, podemos jogá-los fora como um traste inútil. "Bem, eu não vou ajudar essa pessoa e posso simplesmente deixá-la de lado. Isso não tem importância." Mas se pensarmos sobre vidas futuras e sobre um número infinito de vidas, nós nos daremos conta de que não podemos evitar um relacionamento com alguém. Se o relacionamento não está indo bem, não podemos saltar fora dele, ignorando a pessoa e nunca mais olhando para ela. Se não resolvermos esse relacionamento agora, nesta vida, então, em vidas futuras, ocorrerá uma situação semelhante. Se tivermos problemas com uma pessoa agora e apenas cairmos fora, em vidas futuras encontraremos alguém bastante semelhante, que será uma continuidade daquela pessoa. E, novamente, teremos as mesmas dificuldades e problemas. Não podemos fugir a isso.

Se tivermos dificuldades com alguém, isso não significa que nós teremos que ficar para sempre com aquela pessoa. Algumas vezes isso pode ser difícil. Mas pelo menos, tentaremos melhorar a situação ou procuraremos sair em bons termos. Nós tentaremos melhorar um pouco a qualidade do relacionamento, pois em vidas futuras ele vai continuar. Talvez não estejamos preparados para lidar com essas situações agora, mas, confiamos que estaremos melhor em vidas futuras.

Quando estamos tentando expandir nossos corações para o próximo e tentando alcançar o estado de Buda com o objetivo de ajudar os outros, é de grande auxílio termos pensado nas vidas futuras. Se nós não o tivermos feito podemos ter o seguinte problema: "Estou expandindo meu coração para todas as pessoas, mas, realmente não gosto de fulano. Vou deixá-lo de lado, e vou trabalhar com outra pessoa." Quando verificamos que não podemos escapar de ninguém, isto nos ajuda a expandirmos nossos corações em direção ao próximo, pois em vidas futuras, sabemos que vamos encontrar aquelas pessoas com que tivemos problemas. Assim sendo, nós temos de lidar com essas pessoas. Temos de ser capazes de desenvolver mais amor por elas, mais cordialidade, mais generosidade para com todo mundo. Esta é uma questão muito importante.

Outro aspecto a lembrar é de que, freqüentemente, nós nos identificamos apenas com nosso grupo menor. Nos identificamos com os cingaleses, chineses, com os budistas, com nossa família ou com as pessoas de nosso gênero — mulheres ou homens. Nos identificamos com apenas pessoas de nosso mesmo grupo de idade — adolescentes, adultos ou idosos. Sentimos assim : "Só posso me relacionar com pessoas do meu próprio grupo. Só posso entender os seus problemas. Por isso só posso ajudar a eles. Somente posso ajudar a outros chineses. Como posso entender os africanos?" "Só posso ajudar a outros budistas, pois como posso entender pessoas que tenham uma outra formação religiosa?" "Só posso ajudar homens, porque como poderia eu entender uma mulher?" "Só posso ajudar mulheres pois todos os homens são chauvinistas e procuram me desviar do seu caminho. Como seria possível relacionar-me com eles?" "Só posso entender e ajudar outros adolescentes pois os pais não entendem o que nos está acontecendo. Eles não sabem das coisas." "Só posso ajudar pessoas adultas e maduras; essas crianças são um bando de irresponsáveis e não se pode dizer nada para elas."

Assim, nós nos limitamos quando pensamos apenas nesta vida e na situação particular em que estamos no momento, em termos de nossa idade, família, sexo, país e etc. Se pensamos em vidas infinitas — futuras e passadas — concluímos : "Já tive todas as idades, já fui jovem, de meia idade, já fui velho. Posso me relacionar com pessoas de idades variadas, pois eu mesmo já vivi nessas condições. Eu posso apreciar isso. Já fui de todas as raças e de todas as nacionalidades. Venho de todas as origens culturais." Isso nos torna capazes de nos relacionarmos com todos os grupos e de nos sentirmos ligados a todos eles.

Podemos expandir isso e lembrar que em vidas passadas, nós também fomos animais. Como eu me sentia quando algum me dava um chute ou me esmigalhava? Dessa forma nos lembramos que animais também sentem prazer e sofrem dores e seremos mais cuidadosos no trato com eles.

É, portanto, um grande auxílio pensar em vidas passadas e futuras para nos dar um sentimento de união com todas as pessoas. Assim podemos nos relacionar com pessoas de ambos os sexos. "Já fui um homem e uma mulher no passado." Nós podemos apreciar, sentir empatia e compreender os problemas e situações de todos os grupos. Isto é de grande auxílio para expandir nossos corações e ajudar igualmente a todos e, mais, querer alcançar o estado de Buda, de modo a fazer o que nos propomos da melhor maneira possível. Estes são, portanto, alguns pontos importantes, que surgem como conseqüência do pensamento sobre vidas futuras. Sem eles, a forma pela qual expandimos nossos corações pode tornar-se muito limitada.

A AUSÊNCIA DA DETERMINAÇÃO DE SER LIVRE
Quando dedicamos nosso coração ao benefício dos outros, um outro aspecto superior e importante é a determinação de nos tornarmos livres. Quando estamos envolvidos em ajudar o outro, freqüentemente fazemos isso baseados em raciocínios neuróticos. Ajudamos os outros porque queremos nos sentir amados. "Eu o ajudarei de modo que me tornarei muito popular." "Todo mundo gosta de mim porque estou ajudando aquela pessoa. Estou agindo assim para ser amado e apreciado." "Estou fazendo isso porque todo mundo está pensando que eu sou uma pessoa muito boa. Assim, terei uma excelente reputação." "Estou fazendo isso porque, se não o fizer, ficarei envergonhado e as pessoas pensarão muito mal de mim. Logo, me sinto obrigado a fazer isso." Ou queremos nos sentir necessários. "Eu o ajudarei e me sentirei importante, serei amado, como recompensa, pelo auxílio que estou dando." Pais muitas vezes apresentam esse tipo de atitudes, "Mesmo meu filho tendo 30 ou 40 anos eu ainda tenho de dizer-lhe o que usar e o que comer, porque assim eu me sinto necessária. Sinto que ainda tenho uma função, que ainda sou importante na vida de meus filhos." Mas, ajudar os outros de modo que nos tornamos necessários é exploração.

Porém, se temos a determinação de sermos livres, olhamos para todas essas situações, recorrentes e incontroláveis, e para todos esses relacionamentos neuróticos e vemos os problemas que eles nos causam. Então, desenvolvemos a determinação de nos tornarmos livres. "Agora já é o bastante! Preciso sair disso. Isso certamente é ridículo! Isso está causando tantos agravos, tanta ansiedade, tantas tensões".

Quando tomamos a determinação de sermos livres, ficamos também determinados a nos livrarmos de todo tipo de interação neurótica com as pessoas a quem estamos ajudando. "Vou ajudar, mas não vou ajudar de modo que todo mundo venha a pensar que eu sou uma pessoa maravilhosa. Sei quantos agravantes estão envolvidos com a idéias de que — me preocupo com o que essa pessoa pensa. Somente ajudo os outros quando algum mais está por volta, para testemunhar, de modo que possa contar aos outros. Faço isso para impressionar as pessoas. Auxilio as obras de caridade, mas certamente, não faço isso anonimamente. Faço-o de modo que todo mundo saiba o que eu fiz. De fato mandarei por uma pequena placa com o meu nome, para mostrar a minha contribuição." Quando estamos determinados a ser livres, vemos a desvantagem de pensamentos como "Estou ajudando os outros de modo que fiquem dependentes de mim e, assim, me sentirei muito importante." Se tivermos a firme determinação de nos livrarmos desses problemas, abandonaremos todos esses motivos ulteriores para auxiliar os outros.

Embora não sejamos capazes de interromper tudo isso imediatamente, pelo menos veremos que ajudar os outros por razões neuróticas acabará nos trazendo problemas. A outra pessoa poderá, eventualmente, ressentir-se com isso. Ela poderá entender o que estamos fazendo e isso poder tornar duvidosa nossa sinceridade em beneficiarmos os outros.

Temos de esclarecer qualquer motivação neurótica que possamos sentir. A maneira de fazê-lo é através da determinação de nos libertarmos de todos os agravos e pretextos que ocorrem quando estamos agindo com motivações que são impuras. Desenvolver a determinação de ser livre, de modo que nossa interação com os outros não venha a ser fortemente tingida por motivações neuróticas, muito importante. Embora tão importante, nós tendemos a saltar por sobre isso.

O TRABALHO SOBRE NÓS MESMOS
O maior propósito do darma reconhecer nossas deficiências, é corrigi-las e desenvolver nossas boas qualidades. Trabalhando sobre isso e desenvolvendo-nos em nossas boas qualidades, progredimos através de séries graduadas de técnicas e usamos as experiências que tivemos de obter por nós mesmos. Por exemplo, digamos que temos o hábito de resmungar para nosso parceiro: "Por que você não faz isso? Por que você não faz aquilo?" "Você não veio para casa. você não telefonou." "Por que você não põe o lixo para fora?", etc. Nós sabemos que isso é altamente destrutivo. Cria grandes tensões em um relacionamento. Provavelmente, o resultado disso que nosso parceiro se tornar mais frio e mais distante e terminar dizendo: "Deixe-me sozinho!" Ou, se ele não é de muitas palavras, simplesmente nos ignorar e ficar gelado e mudo. Então vamos dizer: "Por que você não fala comigo? Por que você não faz isto? Por que você não faz aquilo?" E ele vai ficando cada vez mais quieto, mais reservado, e acaba não voltando mais para casa. Isso traz muita infelicidade. Que fazemos, usualmente, para acabar com isso?

Primeiramente, tentamos usar de auto-controle. "Eu sei que não deveria ter dito aquilo; não vou fazer mais isso." Passamos a tentar um controle rigoroso, mas isso é muito difícil, e daqui a pouco descobrimos que recomeçamos novamente a resmungar. "Intelectualmente, eu sei que não devo ficar importunando, mas não posso evitar. Não tenho forças que me tornem capaz de evitar isso." Acabamos por nos enfurecer: "Mas isso terrível! Eu bem que tentei segurar a minha língua, mas não consegui." Nesse estado de fúria é muito difícil mudarmos ou melhorarmos, pois estamos muitíssimo transtornados.

Rapidamente, a raiva se transforma em sentimento de culpa: "Sou responsável por isso! Sinto-me tão culpado! Eu sou horrível! Eu não devia ter implicado. Sou responsável por mais uma confrontação." O sentimento de culpa é um estado mental muito desagradável e causador de infelicidade, no qual nós nos identificamos, fortemente, como sendo uma criança desagradável: "Sou tão mal-educado, veja só o que fiz! Mamãe e papai não vão gostar mais de mim." Nós nos sentimos mal e tanto pior nos sentimos, mais nos identificamos como sendo uma criança desagradável. Quanto mais nos identificamos com uma criança mal-educada, pior nos sentimos e mais culpados. Esse é um ciclo vicioso. Outra vez, torna-se muito difícil para nós mudar a situação, se e quando estamos nos sentindo tão culpados.

A seguir, vamos para um passo além da culpa, que é o aborrecimento. "Estou cansada de todas essas discussões. Estou cansada dessas cenas que acontecem sempre que reclamo e meu parceiro se fecha em ressentimentos e diz que eu devo parar de resmungar. Estou doente, cansada! Enjoada de tudo isso! BASTA! Tenho de cair fora."

Estes são os passos que costumamos seguir para desenvolver nossa determinação de nos tornarmos livres. Não mudamos quando estamos zangados com nós mesmos. Não mudamos quando nos sentimos culpados. Mudamos, sim, em um estágio de completo tédio e aborrecimento: "Isso é estúpido!" E, então tentamos cair fora do problema.

Se não tivermos passado por todos esses estágios do trabalho com nós mesmos, quando tentarmos ajudar os outros, tenderemos a projetar todas essas emoções destrutivas sobre eles. Isto nos torna muito parciais. Por exemplo, estou tentando ajudar alguém e a primeira coisa que faço é tentar intimidá-lo: "Eu quero usar de auto-controle comigo mesmo, assim, você também TEM de mudar, você TEM de parar de fazer essas coisas."

Freqüentemente agimos dessa maneira com nossos filhos. É fácil intimidá-los e tentar impor-lhes nossa vontade e controle sobre eles. Ninguém gosta de ser tratado como criança, especialmente se não é nosso filho. Ninguém gosta de ser obrigado a mudar ou a aperfeiçoar-se. Quando empurramos os outros dizendo: "Você precisa mudar. Você precisa estudar. Você precisa arranjar um emprego. Você precisa fazer isso. Você precisa fazer aquilo." Nessa situação estamos investindo muito violentamente. Estamos embarcando em uma exibição de força. O que vai acontecer é que a pessoa não vai querer seguir nossos conselhos ou aceitar a ajuda que nós queremos lhe dar. Assim, da mesma forma que ficamos aborrecidos conosco, agora nos aborrecemos com o outro: "Você é uma pessoa horrível! Eu lhe disse que fizesse isso e você não fez. Veja só a confusão que você mesmo armou!" Essa não é a interação ideal para se ter com alguém a quem estamos querendo ajudar. Ficar zangado quando a pessoa não segue nossos conselhos somente traz um bocado de ressentimento.

Agora, vamos para o passo seguinte. Assim como nós nos sentimos culpados anteriormente, agora queremos conseguir que a outra pessoa se sinta igualmente, culpada: "Você não dá valor ao que estou tentando fazer por você. Veja todo o trabalho que tive! O mínimo que você pode fazer valorizá-lo, o mínimo que você pode fazer é tentar mudar." Nós nos tornamos o "pai", e procuramos fazer o outro sentir-se culpado.

Depois disso, vamos para o estágio seguinte: "Estou cansado de mim mesmo. Cansado de todos esses problemas e dificuldades. Tenho de alcançar a iluminação para conseguir beneficiar as pessoas da melhor maneira." Não estamos dizendo que não devemos ajudar os outros desde o início, que primeiro precisamos trabalhar sobre nós mesmos e, somente quando tivermos alcançado um alto nível de desenvolvimento, podemos ajudar os outros. Do ponto de vista do Mahaiana, ajudamos os outros desde o início. Mas não devemos fazê-lo pensando: "eu posso ultrapassar todos os outros estágios anteriores e começar envolvendo-me com o auxílio ao outro." Nós ajudamos com o melhor de nossa capacidade, ao longo do caminho. Na verdade, é apenas isso o que é o caminho.

Contudo, estejam certos de colocar bastante tempo no desenvolvimento desse fundamento anterior ou na construção das bases da motivação e experiências, se quisermos evitar ter problemas quando estivermos ajudando aos outros. Podemos pensar que, quando estamos tendo problemas com os outros, podemos ignorá-los. Não podemos. Nós temos infinitas vidas e, fatalmente, vamos encontrá-los outra vez. Ou podemos achar que podemos ajudar somente as pessoas de nosso grupo, da nossa idade, da nossa mesma origem cultural. Mas não assim. Nós fomos tudo. Tivemos todas as idades, culturas, ambos os gêneros. Assim, podemos nos relacionar com todas as pessoas.

Também não queremos ajudar os outros com o objetivo de sermos amados, de nos sentirmos importantes, ou por querer nos sentir necessários. Temos uma firme determinação de nos libertarmos dessas interações neuróticas, pois sabemos que elas acabam trazendo problemas recorrentes incontroláveis. Nós não podemos entrar em demonstrações de força com outros, quando estamos ajudando os outros, ou tentar obrigá-los a aceitar nossos conselhos. Não vamos enfurecer-nos com eles ou fazer que se sintam culpados quando não seguem nossos conselhos. Isso porque nós passamos através de todo o processo de trabalho em nós mesmos: "tentamos o auto-controle; nos irritamos com nós mesmos; nos sentimos culpados." Mas, depois, nos sentimos tão aborrecidos que ficamos determinados a nos libertarmos. Tomamos a firme decisão de sair do problema. Tendo ultrapassado essa fase, não iremos projetá-la nos outros.

Através de todo o processo, nós temos auto-consciência e seriedade. Reconhecemos nossa natureza Búdica e sabemos que temos a capacidade e os fatores que nos permitem crescer, nos tornamos iluminados e capazes de auxiliar a todas as pessoas. Tendo consciência e seriedade, temos respeito por nós mesmos. Respeitar alguém, no Budismo, não significa sentir temor. Respeito significa: "Eu me vejo com seriedade e olho positivamente para mim mesmo. Eu mereço ser feliz." Da mesma forma, podemos, sinceramente, mostrar a mesma atitude em relação aos outros: "Da mesma forma eu respeito você. Respeito sua natureza Búdica. Mesmo que você esteja agindo como um idiota, não importa, vejo que você tem o potencial para tornar-se uma pessoa sábia e compassiva. Assim como tomo os meus problemas com seriedade, também percebo a seriedade de seus problemas. Assim como sinto a dor causada pelos meus problemas, da mesma forma posso sentir que seus problemas também o magoam." Esta atitude nos permite favorecer e ajudar os outros de uma maneira muito mais sincera.

A COMPREENSÃO DO CARMA
Uma outra fonte de problemas é resultante de, às vezes, querermos ajudar os outros mas não o conseguirmos. Então, nos sentimos desencorajados. Um drástico exemplo pode ser o de querermos ajudar alguém de nossa família e essa pessoa comete suicídio. Essa é uma situação horrível e é fácil censurarmo-nos: "Se ao menos eu tivesse feito isso ou aquilo, então ele não teria se matado." Podemos ficar muito desanimados no processo de tentarmos agir como um bodisatva. Quando parece que nós não conseguimos resultados, nos sentimos horríveis e muito culpados, e isto pode se tornar em um grande obstáculo em nosso caminho.

O problema aqui é que ficamos ligados a certos problemas que são muito inadequados. Pensamos que podemos agir como Deus, ou que poderíamos ter agido como Deus e ter sido capazes de impedir alguma coisa de acontecer a alguém. No Budismo, dizemos: "Isso não é possível. Não existe essa coisa de um Deus onipotente. Não existe um criador. Ninguém tem o poder de eliminar todas as ocorrências terríveis e infortunadas, pois, se houvesse alguém que fosse capaz disso, já o teria feito, anteriormente. Se houvesse um Deus que fosse generoso, compassivo e todo poderoso, por que motivo ele não teria evitado todos os problemas do mundo? Ele, certamente, teria impedido essa pessoa de se matar."

O fato de que ele não agiu dessa maneira mostra que isso não é possível. Não existe uma coisa tal como a onipotência. Existe apenas uma certa quantidade de energia no universo — os cientistas também concordam com isso. Uma coisa é a força da energia de Buda, que a influencia da iluminação que um Buda pode exercer sobre outra pessoa. Outra coisa a energia dos impulsos que vêm mente das pessoas, isto é Carma. Carma consiste nos impulsos que nos vêm à mente com base em hábitos anteriores de fazermos determinadas coisas. Por existir somente um determinado montante de energia, não pode haver uma ultrapassando outra. Tudo o que um Buda ou um Bodisatva pode fazer tentar influenciar alguém de forma positiva. Mas eles não podem impedir que algum faça algo. Se o impulso para cometer suicídio é tão forte na mente daquela pessoa, ela terminará por agir dessa maneira.

Um dia, quando eu estava na Índia, sucedeu um exemplo muito interessante. Havia um rato se afogando em um cano, em frente à livraria onde eu trabalhava. Um dos meus amigos salvou o rato e colocou-o sobre a terra para que se recuperasse. Quando ele se afastava, um grande falcão mergulhou e pegou o rato.

Não devemos supor, a partir desse exemplo, que não podemos ajudar a ninguém, pois todos têm seu carma. Não pensem que carma um fado. "Era destino do rato que ele morresse naquela hora. Não haveria razão para que o ajudássemos, pois era o seu carma que se cumpria." Nós tentamos agir da melhor maneira possível. Se a pessoa a quem estamos tentando ajudar tem alguma semente ou potencial consigo para ser auxiliada, então, nossa tentativa de auxílio vai se unir ao seu potencial e nós seremos capazes de ajudá-la. Mas se lá não estiver a semente, então, ser como no exemplo desse rato. Ele foi resgatado, mas acabou por morrer.

A mesma coisa acontece quando tentamos ajudar a alguém. Aspirando a nos tornarmos Bodisatvas, tentamos o melhor de nós para ajudar alguém. Se isso der certo, muito bem. Nós não nos congratulamos ou saímos por aí dizendo aos outros o quão compassivos e maravilhosos nós somos. Mas, se não conseguimos êxito, não temos de nos sentir culpados. Não devemos chicotear-nos e nos punirmos emocionalmente. Tentamos da melhor maneira possível e se aquela pessoa tivesse sido receptiva, certamente teríamos alcançado resultado. Mas, se ela não o era, nada poderia ter sido feito. Ninguém é um Deus onipotente. E, certamente, nós não o somos. Ninguém pode impedir algum de fazer alguma coisa se os impulsos na mente daquela pessoa são muito fortes.

É muito importante ser realista quando estamos tentando ajudar os outros e verificamos que não podemos eliminar os problemas de todo mundo. Desenvolvemos o desejo de sermos capazes disso. Sinceramente nos preocupamos e genuinamente assumimos a responsabilidade de ajudar. Se conseguimos, muito bem, se não conseguimos, pelo menos fizemos o melhor possível. Assim, não devemos nos deixar desencorajar.

A DETERMINAÇÃO PARA A ILUMINAÇÃO
Sua Santidade, o Dalai Lama, disse que, quando recitamos: "Possa eu ser capaz de conseguir a iluminação de modo que possa beneficiar todos os seres conscientes", há um pequeno risco na forma pela qual falamos. Freqüentemente, para nós, a ênfase principal parece ser: "possa eu ser capaz de conseguir a iluminação." Por que? Porque é a maior, a mais alta, a mais jubilosa. Afinal de contas, temos de ficar na primeira fila, no título mais alto. Mas é "possa eu alcançar a iluminação" seguido por "de modo que possa beneficiar todos os seres conscientes", o que se parece com um tributo desagradável que temos de pagar depois. Isso não é bem o queremos fazer, mas, se queremos nos tornar um Buda, é o que precisamos fazer — temos de ajudar a todos os seres conscientes. Sua Santidade disse que a ênfase deveria ser de outra forma — "Quero ajudar a todos os seres conscientes, e para conseguir isso, tenho de tornar-me um Buda." A maior ênfase deveria ser para "quero ajudar a todas as pessoas."

Algumas vezes, quando pensamos em ajudar a todos os seres conscientes, enfrentamos um obstáculo, o de não sermos sinceros em nossas práticas. Dizemos: "Vou ajudar todos os seres conscientes e amo os seres conscientes." Mas, quando nossos pais ou filhos nos pedem para fazermos alguma coisa, nós rosnamos para eles: "Pare de me aborrecer! Estou tentando ajudar a todos os seres conscientes." Como foi dito no ensinamento intitulado "O treinamento da mente", primeiramente temos de começar ajudando-nos, depois devemos expandir isso para nossa família, em seguida para as pessoas que estão perto de nós, e assim por diante. Em outras palavras, ajudamos aquelas pessoas que estão perto de nós. Não as ignoramos. As pessoas que estão envolvidas com o serviço social, freqüentemente têm filhos muito confusos, pois elas estão tão envolvidas em ajudar os outros que elas nunca têm tempo para sua própria família. Isso é muito injusto. Se seguirmos o conselho de Buda, então começaremos com nossa própria família, tomando conta dela. Quando desenvolvemos a equanimidade, isso não significa: "Agora vou ignorar meus filhos e trabalhar para todo mundo." Mas quer dizer: "Assim como tenho um sentimento tão grande de amor para meus filhos, vou expandi-lo para incluir mais e mais pessoas. Ao invés de ter dois filhos, passarei a ter cinco, dez, centenas, milhares." Estamos expandindo nosso raio de ação. Não estamos tirando cuidado e amor de uma área e transferindo para outra. É importante dar atenção àqueles que estão próximos de nós e, então, expandir esse cuidado para os demais: nossos amigos, estranhos, pessoas de que não gostamos, animais, espíritos e seres de todos os diferentes reinos.

Para nos desenvolvermos como um Bodisatva temos de expandir nossos corações. Expandir nossos corações não significa que temos de deixar de ser egoístas para passarmos a acalentar todos os seres sensíveis de um momento para outro. Temos de desenvolver isso gradualmente. Dessa forma seremos mais sinceros. Não podemos ser sinceros quando dizemos: "Estou trabalhando para ajudar a todos os seres sensíveis"; se não estamos cuidando de nossos pais ou de nossos filhos. Temos de partir dessa base e a estendermos mais e mais.

Estes são alguns pontos a que temos de estar atentos, quando nos engajamos nos caminhos do Mahaiana, de expansão de nossos corações em relação aos outros, estabelecendo em nossos corações o objetivo de eliminar todas nossas limitações e realizar todo o nosso potencial, de modo que possamos ajudar a todos da melhor maneira possível. Se conservarmos isso em mente, teremos menos dificuldades nesse caminho.


PERGUNTAS E RESPOSTAS

1. É possível, por termos ganhado alguma prática em vidas passadas , ultrapassar alguns desses passos e ter uma abreviação deles nesta vida?
Sim, isso possível. Há dois tipos de praticantes: aqueles para quem as coisas ocorrem todas de uma só vez, e aqueles que têm de seguir um caminho gradual. Contudo, um dos grandes mestres, que fez um comentário sobre esse assunto em particular, disse que seria uma pessoa muito rara, aquela a quem tudo acontece de uma só vez. É muito difícil ter construído todos esses hábitos positivos e também instintos, em nossas vidas passadas, de modo que, nesta vida, possamos ultrapassar os degraus de nossa formação. Freqüentemente, porque somos preguiçosos e não queremos seguir através dos diversos estágios é que dizemos, como desculpa: "Sou alguém que já desenvolveu um alto potencial em vidas passadas. Sou um dos poucos seletos para quem as coisas ocorrem todas de uma vez. Assim, vou pular para diante." Temos de ser muito honestos conosco. É muito raro que isso aconteça com alguém. Não há nenhum mal em seguirmos os passos; contudo, não temos de permanecer anos e anos em cada passo. Afirma-se, em um dos textos sobre o caminho para a iluminação, que mesmo os instintos devem estar lá, e é bom reconfirmá-los para seguirmos os passos mais rapidamente, e não apenas irmos aos saltos.

2. Podemos ser generosos e compassivos sem sermos usados?
Chogyam Trungpa Rinpoche cunhou uma expressão muito boa, que relevante para essa pergunta: "Tola compaixão". A compaixão tola é a que não combina com a sabedoria. Exemplo: uma criança sempre pede balas e nós, movidos por tola compaixão, apenas porque ela as pediu, damos as balas a criança. Ou ainda, um maluco chega e diz: "Dá-me um revólver, quero dar um tiro em algum." Nós pensamos: "Estou praticando a generosidade, logo, vou dar-lhe o que pediu." Isto é compaixão tola.

Da mesma forma, se alguém começa a tirar vantagem de nossa compaixão e nós continuamos a ajudá-lo, realmente não o estamos fazendo. Na verdade, isso é prejudicial ao seu crescimento. Algumas vezes, é importante ser bem firme e rigoroso. Devemos dar aquilo de que as pessoas precisam, e o que podem estar precisando é de disciplina. Podem estar necessitando que algum diga "NÃO" a elas. Podem estar precisando que algum estabeleça limites para elas. Por exemplo, uma criança rebelde necessita de disciplina. Há uma geração, no oeste, que cresceu sob a filosofia da não disciplina, "Devemos deixar as crianças fazerem o que quiserem; que sejam crianças livres." Isso foi, simplesmente, desastroso. Essas crianças sentiam-se mal-amadas e inseguras, pois os outros pais estabeleciam regras, mas não os seus. Elas achavam que seus pais não as amavam e que não se preocupavam o bastante com elas para estabelecer-lhes regras de comportamento. Assim, é muito importante que, às vezes, se diga "Não", que se estabeleçam limitações e que não se deixe que as pessoas nos explorem.

Uma compaixão tola não é benéfica. Precisamos de compaixão com sabedoria. Isso é fundamental nos ensinamentos budistas e está expresso até mesmo no mantra "om mani padme hum". "Mani" jóia, que representa compaixão, e "padme" lótus, que se refere sabedoria. Ambos estão juntos.

Algumas vezes, necessário dizer "não". Contudo, isso pode ferir o outro, pois ele poder não entender. Isso seria bom? Diz-se, nos ensinamentos do carma, que, se há um pequeno ferimento no caminho menor, mas que seja muito benéfico no decorrer do caminho longo, então esse ato deve ser feito. Obviamente, se o ato é benéfico no decorrer do curto ou do longo caminho, sem dúvida, isso será melhor. Mas, se por exemplo, dou balas às crianças para que elas parem de gritar e de me incomodar e eu possa ir dormir, isso pode ser benéfico a curto prazo mas não a longo prazo. Isso prejudica as crianças, que podem ficar doentes por estarem constantemente comendo balas. também elas se tornarão mimadas e mal educadas; neste caso, é preferível causar um pequeno dano a curto prazo, porque, a longo prazo, isso será benéfico. É necessário ter sabedoria para ver o que é ou não é benéfico. Mas muitas dessas coisas dependem de senso comum.

3. Se nossas vidas terminam prematuramente, seremos, outra vez, marido ou mulher da mesma pessoa em outra próxima vida?
Não, não necessariamente, embora isso possa ocorrer. Especialmente se há laços muito fortes. há exemplos disso: uma criança nasceu em uma determinada família e morreu ainda bebê. Mas ela tinha tão fortes laços com a família que nasceu como um outro bebê, na mesma família. Isso pode acontecer. Mas, em geral, há muitas possibilidades cármicas diferentes. No momento da morte, marcas cármicas diferentes podem ser ativadas e nos encaminharem para nascimentos diferentes.

Nós, também, não mantemos relacionamento com uma só pessoa — esposa ou marido. Tivemos relacionamentos diversos com muitas pessoas, em diferentes lugares e em muitas vidas diferentes. Esses relacionamentos mudam continuamente. Em uma vida ocorrem certas interações com uma pessoa e nossos relacionamentos se transformam. Portanto, a continuidade do relacionamento pode não ser, necessariamente, a de marido e mulher. Talvez vocês possam retornar como duas vacas que pastam juntas, ou como duas formigas em um formigueiro trabalhando juntas. Isso depende de como se desenvolveu o relacionamento anterior. também, podemos não encontrar aquela pessoa na próxima vida ou em vida posterior. Mas isso pode acontecer milhares de vidas depois.

É importante combinar a compreensão do renascimento com os ensinamentos básicos sobre a falta de um, verdadeiramente real, e sólido ego ou pessoa. Não somente que eu possa encontrar meu marido ou minha mulher — quaisquer que sejam os seus nomes — em uma vida futura. Cada pessoa é uma continuidade — uma continuidade de energia, de consciência, de tendências e hábitos. Em algumas vidas futuras a continuidade de duas pessoas pode encontrar-se, mas não serão eu e você exatamente da mesma forma que existimos agora.

Todos nós já experimentamos entrar em uma sala cheia e nos sentirmos atraídos por uma ou duas pessoas. Sentimos algo de quente e amigo em relação a elas, e temos vontade de falar-lhes. Por outro lado, algumas pessoas despertam em nós um sentimento como de: "Arre! Não quero me relacionar com essa pessoa." Por que isso acontece? Isso é uma indicação de um relacionamento anterior com aquela pessoa. Temos ligações com milhões e milhões de seres. Algumas ligações são mais recentes, mais fortes, por isso nossos contatos com essas pessoas nos afetam mais fortemente. Outras ligações podem ser mais fracas — podemos ter nascido na mesma cidade, mas nunca nos termos visto.

4. Como pode o mérito ou um potencial positivo ser levado para vidas futuras?
"Mérito", esta uma tradução enganosa. Nós não ganhamos pontos, como no escotismo — e, quando conquistamos muitos pontos, ganhamos um distintivo. Ninguém está contando pontos. "Mérito" seria melhor traduzido como "potencial positivo". Construimos um potencial positivo da mesma forma que aumentamos a energia da bateria de um automóvel. Quando há bastante potência o carro anda. Da mesma forma estamos desenvolvendo bastante o potencial positivo para que alguma coisa de positivo possa acontecer. Por isso, desenvolvemos diversos hábitos de agir de uma forma positiva.

Há muitos níveis de mentes e de corpos. A mente grosseira, ou consciente, formada pelos nossos sentidos — visão, audição, paladar e etc. Nossa mente consciente está sempre ocupada, pensando, enquanto estamos vivos. há também uma mente sutil, que uma mente consciente e refere-se, essencialmente, a idéias conceituais refinadas.

Nossa mente grosseira funciona quando estamos acordados. Vemos, ouvimos, pensamos e etc. Nossa mente de sonho mais sutil. Quando estamos adormecidos, sem sonhar, ela é ainda mais sutil. Quando passamos pelo processo da morte, nossa consciência torna-se mais e mais sutil à medida que nos separamos de nossos corpos. No nível mais refinado ainda há a pura continuidade, a pura claridade e conhecimento da mente que proporciona a continuidade de um momento para outro. Os níveis mais grosseiros são como aparelhos de rádio sintonizados em diversas estações ou em diferentes volumes; esse nível mais sutil é apenas o rádio em sua existência. Não o aparelho, mas sua capacidade de comunicação.

Temos, correspondentemente, o corpo grosseiro, que é a base para a mente menos sutil. Temos olhos, ouvidos, corpo e etc. que são as bases para ver, ouvir e outras percepções sensoriais. O corpo sutil é energia — "chi" em chins — canais e chakras. O corpo sutil é a base para a consciência mental sutil. Quando, em nosso corpo, a energia é perturbada temos estranhos pensamentos e sentimentos. A energia sutil é o suporte para a consciência sutil. É como a eletricidade, por isso. Juntas, a energia sutil e a mente sutil são como a centelha da vida.

O que vai para as vidas futuras não o corpo material, que é enterrado ou cremado, ou a consciência grosseira; também não nossa consciência mental conceptual, ou a energia, seus canais e etc. O que vai para as vidas futuras é a continuidade da consciência sutil e a energia que a mantém. Não existe um ego sólido — como uma estátua que segue por uma esteira rolante, em seu trajeto de uma vida para outra. Deve-se ver mais como um filme. Um filme parece ser sólido, mas, realmente, feito de pequenos quadros, formando uma continuidade, sem que exista algo constante, o tempo todo. Da mesma forma, a continuidade da consciência sutil e da energia sutil, que estão, ambas, constantemente mudando, passa de uma vida para a seguinte. Esta a centelha de vida que continua.

Mérito, ou melhor, potencial positivo um tipo de energia que se constrói. Esta energia positiva levada com a energia sutil, a chama da vida. As potencialidades são as formas de energia sutil que prosseguem nas vidas futuras.

O que é um hábito ou instinto? Digamos que temos o hábito de comer macarrão todas as manhãs. Comemos macarrão ontem, anteontem e também hoje. O que hábito? Não é uma coisa física. Não é uma tigela de massa que estoura em nossa mente. Não é algo mental: "Coma macarrão, coma macarrão" repetindo-se em nossas mentes. Tudo que podemos dizer é que há uma seqüência de eventos similares em nosso comer macarrão por tantos dias. De certo modo de falar, baseados naquela seqüência, dizemos que temos o hábito de comer macarrão. Dessa maneira, podemos prever que, provavelmente, comeremos macarrão amanhã. É somente um modo de falar. Um hábito imputado a uma série de eventos similares. Isto o que chamamos de etiqueta mental.

Um hábito não tem nada de concreto nem mesmo de mental. Também não está relacionado a instintos. Digamos que temos o hábito de ser generosos. Fomos generosos ontem, anteontem e hoje também fomos generosos. Depois, vamos para uma vida futura. Nela, a criança em que nos tornamos será generosa. Dividirá suas coisas e vai querer dar os doces que ganhar para os outros. Ela não vai querer se apossar dos bens dos outros. Aí haverá caridade. Então, podemos dizer que existe um hábito de bondade, que continuou em vidas futuras. Mas isso não é algo concreto. A maneira pela qual ele continua baseia-se em momentos individuais. Havia o tempo ontem, e o anterior a ele e ainda um outro, anterior.

A consciência e a energia sutil sustentaram cada um desses períodos. O rádio esteve sempre ligado. Com base nisso, podemos dizer que os instintos são levados para frente. Mas os instintos não precisam ser algo de sólido e concreto para terem continuidade no futuro. Eles não têm sementes físicas.

Este o mecanismo pelo qual as coisas são levadas para o futuro, em outras vidas. Os potenciais positivos, que nós costumamos chamar de méritos, se constituem em um tipo de energia muito sutil, que prossegue com a energia que dá suporte vida. Instintos e hábitos se constituem, apenas, em uma maneira de falar, baseados em uma seqüência de eventos similares, que ocorrem tanto nesta vida como em vidas futuras. Com base na existência de uma mente sutil e de energia que vai de uma vida para a vida seguinte, dizemos que há uma seqüência de eventos similares — um hábito ou um instinto.

5. você acredita no renascimento? Sim, acredito. Esta crença não chega instantaneamente. Algumas pessoas podem vir de uma cultura na qual a crença no renascimento parte de sua herança. Este é o caso de muitos países Asiáticos; assim, essas pessoas ouviram falar sobre o renascimento desde que eram pequeninhas e a crença nelas vem automaticamente. Contudo, para nós, dos países do ocidente, e para nossa cultura, a princípio isso nos parece muito estranho. Nós não temos uma certeza do renascimento subitamente, com arco-íris, música de fundo e "Aleluia! Agora eu creio!" Não é assim que acontece.

Algumas pessoas levam muito tempo para se acostumar com a idéia do renascimento. Eu mesmo passei por vários estágios no processo de ganhar convicção na crença do renascimento. Primeiro, tive de me abrir para a idéia e, com esse objetivo, eu pensava: "Eu, realmente, não entendo o renascimento." O conhecimento de que nós não o entendemos é importante, porque, às vezes, podemos rejeitar o renascimento, e o que estamos rejeitando é uma falsa idéia do renascimento, que o Budismo também rejeitaria. Algum pode pensar: "Não creio em renascimento, pois não acredito que haja uma alma com asas, que voa para fora de um corpo e vai entrar em outro." Os budistas também concordam: "Nós também não acreditamos em uma alma com asinhas."

Para decidir se aceito ou não a crença no renascimento, tenho de entender o conceito budista de renascimento, e esse conceito não é simples. Ele é muito sofisticado, como você pode concluir da minha explanação anterior sobre consciência sutil e energia, e os instintos que a acompanham.

Depois, pensei em dar ao renascimento o benefício da dúvida. Digamos, provisoriamente, que existe o renascimento. E, então, o que acontecerá se virmos nossa existência dessa maneira? Podemos seguir o treinamento de um Bodisatva. Podemos reconhecer todas as pessoas como se fossem nossas mães e, consequentemente, podemos sentir nossos laços com todas as pessoas.

Posso, então, explicar por que certas coisas aconteceram em minha vida. Por que alguém de minha origem cultural mergulhou, subitamente, no estudo da língua chinesa? Por que fui levado a partir para a Índia e estudar com tibetanos? Considerando o interesse de minha família e o ambiente onde cresci não faz sentido que eu viesse a me interessar por essas coisas. Mas, quando penso em termos de renascimento, surge uma explicação. Devo ter tido laços de ligação com a Índia, a China e o Tibete em vidas diferentes e isso levou-me a ficar interessado nesses lugares, em suas línguas, em suas culturas. O renascimento começou a responder muitas questões para as quais, de outra forma, não consegui achar resposta. Se não houvesse vidas passadas ou carma, então, não teria nenhum sentido o que aconteceu em minha vida. O renascimento podia também explicar os sonhos repetitivos que eu costumava ter. Assim sendo, comecei, lentamente, a me sentir mais familiarizado com ele.

Nos últimos dezenove anos, estive na Índia estudando, e tive a oportunidade e o grande privilégio de estudar com alguns dos mais antigos mestres que ainda estavam vivos. Muitos deles morreram e retornaram, e agora eu os encontro outra vez como crianças. Eu os conheci em duas de suas vidas.

Há um certo ponto em que você pode controlar seu renascimento. Você não precisa ser um Buda ou mesmo um arhat, para fazê-lo. Mas você realmente necessita ser um Bodisatva. Você deve ter progredido até um certo estágio no caminho Tântrico e ter o firme propósito de renascer de uma forma que você possa ajudar a todo mundo. há certas visualizações e técnicas, que o tornam capaz de mudar a morte, o estágio intermediário e o renascimento. Se você ultrapassou esse nível, então você pode controlar o renascimento. há cerca de mil pessoas, entre os tibetanos, que alcançaram este nível e após a sua morte, foram novamente encontrados. No sistema tibetano, elas são chamadas tulkus. Um tulku é um lama reencarnado a quem se dá o título de "Rinpoche"; contudo, esse título não é usado apenas por tulkus ou lamas reencarnados. É também usado por um prior, ou um abade aposentado de um mosteiro. Nem todo mundo que tem o título de Rinpoche é um lama reencarnado.

Também, devo declarar que o modo como a palavra "lama" é usada varia de uma tradição tibetana para outra. Em algumas, "lama" refere-se a um alto professor espiritual, tal como um geshe — que é alguém que tem o equivalente a um PhD em estudos budistas — ou um lama reencarnado. Mas em outras tradições, "lama" usado para alguém que como é um padre em uma comunidade. Essa pessoa fez os três anos de retiro e aprendeu os vários rituais. Ele ou ela vai, então, para as cidades e faz os rituais nas casas das pessoas. Assim, o título "lama" pode ter diferentes significados. Há cerca de mil lamas reconhecidos como encarnados, ou tulkus. Eles são identificados por várias indicações que eles mesmo deram, bem como por outras indicações, tais como oráculos ou sinais significantes do ambiente. Os assistentes do lama anterior procurarão por sua nova encarnação. Eles mostrarão objetos rituais e pessoais pertencentes ao lama anterior, juntamente com outros itens semelhantes. A criança que seja capaz de reconhecer o que lhe pertenceu em vida anterior é o lama. Algumas vezes uma criança dirá quem, ele ou ela é, ou reconhecerá as pessoas que conheceu na vida anterior, e assim por diante. Por exemplo, Sua Santidade, o Dalai Lama, reconheceu a pessoa que viera procurá-lo. Ele a chamou pelo nome e começou a falar com ela no dialeto de Lhasa, que não a linguagem da região onde ele nascera. Por esses sinais, foi possível identificar aquela criança. Encontrar meus mestres outra vez em suas novas vidas, foi muito emocionante para mim. O exemplo mais impressionante foi o de Ling Rinpoche, que foi professor graduado de Sua Santidade, o Dalai Lama. Ele também era o titular da tradição Gelug. Quando estava para morrer, ficou em meditação por cerca de duas semanas, embora sua respiração houvesse cessado e, para todos os propósitos médicos, ele pudesse ser considerado morto. Contudo, sua consciência sutil estava ainda com o corpo e ele estava fazendo uma meditação muito profunda com a mente mais sutil. A região em torno de seu coração estava levemente aquecida, ainda, e ele permanecia sentado em postura de meditação, sem que seu corpo se decompusesse. Quando ele terminou a meditação, sua cabeça pendeu e um pouco de sangue saiu de suas narinas. Nesse momento, a consciência abandonou o seu corpo.

Onde eu vivo, Dharamsala, essas coisas acontecem duas, três ou quatro vezes ao ano. Isso não tão raro; contudo, é preciso estar num grau muito elevado de prática espiritual para se fazer isso. Esta habilidade pode ser adquirida.

A reencarnação de Ling Rinpoche foi reconhecida quando tinha um ano e nove meses de idade. Usualmente, as crianças não são identificadas tão cedo, pois quando elas são mais velhas — com cerca de três ou quatro anos já podem falar e dar algumas indicações por elas mesmas. A criança foi trazida de sua casa. Houve uma grande cerimônia para saudá-la. Alguns milhares de pessoas encheram as ruas, e eu tive a felicidade de estar entre elas. Estavam vestidos em vestes de gala e cantavam. Foi algo de maravilhoso, essa ocasião.

6. Como a criança foi identificada? Através de oráculos e médiuns, e também por ter sido capaz de identificar vários objetos de sua vida anterior. Ela também apresentava certas características físicas. Por exemplo, na vida anterior, ele sempre segurava o seu mala, o rosário de contas, com as duas mãos, e a criança também fazia isso. Ela reconheceu, também, as pessoas que cuidavam de sua casa.

Mas o que para mim foi mais convincente foi a cerimônia. A criança foi levada para casa; lá, um trono foi colocado junto entrada, de frente para uma grande varanda. Duas a três mil pessoas apinhavam-se no páteo. A maioria das crianças com menos de dois anos de idade ficaria apavorada nessa situação. Ele, porém, não estava. Puseram o menino no trono. Normalmente, a criança haveria de querer descer e choraria se não pudesse fazê-lo. Mas esse menino ficou sentado, com as pernas cruzadas, sem mover-se, por uma hora e meia, enquanto o povo lhe desejava uma longa vida em puja. Ele estava bem integrado no que se passava, e estar no meio daquela multidão não o preocupou, absolutamente.

Parte da cerimônia relacionava-se à entrega de presentes ao lama e a desejar-lhe uma longa vida. Havia uma verdadeira procissão de pessoas, cada uma segurando uma oferenda: uma estátua de Buda, um texto, uma estupa, roupas de monge, e muitas outras coisas. Quando alguém lhe dava alguma coisa, esperava-se que ele a segurasse com as duas ambos e depois a entregasse a uma pessoa postada sua esquerda. Ele o fez, perfeitamente, com cada um dos objetos. Foi, realmente, impressionante! Como se pode ensinar a uma criança de um ano e nove meses a fazer as coisas dessa maneira? É impossível.

Quando a cerimônia terminou, todas as pessoas se enfileiraram para receber a benção de suas mãos. Alguém levantou o menino e ele deu bênçãos com as mãos, mantendo-as na posição correta. Ele estava totalmente absorto no que fazia e não perdeu o interesse ou mostrou sinais de cansaço. A criança, depois abençoou com suas mãos perto de duas a três mil pessoas. Depois disso, Sua Santidade, o Dalai Lama, almoçou com ele e ambos passaram algum tempo juntos. A única vez que o menino chorou e fez alguma confusão, foi quando o Dalai Lama despediu-se. Ele não queria que o Dalai Lama partisse.

Na verdade, esse menino estava dando bênçãos antes mesmo de ser reconhecido como Ling Rinpoche. Ele e seu irmão estavam em um orfanato pois sua mãe morrera logo após o seu nascimento. O pai era muito pobre e, por isso, tivera de por os filhos em um orfanato. O menino costumava abençoar com as mãos as pessoas naquele local. Seu irmão mais velho, que tinha três anos, talvez quatro, costumava dizer: "Meu irmão é muito especial. Ele um Lama. Ele é um Rinpoche. Não façam nada de mal para ele. Deem-lhe um tratamento especial."

Os Ling Rinpoches anteriores haviam sido os mestres de três Dalai Lamas. Um Ling Rinpoche era o professor do décimo segundo Dalai Lama. O seguinte Ling Rinpoche foi o professor do décimo terceiro; o seguinte, foi o professor do décimo quarto. Certamente, as pessoas viam esse último como sendo o professor do próximo Dalai Lama.

Ver exemplos como esse trouxe-me uma forte impressão sobre a exequibilidade de vidas futuras. Assim pensando, ouvindo histórias e vendo coisas como essa, então, gradualmente, a pessoa se torna mais e mais convicta da existência de vidas passadas e futuras. Agora, se você me perguntar: "Você acredita em vidas futuras?" Respondo: Sim eu acredito.

7. Os Lamas encarnados são encontrados somente entre os tibetanos?
Não, cerca de sete foram encontrados também em países do ocidente. Um desses, Lama Osel, a reencarnação do Lama Thubten Yeshe, uma criança espanhola. O encontro do Lama Osel deu às pessoas que conheceram o Lama Yeshe muita convicção no renascimento.

8. Algumas pessoas aqui carregam pequenas estatuetas de Buda para auto-proteção. Como isso funciona?
Há dois fatores envolvidos. Um pelo lado do objeto. Eles são consagrados por Lamas de muito alta categoria. Muitos mestres se reunem e recitam o mantra "om mani padme hum" dez milhões de vezes, e sopram sobre o objeto. Um só lama também pode fazer isso, ou ele pode sentar-se em profunda e concentrada meditação. Para usar uma analogia científica: a recitação do mantra e a concentração mudam o campo magnético — o campo de energia dos objetos, de modo que eles passam a ter uma certa qualidade magnética e espiritual.

O segundo fator é a fé e a confiança das pessoas que usam esses objetos, tanto como suas ações previamente criadas do carma. Se as pessoas têm fé e confiam que alguma coisa poder protegê-las, então sua própria confiança pode protegê-las. Ela não pode protegê-las de uma bomba atômica, mas pode ajudá-las em eventos nos quais elas não tenham confiança em lidar com a situação de uma maneira benéfica.

Se um cordão bento ou uma imagem for colocada no pescoço de um porco, não creio que isso possa protegê-lo de ser abatido. Mas se uma pessoa tem um potencial que possa permitir que essa bênção a ajude, então ela a ajudará. Ambos os fatores são necessários. É o mesmo que duas peças de um quebra-cabeça que se encaixam.




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